O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do adolescente (Conanda) aprovou na última quinta-feira (17/12) resolução que estabelece uma série de diretrizes para o atendimento de adolescentes do gênero feminino que estejam cumprindo medidas socioeducativas em meio fechado.
O artigo 41 da medida acabou chamando a atenção. Segundo o trecho, “deverá ser garantido o direito à visita íntima para as adolescentes, independentemente de sua orientação ou identidade e expressão de gênero, nos termos do artigo 68 da Lei 12.594, de 18 de janeiro de 2012″.
A avaliação imediata era de que a resolução autorizava visitas íntimas a infratoras a partir dos 12 anos, já que o ECA (Lei 8.069/90) considera adolescente a pessoa que tem entre 12 e 18 anos.
A ministra Damares Alves, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, reclamou em entrevista ao SBT. “Acho que [a resolução] é inoportuna e também creio que tem vício de legalidade nela. O ECA fala que adolescente é a partir de 12. Mas o Código Penal fala que sexo com menos de 14 é crime. Essa brecha eu vou permitir?”, questionou, fazendo referência ao artigo 217-A do CP, que classifica o sexo com menores de 14 como estupro de vulnerável.
A presidente do Conanda, Iolete Ribeiro da Silva, por outro lado, saiu em defesa da resolução. “É preciso que a gente questione a afirmação equivocada de que essa resolução contribui para a violência sexual. Isso não é verdadeiro, dado que a resolução traz previsões voltadas para a prevenção da violência sexual.”
“Há uma crítica em relação à possibilidade da visita íntima. Mas essas visitas devem ser asseguradas, considerando que essa é uma previsão legal. Não está sendo inventada agora. Existe desde que a lei do Sinase foi criada [Lei 12.594/12, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo]. No artigo 68 da criação do Sinase está prevista essa possibilidade”, disse.
Autoriza ou não autoriza?
A ConJur ouviu especialistas para saber se a resolução de fato autoriza visitas íntimas a adolescentes que tenham 12 anos ou mais. Para André Luís Alves de Mello, promotor de justiça em Minas Gerais, embora a Lei 12.594/12 já permitisse a visita íntima a adolescentes, a resolução do Conanda “oficializou o estupro”.
“O Código Penal classifica o sexo com menor de 14 anos como estupro de vulnerável. Assim, o Conanda oficializou o estupro e criou uma espécie de ‘estupro culposo’ por erro normativo, pois pessoas acharão que estão autorizadas pelo Conanda a estuprar adolescentes entre 12 e 14 anos”, afirma.
Advogadas ouvidas pela reportagem discordam. Isso porque a resolução estabelece que as visitas íntimas devem ocorrer nos termos do artigo 68 da Lei 12.594/12. Segundo o dispositivo, “é assegurado ao adolescente casado ou que viva, comprovadamente, em união estável, o direito à visita íntima”.
Para Lyzie Perfi, advogada criminalista do escritório Teixeira Zanin Martins, a norma impede as visitas íntimas a partir dos 12 ao condicioná-las ao casamento ou à união estável.
Isso porque, por lei, só podem se casar pessoas com 16 anos ou mais. Nesse caso, é exigida a autorização de ambos os pais do adolescente. Tal disposição consta no artigo 1.517 do Código Civil. O mesmo vale, por analogia, para o reconhecimento da união estável.
“A resolução condiciona o direito à visita intima a uma condição prévia à internação: a existência de casamento ou união estável. Também é importante lembrar que as resoluções estão em ordem hierárquica inferior, devendo respeitar todas as leis federais sobre o assunto, assim como o Código Civil, o ECA e o Código Penal”, explica.
Carla Rahal, advogada criminalista e sócia do Viseu Advogados, acha o mesmo. “Somente podem receber visitas íntimas adolescentes casados ou que vivam, comprovadamente, em união estável. O casamento e a união só podem acontecer mediante autorização dos pais quando o adolescente tem ao menos 16 anos”, explica.
Ainda segundo a advogada, “a resolução não tem o condão de alterar a legislação federal”. Assim, mesmo que a norma do Conanda autorizasse expressamente a visita a adolescentes de 12 anos, ela seria ilegal. “Ou seja, iria contra dispositivos legais, o que não pode ocorrer.”
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