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Piratas da Amazônia: dos roubos à guerra por drogas

Por WALDICK JUNIOR/ O TEMPO

Nos rios da Amazônia, homens encapuzados entre 17 e 40 anos lutam para roubar cargas de droga que vem da Bolívia e Peru. O destino é Manaus, mas a rota passa por alguns municípios como Coari (distante 363 km da Capital), motivo que levou o EM TEMPO a visitar a cidade para descobrir quem são e como agem os piratas dos rios.

Um dos casos mais famosos que envolve esses grupos é o assassinato da britânica Emma Kelty, de 43 anos. Ela fazia acampamentos pela Amazônia, e estava em uma viagem que iniciou no Peru. De caiaque, ela ia explorando os rios da região e registrava tudo em um blog pessoal.

No dia 11 de setembro de 2017 ela sumiu no Rio Solimões, próximo a Coari. Na semana seguinte, em 19 de setembro, a Polícia Civil do Amazonas tornou pública a apreensão de um menor que havia confessado participação no crime. O corpo da mulher nunca foi encontrado, mas relatos do rapaz preso e de populares dão conta de que ela foi vítima de latrocínio, roubo seguido de morte. O crime deu origem a um processo aberto pelo Ministério Público do Amazonas, que segue em tramitação.

O rio das drogas

O motivo para esses ataques recorrentes é que o Rio Solimões, onde ocorrem, é a principal rota do tráfico internacional de drogas na costa oeste do Amazonas. Os ilícitos são enviados de países vizinhos, como Peru e Bolívia, e descem pelo rio Solimões até chegar ao seu destino, Manaus. Da capital do Amazonas, as drogas viajam para o resto do Brasil.

Na última grande operação realizada na região, a Polícia Civil do Amazonas apreendeu mais de 350 quilos de drogas avaliadas em R$ 350 mil, em Maraã, outro município que fica no caminho da rota do tráfico internacional.

Os piratas que moram em comunidades ribeirinhas próximas a Coari e Tefé se aproveitam do conhecimento da localidade para assaltar essas embarcações que levam cocaína e maconha, o que faz com que traficantes e piratas travem verdadeiras guerras no rio Solimões.

Uma reportagem do site Sputnik Brasil apurou ainda que os piratas têm, como principal território para praticar os crimes, um triângulo que se forma entre Coari, a comunidade Monte Betânia e Vila Fernandes.

Todo esse espaço onde atuam os piratas é território da Família do Norte (FDN), terceira maior facção do Brasil e grande inimiga do Comando Vermelho (CV). Pelas águas que beiram Coari e Tefé, traficantes escoam e recebem drogas. O EM TEMPO procurou o secretário de Segurança de Coari para entender mais essa dinâmica, mas não obteve retorno.

Combate à pirataria e tráfico de drogas

Com o objetivo de combater os crimes realizados nas águas próximas a Coari e Tefé, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) atracou ali, há dois meses, a Base Arpão. O grande navio funciona como uma delegacia móvel e une forças como da Polícia Civil, Militar e de combate à crimes ambientais.

 

Base Arpão está localizada em um ponto-chave da rota do tráfico de drogas | Foto: Brayan Riker

“O pirata aflige as comunidades que carecem [da ajuda] do Estado às vezes, e nós estamos num território muito grande [do Amazonas], não tem como o braço do Estado estar em todas as localidades, então a intenção da Base Arpão foi essa, levar essa segurança para esse pessoal”, comenta Major Muniz, comandante da Base Arpão.

Ele explica que os piratas são todos das comunidades ribeirinhas próximas a Coari, e não à toa ela é conhecida como berço deles. “Esses grupos, por serem nascidos aqui, se utilizam desse conhecimento da região para fazer suas operações”, diz o Major.

 

Major Muniz na Base Arpão | Foto: Brayan Riker

Trauma na beira do rio

Era madrugada quando Maria do Socorro (nome alterado a pedido da fonte), 67 anos, ouviu uma lancha chegar na beira da sua casa flutuante. No susto, ela acordou o marido e pediu para ele ver o que estava se passando lá fora. José (nome alterado) levantou às pressas para abrir a porta e checar quem era. Mal destrancou o cadeado e viu um cano de pistola ser mirado bem no seu rosto. Eram eles.

“Bora, cadê a gasolina?” Gritaram os piratas para o casal. A mulher rapidamente deixou o marido para fora de casa e se trancou com as crianças para o lado de dentro.

 

Família saindo de uma catraia para um táxi, no porto de Coari | Foto: Waldick Junior

“Mamãe, vão matar o papai”, chorou uma das filhas. “Vão não, menina”, respondeu rapidamente dona Maria.

Pela brecha da porta, ela assistiu seis piratas com o rosto coberto insistirem para que José, seu marido, lhes desse gasolina. Ali ela teve medo de se tornar viúva, mas após perceberem que a família não tinha combustível, o bando fugiu em botes de madeira motorizados. A história nunca mais saiu da memória do casal, que contou todos os detalhes durante a visita da reportagem ao local. A família mora em um flutuante próximo a Coari (363 km de Manaus), justamente na região onde vivem os piratas da Amazônia.

Outros relatos

 

Mesmo quem não tem nenhuma relação com os entorpecentes, como é o caso dos ribeirinhos, ainda assim sofrem por roubos, estupros e até homicídios | Foto: Arquivo EM TEMPO

Mesmo quem não tem nenhuma relação com os entorpecentes, como é o caso dos ribeirinhos, ainda assim sofrem por roubos, estupros e até homicídios realizados por piratas. Isso porque quando os grupos não estão atacando barcos que levam drogas, eles assaltam coarienses para conseguir gasolina e outros mantimentos.

A reportagem conversou com barqueiros da orla de Coari e Tefé, e moradores do centro da cidade. Mesmo sendo escolhidos de maneira aleatória para a entrevista, todos alegaram algum contato com os piratas.

 

Catraieiro conversou com a reportagem sobre os ataques de piratas | Foto: Bruna Martins

“Sofri três assaltos, tenho até duas facadas nas costas, resultado de um desses ataques. Eu estava ali na boca do Pêra [um bairro de Coari], eram 13h, à tarde, quando os piratas apareceram. Levaram minha rabeta [bote motorizado] e outra do meu amigo. E pegaram também os R$ 4 mil que ele levava, do trabalho de barqueiro”, relata um catraieiro, que é uma espécie de Uber dos rios.

Ele, que preferiu não se identificar por ainda trabalhar no local, diz que tudo melhorou depois da chegada da Base Arpão.

“Depois que chegou aqui a gente pode andar sossegado em casa, às vezes a gente pode até sair mais pro meio [do rio] para trabalhar, mas antes ninguém podia ficar não, mal chegava e já vinha o ladrão”, comenta o coariense.

Assista à reportagem especial abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=zpE-HaYfV4s

Fonte: WALDICK JUNIOR/ O TEMPO

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