A pandemia do coronavírus também provocou um colapso no setor de petróleo, que enfrenta a sua pior crise em um século.
Depois que o preço desmoronou de forma brutal, em abril, a crise da matéria-prima ainda vai longe, segundo especialistas.
O assunto parece distante, mas tem tudo a ver com você, consumidor ou investidor, pois todos os produtos derivados de petróleo e as ações nas bolsas sofrem influência direta desse derretimento.
A quarentena planetária imposta pela pandemia levou à redução do consumo e a demanda pelo petróleo diminuiu abruptamente.
Muita coisa tem petróleo: gasolina, gás de cozinha, produtos de limpeza, cosméticos, tecidos e por aí vai. E essa redução no consumo se reflete nos preços mais baixos.
No final do ano passado, já havia a expectativa de que haveria uma queda no consumo petróleo nos próximos anos, pela mudança de comportamento do mercado.
“As pessoas estão cada vez mais interessadas em ‘green money’, preocupadas com a poluição, e querem investir e consumir em empresas com operações sustentáveis. Mas aí surgiu o coronavírus, um problema inesperado”, diz Ernani Reis, analista da Capital Research.
Não bastasse a covid-19, em 8 de março, a Arábia Saudita, a maior produtora de petróleo do mundo, reduziu de forma unilateral o preço da commodity, após negociações fracassadas com a Rússia.
A derrocada teve início após um impasse na reunião da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).
A Arábia Saudita, líder da Opep, propôs um corte na produção para ajustar a oferta à demanda mais baixa de combustíveis devido ao surto de coronavírus.
Contudo, a Rússia se recusou a diminuir sua produção e, em resposta, a Arábia Saudita colocou sua produção em promoção: cortou o valor de venda do barril.
No dia seguinte, o preço do barril de petróleo sofreu a maior desvalorização até então desde o início dos anos 1990, na Guerra do Golfo.
E em 12 de abril, uma reunião entre a Opep e aliados chegou a um acordo para reduzir a produção de petróleo em 10%.
Dessa vez, não houve resistência da Rússia. O acordo tem duração de dois meses, e começou a valer a partir do dia 1° de maio.
A soma da guerra de preços e do coronavírus é tão inusitada que resultou na primeira cotação negativa do barril de petróleo da história.
Em 20 de abril, o preço do barril do petróleo WTI, listado na bolsa de Nova York e principal referência para o mercado norte-americano, despencou 306% e foi cotado em US$ 37,63 negativos.
No mesmo dia, o preço do barril do petróleo Brent, listado na bolsa de Londres e principal referência para o mercado europeu e brasileiro, recuou 9%, para US$ 25,57.
Mas como assim, preço negativo? As pessoas tiveram que pagar para vender seus contratos de petróleo nos Estados Unidos. Elas precisavam se desfazer dos barris que não tinham onde armazenar.
Há petróleo demais sendo produzido e demanda de menos. Não há onde guardar os novos barris que chegam das plataformas.
E quanto mais a capacidade de estocagem de petróleo ficar saturada, mais o preço do barril vai continuar baixo.
“Estamos em uma corrida contra o tempo. A partir do momento em que as pessoas saírem do isolamento, mesmo que parcialmente, já se começa a combater esse problema da estocagem”, explica, Reis, da Capital Research.
Desde que despencou mais de 300%, o preço do petróleo flutua para cima e para baixo de forma mais turbulenta do que o normal.
As altas ou baixas significativas da matéria-prima têm sido o principal destaque de vários pregões. Mas a cotação da commodity se mantém em um patamar mais baixo do que já esteve.
O mercado internacional de petróleo encerrou em abril aquele que pode ter sido — se não o pior — um dos piores meses de sua história.
O WTI, referência nos Estados Unidos, para junho fechou abril com retração de 21%, em em US$ 18,84. Já o Brent, referência global, chegou a cair abaixo dos US$ 20 pela primeira vez desde 2002, e encerrou o mês com baixa de 2%, em US$ 25,27.
E daqui para frente?
Para equilibrar a oferta e a demanda de petróleo no mundo, os produtores vão precisar cortar a produção – muitos, inclusive, porque não têm capacidade física para estocar tantos barris de petróleo.
Mas a queda na produção definida pelos principais produtores de petróleo do mundo pode não ser suficiente para compensar a redução da demanda.
Segundo os analistas, o mercado terá uma oferta de petróleo menor por mais tempo, porque parte dos poços que tiverem sido fechados podem não retornar à produção.
Assim, quanto mais produtores tiverem que fechar seus poços para evitar o esgotamento da capacidade de armazenagem, mais acelerada será a recuperação de preços de petróleo.
A alta nos preços vai depender principalmente do fim gradual da quarentena e do que vai acontecer com o consumo depois disso.
Por hora, antes de surgir algum fato novo, o efeito da guerra de preços entre Arábia Saudita e Rússia já passou.
“Enquanto a demanda estiver baixa, essa situação de preços baixos do petróleo vai perdurar, mesmo que haja diminuição da produção. O que precisa para resolver a crise do petróleo? Vacina para o coronavírus”, diz Rafael Schiozer, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Mesmo com o fim gradual do isolamento, a demanda por combustível deve ficar comprometida até o final do ano e os preços devem se manter voláteis até lá.
“Vislumbro a retomada para os patamares anteriores só em 2021. Daqui um ano, provavelmente, estará mais próximo dos US$ 40 do que dos US$ 10 o barril”, diz Michael Viriato, coordenador do laboratório de finanças do Insper.
Em seu último comunicado, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que define a meta para os juros básicos, a Selic, supôs que o preço do petróleo (Brent) subirá cerca de 40% até o final de 2020.
A chance do barril de petróleo ter uma cotação negativa de novo é mínima, porque os produtores tomaram um susto e ajustaram a produção rapidamente.
Preço da gasolina
O consumo de combustíveis teve o pior março desde 2011 com a quarentena, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Desde maio de 2018, período marcado pela greve dos caminhoneiros, as vendas não eram tão baixas.
A Petrobras, estatal brasileira exploradora de petróleo, está queimando cerca de US$ 1 bilhão por mês com o atual cenário de preços baixos, disse a diretora financeira da companhia, Andrea Marques de Almeida.
Segundo ela, a situação exige medidas para preservar o caixa da petroleira.
A consultoria MacroSector estima que a queda dos preços da gasolina para o consumidor final foi de 9% em abril, ante março, enquanto para o diesel a redução foi de 8%.
De acordo com a Agência Nacional do Petróleo (ANP), o preço da gasolina atingiu, na semana entre 19 e 25 de abril, a média de R$ 3,992 o litro — o patamar mais baixo, em valores nominais, desde a semana entre 12 e 18 de novembro de 2017.
No caso do diesel a média de R$ 3,346 o litro foi a mais baixa, sem correção monetária, desde o período entre 24 e 30 de dezembro de 2017.
A pressão para a queda dos preços dos combustíveis nos postos veio da menor demanda doméstica, com o confinamento das pessoas em casa, e da forte redução nas refinarias, que acompanhou o movimento de intensa baixa nos valores do petróleo no mercado internacional.
No entanto, o preço dos derivados de petróleo nos postos ainda está bem abaixo da queda praticada pela Petrobras nas refinarias.
Em abril, a companhia cortou em 15% o preço da gasolina nas refinarias e em 19% os preços do diesel. No ano, a redução foi de 52% na gasolina e 48% no diesel.
Ao todo, a Petrobras já ajustou 13 vezes a sua tabela de preços da gasolina nas refinarias ao longo do ano. No caso do diesel, a estatal já mexeu 11 vezes nos preços.
E, nesta semana, após uma recuperação da cotação do petróleo no mercado internacional, em parte, e a disparada do câmbio, a Petrobras anunciou o aumento dos preços da gasolina no país. O reajuste médio nas refinarias foi de 12%.
A queda ainda pequena na bomba de combustível incomoda consumidores. “As pessoas vão começar a questionar mais esse mercado. Quando o preço do barril de petróleo sobe, também tem alta na bomba, mas quando cai, a queda nos postos é tímida. Não faz sentido”, diz Alexandre Espírito Santo, economista da Órama.
Isso acontece por alguns motivos, segundo os analistas. Primeiro, porque a Petrobras não tem uma concorrente direta no Brasil e tem custos elevados de distribuição e impostos.
Segundo, porque ainda há estoque de combustível nesse momento. E terceiro, porque a demanda, apesar de baixa, está estável na quarentena.
“O prolongamento do isolamento social por mais tempo pode levar a um repasse maior para a bomba de gasolina e a uma queda maior de preço para o consumidor final. Todo mundo vai precisar se livrar do seu estoque”, diz Reis, da Capital Research.
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