18 de abril de 2024

Sobrevivendo no inferno: O Brasil favelado de “Quarto de Despejo”

Na década de 1950 a catadora de papel, Maria Carolina de Jesus, já escrevia seus primeiros relatos em seu particular diário. Carolina, moradora da favela do Canindé em São Paulo, acordava cedo para revirar o lixo e procurar comida, papel e pedaços de madeira. Trocava o pouco material encontrado nas ruas por alguns cruzeiros. Entre a rotina dura, a maternidade bruta, entulhos e solidão, tinha o único refúgio: a escrita.

Em seu diário Carolina de Jesus relata que escrever é uma das poucas coisas que lhe faz bem. O mundo ao seu redor é violento, alcoólatra, decorado em papelão, fome e pobreza. Na rotina da favela não existe o amanhã: o estômago vazio é hoje, a brutalidade contra os favelados é agora, a morte é o único presente possível.

Quarto de Despejo, uma obra escrita no século passado, traz à tona uma narrativa contemporânea. O quarto de despejo, este cubículo que é preenchido por todas as velharias e inutilidades, lançadas para distante do olhar dos outros, escondida de todos, ainda existe no Brasil de 2020. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) cerca de 13,5 milhões pessoas estão em situação de miséria. Cerca de 13,5 milhões de pessoas estão em Quartos de Despejo. A narrativa continua a mesma, a realidade de outras Marias Carolinas permanece escondida da sala-de-estar.

Em 1997 o grupo de rap Racionais MC’s lançava seu quarto álbum de estúdio: Sobrevivendo no Inferno. O álbum escancara a violência e vivência sofrida por moradores da favela e periferia. Entre rimas e versos, beats e cânticos, a mesma narrativa ecoa: desigualdade racial, violência, fome, medo e morte. Comparando a diferença de tempo entre as duas obras, temos várias décadas para somar. No entanto, a mesma gênese está presente em ambas: o fio condutor de Quarto de Despejo e Sobrevivendo no Inferno é a própria realidade da desigualdade brasileira. O relato, a confidência, a voz forte de quem sente o peso de viver e falar sobre o que se vive, é a medida paliativa para alcançar a cura das feridas do mundo. Sem sabermos, se a tão sonhada cura, existe mesmo.

As marcas do Brasil colonial, resquícios escravocratas e o reflexo de um sistema econômico-social falido, são somente alguns dos pontos que interligam as obras. A linguagem, principal mecanismo artístico utilizado em ambas, apresenta-se limpa, clara, objetiva, com toda a contribuição milenar de todos os erros. Os personagens são reais, os espaços verossímeis, as histórias pulsam e entrelaçam-se numa realidade surreal (!) que quem vive compreende instantaneamente. Ademais, é indispensável pensar no grupo racial ocupado por ambos os autores, depoentes e relatores. A população negra é, indiscutivelmente, a que mais sofre neste cenário social.

Neste exato momento 13,5 milhões de pessoas sobrevivem neste inferno. O sol queima, a rua ferve, as casas apertam-se. Os ônibus lotam, a rotina não espera, o amanhã já não existe. A fome rasga o estômago, a arte é alucinada na mente. Todos empurrados para este quarto de despejo esperam a porta abrir. Queremos empurrá-la, queremos sair. Parafraseando Racionais: Eu sou apenas um rapaz latino americano, apoiado por mais de cinquenta mil manos. Efeito colateral que o seu sistema fez. O ano é 2020, o que podemos fazer dessa vez?

Hey, pessoal! Essa foi a coluna desta semana. Toda segunda-feira você me encontrará aqui na Arte & Cultura. Não esqueça de compartilhar o link com seus amigos e colegas! Caso queiram conversar meu e-mail é [email protected]

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