Piora da epidemia no Brasil pode acelerar teste para comprovar eficácia da CoronaVac

O resultado preliminar do estudo que avalia a eficácia da vacina CoronaVac contra a Covid-19 pode sair antes do esperado, afirma o diretor de pesquisa clínica do Instituto Butantan. Segundo Ricardo Palacios, como o número de infecções pela doença no Brasil estão crescendo, é possível que a quantidade de casos necessárias para tirar uma conclusão saia dentro de poucas semanas.

— Nós temos um protocolo guiado por desfecho, o que significa que temos um número predeterminado de casos de Covid-19 que precisam ocorrer entre os voluntários do estudo antes que possamos fazer uma análise interina. No nosso caso esse número é 61 — disse Palacios ao GLOBO.

Ele não quis arriscar quando exatamente isso ocorreria, mas a estimativa inicial dos pesquisadores já era que o marco intermediário da fase 3 do estudo (a última antes da aprovação da vacina) fosse atingido antes do final do ano.

Segundo o cientista, a antecipação ocorreria a exemplo dos resultados preliminares anunciados nos testes das vacinas da Pfizer e da Moderna, que estão sendo testadas nos EUA.

— Nos EUA o número de casos estava se incrementando muito, e no Brasil infelizmente estamos seguindo a mesma tendência — diz Palácios. — Se realmente os casos aumentarem no Brasil talvez venhamos a ter a informação um pouco antes do que o previsto.

A decisão de abrir dados preliminares, em princípio, não é só do Butantan. Ela precisa primeiro ser avaliada pelo DSMB (comitê de monitoramento de dados e segurança), grupo que faz o acompanhamento independente da pesquisa.

Caso os 61 casos necessários para antecipação de resultados se confirmem, isso ocorrerá antes que todos os voluntários da vacina tenham sido vacinados.

O Butantan afirma que pouco mais de 10 mil indivíduos já integram o estudo, tendo recebido ou a vacina ou o placebo, e a meta é atingir 13.060 voluntário. Entre os cerca de 3.000 que ainda integrariam o estudo estão principalmente aqueles com mais de 60 anos, que entraram no estudo só em um segundo momento.

— Esse é o grupo do qual mais sentimos falta e no qual temos mais interesse, porque é importante que a vacina os proteja. Existem menos profissionais de saúde com mais de 60 que estejam atendendo pacientes com covid-19 que é o foco do estudo — diz o cientista. — Mas eles existem e estão se voluntariando.

Lancet publica versão final do estudo

Nesta terça-feira (17), a revista médica “Lancet Infectious Diseases” publicou finalmente a versão final do estudo com os resultados das fases 1 e 2 do teste da CoronaVac, realizadas na China para medir segurança e eficácia de vacina.

O trabalho reitera resultados bem sucedidos divulgados antes, mas agora tem a chancela de uma revisão independente e lista algumas limitações da vacina que os cientistas estão observando.

O trabalho afirma que a vacina foi segura e teve como efeitos adverso apenas alguns casos em que houve uma dor administrável no local de aplicação da vacina injetável. Quanto a capacidade de gerar resposta imune, diz o estudo, a CoronaVac foi “moderadamente imunogênica”.

O trabalho avaliou, entre outras coisas, o nível de produção de anticorpos, moléculas do sistema imune que neutralizam o coronavírus. A conclusão foi que os voluntários da vacina não geraram tanta resposta imune quanto pacientes infectados naturalmente pelo vírus.

Segundo Palacios, isso já era esperado.

— O mais importante não é ela gerar uma grande concentração de anticorpos, mas gerar uma resposta de memória do organismo, ou seja, ensinar o organismo a responder à infecção, e isso foi observado — diz o cientista.

Segundo o infectologista Mauro Schechter, da UFRJ, não envolvido com o estudo da CoronaVac, a geração moderada de anticorpos não é necessariamente uma preocupação, desde que os anticorpos estejam acima de um limiar mínimo para aferir imunidade.

O estudo de fases 1 e 2, além disso, não avaliou dados de imunidade celular, um mecanismo do sistema imune que não envolve diretamente a produção de anticorpos. Esse outro tipo de proteção, segundo Palacios, está sendo avaliada agora no ensaio clínico de fase 3.

Shechter afirma que é possível que a imunidade celular esteja por trás dos mecanismos que explicariam o alto grau de eficácia inesperado relatado pelas vacinas da Pfizer e da Moderna, feitas de RNA, material genético do vírus.

— A imunidade celular deve ter algum papel em ter feito que essas vacinas tenham ajudado os pacientes não só a evitar infecção, mas também evitado doença grave — diz Schechter. — Isso traz bastante otimismo em relação a qualquer vacina que possa gerar anticorpos contra a proteína da espícula do vírus, que é também o caso da CoronaVac.

Segundo Palácios, o episódio de interrupção temporária dos testes clínicos da vacina após a morte de um voluntário, que gerou atrito com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), já foi superado.

— Essas são dificuldades que acontece quando temos um estudo de tão grande porte — afirmou. — A gente tem uma enorme confiança no corpo técnico da Anvisa.

Na opinião o cientista, é equivocada qualquer declaração que faça parecer que pesquisadores em testes de diferentes vacinas sejam rivais em uma corrida.

— Entre os cientistas existe um senso de colaboração e de que não estamos concorrendo uns contra os outros, mas contra o vírus. Todos nós comemoramos cada vez que alguém tem um resultado favorável — disse. [Capa: Antonio Molina/Agência O Globo]

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