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“Os filhos da puta existem”: prostitutas e mães ressignificam o xingamento

Por METRÓPOLES

Andorinha, caborje, calhandreira, dama da noite, loba, meretriz, quenga, rameira, rascoa, rascoeira, rapariga, ratuína, reboque, rongó, tapada, tolerada, transviada, vaqueta, vulgívaga, zabaneira. Ou, simplesmente, puta. O dicionário traz essa infinidade de sinônimos para referir-se à mulher que faz sexo por dinheiro.

Chamar alguém de filho da puta talvez seja o xingamento preferido do brasileiro – e de outras nacionalidades também. “As pessoas precisam parar de se ofender com isso”, afirma a carioca radicada em Belo Horizonte (MG) Santuzza Souza, 39 anos, mãe de três, que começou as atividades como trabalhadora do sexo aos 23 anos.

Para ela, o termo vem da ideia machista de que mães não podem ter sexualidade e muito menos lucrar com ela. “Sempre criei os meus filhos sozinha. Eu fui para esse ramo porque precisava de dinheiro, e o trabalho me garantia uma remuneração maior do que teria trabalhando em outro lugar”, relata.

A prostituição foi o caminho encontrado por Santuzza para não se prender a uma relação conjugal abusiva em troca do sustento da casa. Os filhos João, 19 anos, Miguel, 13 e Açucena, 9 (na foto que abre a matéria), sabem de onde vem o dinheiro que coloca comida na mesa, paga pelas roupas e pela educação deles.

Santuzza relata que precisou lutar na Justiça para não perder a guarda do filho do meio, devido à sua profissão. “É muito comum que tentem tirar nossos filhos porque somos prostitutas, como se isso definisse a nossa maternidade. Meus filhos não têm nenhum trauma, porque não convivem com meu trabalho”, relata a mãe.

João Vitor, filho mais velho de Santuzza, orgulha-se da mãe. “Ela é minha companheira, minha amiga, quem me educa. Filho da puta, para mim, não é uma ofensa. Sou filho de uma mulher amiga, confidente, a única que está comigo em todas as horas para me apoiar e corrigir”, diz.

O adolescente lembra que, ainda pequeno, começou a ouvir as conversas da mãe com amigas e entender qual era a sua profissão. No começo, diz ter ficado assustado, pois pensava que era “algo errado”.

“Procurei as pessoas erradas para me aconselhar e cresci com uma mentalidade distorcida sobre trabalho sexual. Mais velho, fui desconstruindo isso. O termo é usado para ofender, mas pra mim, que sei o que é uma puta, é um elogio”, afirma João.

Os amigos de João sabem da profissão da mãe dele e a respeitam. “Quem tem uma opinião que diminui a minha mãe não está na minha roda de amigos.” Ele acredita que os valores relacionados a gênero na sociedade foram construídos com base em “ideias ultrapassadas”.

“A ideia que as pessoas têm de um puta não mostra o que ela passa em casa, o que ela tem que fazer pra colocar comida na mesa”, diz. Para João, é a independência dessas mulheres, que se sustentam por conta própria, que incomoda a sociedade.

Não é porque a gente cobra pelo que os homens acham que tem que ser dado de graça que a gente é menos digna e responsável como mulher e mãe.

Além de trabalhadora do sexo, Santuzza é ativista política e social. Há cinco anos ela fundou o coletivo Rebu, que reúne mulheres cis, transgênero e travestis, em BH. No ano passado, o grupo lançou o documentário Filhos da Puta, no qual João e outros dois filhos de mulheres que se prostituem contam suas histórias. Esse ano, o grupo produziu um calendário ilustrado por fotos de trabalhadoras sexuais e suas famílias. A foto em destaque nessa matéria, no topo da página, faz parte do projeto.

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