Especial ‘Novembro Negro’: a poesia à flor da pele de Adão Ventura

Novembro vem sendo marcado pelo Dia da Consciência Negra (20/11) e, em contrapartida, a morte filmada e midiatizada de mais um corpo preto. De fato, não foi somente neste mês em que mais um corpo negro perdeu-se no mundo. A violência, perseguição e dores raciais que a comunidade enfrenta são vivenciadas o ano inteiro. A data, no entanto, é emblemática por si só. Foi o dia atribuído ao assassinato de Zumbi dos Palmares.

Dedico, portanto, esta apreciação estética de Adão Ventura à Zumbi. Quando questionado sobre quais eram os três negros importantes no Brasil, o mineiro respondeu: “Zumbi, Zumbi e Zumbi.” Ventura, grande poeta negro do século passado, apresenta uma produção atemporal, contemporânea e histórica. Abaixo, seu poema que mais me emociona:

Das biografias – Adão Ventura

em negro

teceram-me a pele.

enormes correntes

amarram-me ao tronco

de uma Nova África.

 

carrego comigo

a sombra de longos muros

tentando impedir

que meus pés

cheguem ao final

dos caminhos.

 

mas o meu sangue

está cada vez mais forte,

tão forte quanto as imensas pedras

que os meus avós carregaram

para edificar os palácios dos reis.

A pele negra e o corpo racializado foram tecidos para além da melanina, com as vestes sociais que o homem branco lançou ao negro. Esta roupa, tecida num corpo físico, amarra e acorrenta a realidade na Nova África. África por ser preta. Nova, por não ser mais aquela continental, redesenhada num novo chão, com árvores de raízes imperialistas. O Brasil, ainda sendo um país majoritariamente negro, mostra-se omisso e violento contra estes. A Nova África nada difere-se daquela que foi saqueada, violentada e vendida.

Na segunda estrofe do poema, a confidência: “muros tentam impedir que meus pés cheguem ao final dos caminhos”. A narrativa de violência, assassinato e morte parece ser a mesma em diferentes corpos, rostos e personalidades. Todas unidas por somente um aspecto: a pele tecida em negro. Marginalizada, favelada, periférica: abastada do seu real caminho, é impedida de segui-lo e contamina-se na violência do homem branco. Não por acaso, o título do poema é “Das biografias”. Quantas vidas (bio) negras foram escritas (grafias) e descritas em somente um poema?

Como resultado da escravidão, o corpo, a pele e o sangue se fortalecem da ancestralidade e mais, se conectam com os antepassados. “… Tão forte quanto as imensas pedras que os meus avós carregaram para edificar os palácios dos reis.” Tão forte quanto os imensos reis que foram carregados como pedras para edificar este país.

Adão Ventura é atemporal por encaixar-se em nosso tempo (mesmo que esteja distante dele). É contemporâneo por sua escrita revelar a escuridão desconhecida que habita em nosso presente. Por último, histórico: pois não há nada mais histórico do que ser preto na Nova África.


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