O Senado Federal aprovou nesta terça-feira (3) o projeto que dá autonomia ao Banco Central (BC). Foram 56 votos a favor e 12 votos contrários.
Os senadores ainda vão apreciar um destaque e depois a proposta segue para avaliação da Câmara dos Deputados, onde deve ser apensada a um projeto semelhante que já está tramitando.
O projeto faz alterações na estrutura do Banco Central com a intenção de proteger a diretoria e o presidente da autarquia de interferências políticas.
A partir da sanção do projeto, a diretoria terá mandatos fixos e o órgão deve dispor de autonomia “técnica, operacional, administrativa e financeira”. Como ainda precisa passar por aprovação dos deputados, o texto pode ser alterado.
Durante a sessão, o líder do governo no Senado, Fernado Bezerra (MDB-PE) que articulou o acordo para votação, elogiou o trabalho do relator, senador Telmário Mota (Pros-RR) e de outros senadores. Segundo ele, o debate já está maduro.
— É o Senado Federal que puxa a agenda de reformas em primeiro lugar e ainda vivendo um momento eleitoral. O Senado Federal manda um recado claro para toda a sociedade brasileira de que o Senado estará à altura que os desafios que o momento político está a nos ensejar.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) ressaltou a que a autonomia do BC é uma blindagem contra as disputas políticas.
— A credibilidade do BC junto aos agentes econômicos sobe exponencialmente quando se sabe que seu compromisso básico é com o controle da inflação e que ele está livre das disputas políticas para atingir tais objetivos.
O Congresso já discute sobre autonomia do Banco Central há décadas, mas a tramitação nunca avançou. Um projeto de 1989 de autoria do ex-presidente e então senador Itamar Franco já previa essa mudança para a autarquia.
Ela foi apensada a um projeto mais recente que está em tramitação na Câmara, o mesmo ao qual essa proposta do Senado deve ser agregada.
Desde o início do governo, o projeto de autonomia do BC esteve na lista de prioridades da equipe econômica, inclusive estava literalmente na lista de 19 projetos que o ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentou no início da pandemia como prioridades para conter os efeitos da crise que se avizinhava.
No entanto, a votação do projeto relatado pelo deputado Celso Maldaner (MDB-SC), ao qual a proposta do Senado deve ser apensada, estava sendo adiada mesmo antes do coronavírus chegar ao país e perdeu ainda mais espaço quando o Congresso passou a atuar em sessões remotas.
Antes da pandemia, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), citava o projeto de autonomia como um dos prioritários para entrar em votação, mas a proposta sempre teve muita resistência dos partidos de oposição.
Papel do BC
Entre as responsabilidades atuais do Banco Central, a principal é a estabilidade de preços, com controle da inflação. Com o projeto, ela seguirá sendo o objetivo fundamental da autarquia, mas será acompanhada por três objetivos secundários: zelar pela estabilidade e eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego, todas “sem prejuízo de seu objetivo fundamental”.
A inclusão do fomento ao pleno emprego foi feita por uma emenda do senador Eduardo Braga (MDB-AM) e causou polêmica porque criaria um “duplo mandato” ao Banco Central, ou seja, o órgão teria que perseguir dois objetivos ao mesmo tempo. No entanto, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, sinalizou que não teria problema de, na medida do possível, tratar também do emprego.
Autonomia
A autonomia do Banco Central é diferente de independência. Um banco central independente tem autoridade para definir suas próprias metas e objetivos, algo que não será o caso da autoridade monetária brasileira caso o projeto seja aprovado na Câmara.
O texto estabelece que o BC terá que perseguir as metas definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão que atualmente reúne o ministro da Economia, o secretário especial de Fazenda e o presidente do BC. Por exemplo, as metas de inflação de cada ano são definidas por esse conselho e perseguidas pelo Banco Central.
Mandatos
A proposta estabelece mandatos fixos de quatro anos para o presidente e para a diretoria do Banco Central e prevê que o Presidente da República não poderá demiti-los por vontade própria sem passar por avaliação do Senado Federal.
Além disso, esses mandatos não serão coincidentes com o do Presidente da República. O presidente do Banco Central assume o cargo no terceiro ano de mandato do Presidente da República. Cada diretor poderá ser reconduzido ao cargo uma única vez.
O projeto prevê quatro possibilidades para que algum diretor ou o presidente do BC seja exonerado do cargo: No caso do próprio diretor ou o presidente pedir para sair, de alguma doença que incapacite o exercício do cargo, em caso de condenação com trânsito em julgado ou proferida por órgão colegiado por improbidade administrativa ou com pena de proibição de exercício de cargos públicos e por último quando apresentarem “comprovado e recorrente” desempenho insuficiente.
Nesse último caso, o Conselho Monetário Nacional (CMN) deve apresentar uma proposta de exoneração ao Presidente da República, que por sua vez, deve enviá-la Senado. Se houver maioria absoluta entre os parlamentares, o membro da diretoria ou o presidente poderá ser exonerado.
O projeto também estabelece que em até 90 dias após a publicação da lei, o governo deverá nomear o presidente e os oito diretores do BC. Se os indicados já estiverem nos cargos, não haverá necessidade de sabatina pelos senadores.
A primeira composição da diretoria deverá seguir a seguinte ordem: presidente e dois diretores com mandatos até o fim de 2024, dois diretores até o fim de 2023, outros dois para 28 de fevereiro de 2023 e os dois restantes até 31 de dezembro de 2021.
Status de ministro
Atualmente, o BC é subordinado ao Ministério da Economia e seu presidente tem status de ministro. Com o projeto, o Banco Central passaria a não ter vinculação com ministérios e o cargo de ministro será transformado em de “Natureza Especial de Presidente do Banco Central do Brasil”.
Confiança do mercado
O projeto de autonomia tem apoio do mercado financeiro porque blinda as autoridades que precisam cuidar da política monetária de interferências políticas. Por exemplo, se um Presidente da República quiser diminuir os juros mesmo que as condições da economia não sejam ideais para isso, ele terá menos poder de pressão sobre o Banco Central para forçar essa redução.
Vários países têm bancos centrais autônomos ou independentes, inclusive as principais economias do mundo, como nos Estados Unidos, na Inglaterra e também em países emergentes, como o Chile. [Capa: Jorge William/Agência O Globo]