Esses dias uma pessoa me contou, com certa perplexidade, que foi a um restaurante e acabou sentando perto de uma mesa em que estava um grupo de garotas adolescentes, dentre as quais uma delas, aparentemente de uns 13 anos de idade, eloquentemente dava conselhos sobre relacionamentos e vida amorosa às demais. Não é de se admirar que todos achem isso muito normal, que é comum que sempre haja alguém querendo dar uma de sabido (ou, no caso, sabida) e que, via de regra, se pense que a garota ainda é muito jovem para ter um conhecimento amplo a ponto de poder dar palestra sobre o tema.
Eu penso o mesmo.
Contudo, essa história me fez pensar sobre algo interessante: por que então as pessoas pensam que alguém estaria capacitado a discursar sobre temas como a vida, a morte, o convívio, a natureza ou a realidade? Qual seria a diferença entre algum adulto que tenha lido (ou escrito) milhares de livros, viajado para cá e para lá e colecionado dezenas de diplomas ou experiências (ou ambos) e a tal adolescente no restaurante?
Não há diferença.
Tanto o adulto quanto a menina são apenas pessoas que entenderam um pouco como seus ouvintes pensam, para então falarem de uma maneira que os agrade e, assim, assumirem uma posição de conhecedor sobre um assunto do qual, no fundo, pouco ou nada sabem (ainda que de fato pensem que saibam).
E com que base eu posso afirmar categoricamente que nenhuma pessoa, seja um ancião, doutor em filosofia, sociólogo, cientista, coach, índio velho, monge ou o que for, tem um conhecimento amplo sobre a vida, a morte, o convívio, a natureza ou a realidade? Ora, com a mesma base que afirmamos que a garota no restaurante tampouco tem um amplo conhecimento sobre o assunto que ela discursava: ela simplesmente ainda não viu o bastante. Trata-se da simples constatação de que o adulto, por mais que tenha ido às melhores universidades, instituições, templos ou o que for, viveu apenas um século, quando muito. A cultura da qual ele absorveu um pouco de suas técnicas, saberes, tradições e, certamente, preconceitos, não tem mais de uns dez mil anos, quando muito.
Se você quer saber sobre a vida, a morte, o convívio, a natureza ou a realidade, pare de ouvir aos conselhos de adolescentes. Sabe-se que as plantas estão nesse planeta há pelo menos 500 milhões de anos. Os fungos, há pelo menos 1 bilhão de anos. Hoje, os avanços científicos nos levaram a constatar algo que na Idade da Pedra não era nenhuma novidade: esses seres possuem uma rede de comunicação extremamente complexa e um tipo de inteligência que não é facilmente compreensível em nosso espectro de raciocínio.
Por que, então, relutamos em nos conectar a essa rede planetária de conhecimento, que persiste por eras geológicas, mesmo após tomarmos consciência de que se trata de uma rede plenamente acessível?
A explicação é simples: não queremos saber a verdade. Ouvimos com atenção aos conselhos de garotas adolescentes, não porque de fato levamos seus conselhos a sério, mas porque enquanto as ouvimos, temos a certeza de que estamos bem distantes da voz assustadora da realidade. Enquanto estivermos ouvindo os conselhos de adolescentes, por mais ingênuos e superficiais que sejam, estaremos a salvo de tudo o que não for ingenuidade e superficialidade.
Banhai-nos, garotinha, com seu saber. Mantei-nos a salvo da temida visão da realidade. Por todo o sempre. Amém.
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