“Você sabe quem está ligando, não é?”. Estas foram as primeiras palavras que o jornalista e professor universitário paraibano Rodolpho Raphael disse para a mãe biológica dele, Edileuza Fernandes, em uma videoconferência feita exatamente 30 anos depois que ela o deixou para ser adotado em uma caixa de papelão, junto a uma carta, em frente a uma casa na cidade de Esperança, Agreste paraibano.
Rodolpho cresceu sabendo que foi adotado e sempre teve carinho pela mãe biológica, mesmo sem tê-la conhecido. Ele foi criado pelos pais adotivos, Antônio Rafael e Maria do Carmo, e somente trinta anos depois resolveu buscar a família biológica, após postar nas redes sociais uma foto de Edileuza.
Para entender como o reencontro entre mãe e filho, que o jornalista considera um presente de Natal, foi possível, é preciso voltar para a madrugada da quarta-feira 19 de dezembro de 1990, dia em que ele foi deixado na casa dos pais adotivos.
Rodolpho Raphael foi deixado recém-nascido na casa dos pais adotivos, em Esperança, PB, em dezembro de 1990 — Foto: Rodolpho Raphael/Arquivo pessoal
“A minha esposa acolheu ele muito bem acolhido e disse: ‘mas meu filho, esse menino desse jeito, em uma caixinha de papelão… vamos abraçar esse menino e vamos educar esse menino. Ele vai ser uma grande pessoa”, conta seu Antônio.
Junto ao bebê, dentro da caixa, estava uma carta: “Boa noite. Estou invadindo a sua casa para lhe pedir que me acolha. Não tenho pai nem tenho mãe e por isso escolho vocês para serem os meus. Pois eu sei que vocês são carentes de carinho e eu também sou. Não escolhi dia e nem mês para nascer. Por força do destino, nasci faltando oito dias para o Natal e escolhi logo vocês para este presente maravilhoso”, diz o texto da carta.
Carta de adoção foi deixada junto a Rodolpho dentro de uma cesta — Foto: Reprodução/TV Cabo Branco
Rodolpho conta que os pais adotivos sempre contaram para ele, desde pequeno, que ele era adotado.
“Eles diziam que o Papai Noel tinha me trazido de presente de Natal, que tinha batido no basculante, que meu pai tinha acordado e me pego junto com a minha vó. A medida que os anos foram passando, quando completei 10 anos, meus pais me falaram da carta”, diz o jornalista.
A cartinha também trazia uma mensagem final: “Como Menino Deus que não tinha onde nascer e todas as portas se fecharam para ele, eu espero que seu coração não se feche para mim. Seremos uma família muito feliz, quero te chamar mamãe e papai. Não tenho nome, nem sou registrado. Me faça cristão como vocês. Deus te abençoe”, concluía o texto, seguido da assinatura: “Seu presente de Natal”.
Busca pela família
Rodolpho viveu em Esperança, se formou jornalista e em seguida se tornou professor universitário. Durante toda a vida, foi lembrado de sua história, com amor, por parte da mãe adotiva.
“Uma das coisas que eu me lembro que ela me falava era o seguinte: ‘meu filho, você nunca julgue a sua mãe biológica porque uma mulher quando dá uma criança, ela está em um estágio de desespero enorme”, conta.
Filho postou uma foto nas redes sociais procurando a mãe biológica — Foto: Reprodução/Facebook/Rodolpho Raphael de Oliveira
Em novembro deste ano, um mês antes de completar 30 anos, ele resolveu buscar a família biológica. “O ato de eu tentar buscar e encontrar a minha família biológica não foi um ato de ingratidão com meus pais. Eu disse a eles ‘eu amo muito vocês e um dia que eu descobrir a família eu tenho certeza que vou amar vocês muito mais por tudo aquilo que vocês fizeram, me ensinaram. Eu vou continuar sendo filho de vocês, porque pai e mãe é quem cria, quem convive. O amor é fruto da convivência”, diz Rodolpho.
O jornalista conseguiu uma foto de quem poderia ser a mãe biológica. Na imagem ela estaria grávida de Rodolpho. Ele postou a imagem nas redes sociais e escreveu um texto pedindo informações sobre a mulher que estava na imagem. Não demorou muito e logo ele conseguiu contato com a família biológica quase toda. Alguns moram em Esperança, outros em Campina Grande e também existem parentes em Tocantins. A mãe e os irmãos moram em São Paulo.
Reencontro virtual
“Nisso eu já fui ligando para minha mãe biológica, em vídeo. Eu não mandei nem um oi e já fui ligando. Ela atendeu surpresa, ficou em choque e eu disse: ‘sabe quem está ligando? Porque estou ligando?’ e ela não disse uma palavra. Só chorou descontroladamente e contou a história, o que ela passou, e agradecendo a Deus por depois de 30 anos ter me encontrado”, explica Rodolpho.
Dona Edileuza Fernandes contou em entrevista para a TV Cabo Branco que o que mais queria ouvir era o filho a chamando de mãe. Ela revelou também que teve que dar o próprio filho contra a vontade dela.
Filho e mãe biológica se emocionaram durante reencontro virtual — Foto: Reprodução/TV Cabo Branco
“Ela teve um relacionamento de alguns meses com um rapaz de Esperança. Ele era ajudante de uma empresa de caminhões e também alcoólatra e extremamente agressivo. Chegou em uma situação em que ela teve que sair de casa e, quando voltou para a casa dos pais, o meu avô, pai dela, vaqueiro de um sítio extremamente rígido, disse que ‘filha que engravida sem marido, sozinha, só tem duas opções, ou aborta ou dá a criança. Ela disse que ia levar a gravidez até o final”, conta Rodolpho.
“A pessoa que pegou ele, na época, falou que ia criá-lo e que ia fazer dele um padre. Por isso que eu procurava sempre nas paróquias. Cheguei a ligar para a paróquia de Campina Grande e tudo o mais, mas não consegui nada”, disse a mãe biológica de Rodolpho.
Edileuza Fernandes, mãe biológica de Rodolpho, falou que precisou deixar o bebê para adoção pois o pai dela não aceitava filho fora do casamento. Avô se arrependeu e foi perdoado pelo neto — Foto: Reprodução/TV Cabo Branco
O avô biológico do jornalista, Eduardo Antônio, mora em Tocantins. Segundo Rodolpho, ele se arrependeu do que mandou a filha fazer, e recebeu do neto o perdão.
“Quando ele atendeu o telefone eu disse: ‘oi vô, a bênção?’. Foi a única coisa que eu falei. E eu vi que ele encheu os olhos de lágrimas, mesmo durão. Eu perguntei se ele estava surpreso com o retorno e ele contou que sim, pois depois de 30 anos já tinha perdido as esperanças de encontrar o neto”, relata Rodolpho.
Por enquanto o reencontro foi virtual, mas a família pretende se encontrar, pessoalmente, em janeiro.
“Não vejo a hora de dar um abraço nele, de pegar ele no colo de novo. Aquele filho que foi entregue há 30 anos. Hoje eu sou a mãe mais feliz do mundo, posso dizer isso”, completa Edileuza.
Rodolpho Raphael e os pais adotivos, em João Pessoa — Foto: Rodolpho Raphael/Arquivo pessoal