A chegada das primeiras doses das vacinas contra a Covid-19 para o público prioritário é o primeiro passo para o fim da pandemia, mas não significa proteção imediata aos vacinados. Segundo especialistas ouvidos pelo G1, a proteção começa, em média, duas semanas após a aplicação da segunda dose no paciente.
Este também foi o intervalo de tempo usado nos testes clínicos das duas vacinas disponíveis no Brasil, a Coronavac e a vacina de Oxford, para medição da resposta imune dos vacinados, segundo Renato Kfouri, presidente do departamento de imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria. Por isso, os dados de eficácia das duas vacinas foram medidos nesse período.
“Se uma pessoa que tomou a vacina se infectar antes desse tempo, não quer dizer que a vacina falhou, mas que não deu tempo do sistema imunológico criar a resposta imune”, explica Kfouri.
Nesta semana, um secretário municipal de Manaus foi diagnosticado com a Covid-19 seis dias depois de ter se vacinado. Por este motivo, os médicos recomendam que todos os cuidados para evitar a disseminação do vírus sejam mantidos mesmo após a vacinação, como o uso de máscara e a higienização das mãos.
Como funciona a resposta imune
Para ficar protegido da doença, o sistema imunológico precisa criar a imunidade protetora, composta por anticorpos neutralizantes, que impedem a entrada do vírus na célula.
“Com duas semanas, já se detecta a proteção, mas a maior quantidade de anticorpos é registrada um mês após o término da vacinação, com variações individuais”, explica Mônica Levi, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Este tempo de resposta pode variar de pessoa para pessoa de acordo com faixa etária e o sistema imunológico, segundo Levi, e também por aleatoridade, segundo Luiz Vicente Rizzo, diretor superintendente de pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein. “Tem uma parte da nossa resposta imune que é determinada por aleatoriedade (chance)”, diz o médico.
Além dos anticorpos, o nosso corpo também produz resposta imune celular. No caso da Covid-19, essa resposta depende das células T (ou linfócitos T), explica Rizzo. Essas células produzem ação antiviral por meio da produção de citocinas ou da eliminação de células infectadas. Segundo o médico, a resposta celular pode demorar um pouco mais para aparecer do que a criação de anticorpos, mas este tempo não foi medido nos testes clínicos.
A resposta celular é a principal diferença entre as cinco principais vacinas contra a Covid-19, segundo Carlos R. Zárate-Bladés, pesquisador do Laboratório de Imunorregulação da Universidade Federal de Santa Catarina. De acordo com o pesquisador, é possível separá-las em dois grupos: em um deles, a Coronavac, que tem uma resposta celular mais fraca; no outro, as vacinas de Oxford, Pfizer, Moderna e Sputnik, com forte resposta imune celular.
Efeito da primeira dose
Entre as vacinas disponíveis no Brasil, a de Oxford foi a única que mediu a proteção adquirida depois da primeira dose. De acordo com os dados publicados, a eficácia da vacina é bem semelhante para quem tomou apenas uma dose e para tomou as duas: cerca de 70%. O que muda é a duração da proteção.
Os resultados dos testes da vacina, publicados na revista científica “The Lancet”, mostraram que a eficácia foi medida 21 dias depois da aplicação da primeira dose da vacina, o que significa que há “uma proteção de curta duração após a primeira dose”.
Segundo os especialistas, a segunda dose da vacina garante uma maior duração da proteção, embora estudos ainda não tenham descoberto quanto tempo ela pode durar.
Já a Coronavac não mediu eficácia com uma dose nos testes clínicos realizados no Brasil. Por isso, não é possível saber se a vacina é capaz de oferecer proteção, mesmo que de curta duração. Mas o intervalo mínimo entre as doses (14 dias) é praticamente o mesmo tempo que o corpo leva para criar a resposta imune.
Adiar a segunda dose pode ser uma boa estratégia de imunização?
Alguns países analisam esperar o prazo máximo de intervalo para aplicar a segunda dose para garantir que mais pessoas se vacinem. Segundo Zárate-Bladés, está é uma estratégia válida desde que se respeite o prazo máximo.
“Quando recebemos a primeira dose, já começamos a gerar uma resposta. Mas se terminamos em situação em que damos a primeira pra todo mundo, mas falta a segunda, as pessoas vão ficar expostas e isso pode gerar um problema maior.”
O intervalo de aplicação entre as doses das duas vacinas é de 2 a 4 semanas para a Coronavac e de 4 a 12 semanas para a vacina de Oxford.
Caso a segunda dose atrase, uma parte das pessoas pode perder a imunização primária, diz Rizzo. “O sistema imunológico está o tempo inteiro respondendo desafios. Ele tem tendência a ignorar coisas que não são tão importantes. Uma vacina não é a mesma coisa que uma infecção, o vírus está inativado, a gente precisa enganar o sistema para ele pensar que é uma infecção de verdade. Se não der o reforço na hora certa, corre-se o risco de que o sistema imunológico se esqueça da primeira dose”, explica.
No caso do Brasil, o que preocupa é a pouca quantidade de doses da vacina e a falta do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) para a produção de novas doses, diz Levi. “Uma temeridade é fazer isso no momento que o Butantan está sem IFA e a fabricação está parada”, avalia.
Para a imunologista, esta estratégia é mais eficaz para conter a infecção em comunidades restritas. “Se vacinar muita gente dentro de uma comunidade, ou um local com alta transmissibilidade, vai haver um controle mais rápido. Com a população indígena, priorizaram fazer de uma vez porque a vacinação fracionada pode gerar mais risco de disseminação uma vez que tem mais profissionais da saúde indo e voltando”, explica. Para grandes cidades, o impacto é menor uma vez que as doses disponíveis são insuficientes para se criar imunidade de rebanho.