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Michele Melo: “Tinha uma visão de que o nosso prefeito seria um homem mais sábio”

Por RORAIMA ROCHA, PARA O CONTILNET

Agora, todo sábado teremos na coluna um bate-papo sobre política. Minha primeira convidada é a vereadora mais votada de Rio Branco nas eleições de 2020, Michelle Melo, do PDT. Defensora do Sistema Único de Saúde, a médica ocupa seu primeiro cargo na política, e vem estampando as manchetes dos principais sites do Acre por ter sido linha dura na fiscalização das ações de saúde. Por conta do distanciamento social e da chuva intensa que caiu na capital neste sábado, 27, nossa conversa foi telefone, mas conseguimos falar sobre vários temas de interesse para Rio Branco.

RR – Rio Branco é uma cidade com muita gente vivendo em extrema pobreza, você fez uma campanha com algumas bandeiras e vem se destacando principalmente quando o assunto é saúde pública. Como vereadora, quais são os principais gargalos a serem solucionados com urgência para diminuir o sofrimento daquelas famílias que dependem da ação do Estado?

Drª. Michelle Melo – Uma política pública de equidade social, voltada para educação, ensino profissionalizante, empreendedorismo dentro das comunidades e periferias do Acre. Enquanto tivermos mais de 50% da nossa população em estado de pobreza estaremos ainda no início de nossa construção social e econômica. Políticas voltadas para essa população serão sentidas em toda a sociedade acreana. Temos que buscar dar meios para que todos se tornem um cidadão saudável e produtivo, com uma vida digna onde ele possa não só sustentar a si mesmo, mas também possa gerar emprego e renda.

RR – Por ter sido a mais votada nas eleições de 2020, você sente uma responsabilidade maior com relação ao trabalho a ser desempenhado na Câmara de Vereadores?

Drª. Michelle Melo – A votação que tive foi muito significativa pra mim, foi um grande desafio fazer reuniões e falar a verdade ao coração das pessoas e esperar o resultado. E o resultado só confirmou minha decisão e me fez ter como objetivo honrar cada voto que me foi entregue. Me sinto comprometida a mostrar que a política pode e deve ser para o povo, próxima dele e buscando soluções para os reais problemas que a população enfrenta no dia a dia.

RR – Em três meses de mandato, você já viveu algum tipo de dificuldade pelo fato de ser mulher e estar em minoria, tendo apenas a vereadora Lene Petecão (PSD) como companheira?

Drª. Michelle Melo – Desde a pré-campanha e não só durante o mandato é difícil ser mulher na política. Não é um ambiente onde as mulheres normalmente têm voz e, às vezes, é perceptível o incômodo. Há uma competitividade insana, algo que achei fosse presente apenas durante a campanha, mas não é. É como se nós mulheres tivéssemos que provar duplamente porquê chegamos ali, porquê estamos ali e porquê nossa opinião merece ser ouvida dia após dia. Não sei se os homens passam por isso, mas recebo fotos de conteúdo impróprio quase todos os dias nas redes sociais, isso é degradante. Espero que, ao estar aqui, proporcione um caminho para que mais mulheres busquem ocupar esses espaços, tão importantes para construção da nossa sociedade.

RR – Você é médica, algo bem diferente de ser parlamentar. Como você chegou à conclusão que deveria enfrentar esse segundo desafio?

Drª. Michelle Melo – Trabalho dentro das comunidades e da saúde pública há muito tempo e sempre tive um senso de justiça social caminhando comigo. Ao estar com tantas pessoas que, muitas vezes, não têm sequer perspectiva de vida, que veem tão distante o sonho de uma faculdade, por exemplo, entendi que precisava fazer algo, queria resgatar a esperança daqueles que já perderam a esperança em ter uma vida melhor. Encontrei na política o caminho para entregar o meu melhor à população e em especial a essa gente tão sofrida e batalhadora que há no nosso Estado, com o sonho de construir um futuro melhor com mais saúde, educação, dignidade, respeito e oportunidade.

RR – Há quase 100 dias na cadeira de prefeito, qual a sua visão sobre esse início de gestão de Tião Bocalom?

Drª. Michelle Melo – Estou assustada. Tinha uma visão de que o nosso prefeito seria um homem mais sábio. Não me refiro a inteligência, me refiro a sabedoria mesmo, que saberia tomar boas decisões e guiar suas escolhas com base na razão e no conhecimento, algo tão necessário no momento atual que vivemos. Estou perplexa com as verdades absolutas carregadas de tons pessoais e a falta de diálogo onde verdadeiramente o ouvinte se presta a ouvir.

RR – Consegue apontar algum ponto positivo?

Drª. Michelle Melo – Eu acredito que ninguém busca um mandato de executivo se não tem uma intenção no coração de fazer algo bom, sabe? Acredito que realmente ele deseja fazer algo bom, mas as boas intenções se não possuem um trilho de conhecimento e diplomacia, não conduzem por si só para que boas decisões sejam tomadas, algo que um prefeito precisa fazer para melhorar a vida de seu povo.

RR – O prefeito Tião Bocalom (Progressista) entrevista recente disse que vem “apanhando muito de uma vereadora”, certamente ele se referia a você, que tem uma atuação no parlamento de oposição, e tem batido de frente com a gestão sobretudo com relação à condução da Saúde. Como é essa relação com o prefeito?

Drª. Michelle Melo – Então, não entendo esse conceito de apanhar. Quando eu apanhava, – graças a Deus não foram muitas vezes (risos) – quando era pequena, tinha que repensar meus atos e fazer melhores escolhas a partir dali. Partindo desse ponto, não sei como a prefeitura depois de “apanhar” se nega a aceitar que podem haver outras formas de conduzir melhor a saúde do nosso município. Minha fala sempre a fiz em tom bastante técnico para manter a impessoalidade, que acredito que meu papel de parlamentar requer, ali represento o povo e não a Michelle. Então essa colocação de pessoalidade que bato no prefeito, não existe pra mim. Existe uma médica especialista em medicina de família e comunidade, mestre em urgências e emergências, que trabalha desde o primeiro dia na linha de frente da pandemia, que estuda sobre o tema, que atuava na atenção básica do município durante a pandemia, que atua nas emergências da COVID 19 e que conhece a saúde pública há mais de 10 anos. Se com essa bagagem ele não consegue entender que minhas manifestações no parlamento são para apontar o melhor caminho na saúde coletiva, então digamos que vamos seguir “na peia” durante um bom tempo.

RR – Enquanto médica, como você avalia o trabalho da prefeitura e do governo no enfrentamento à pandemia?

Drª. Michelle Melo – A pandemia veio para expor toda a nossa saúde pública e suas falhas. Todos os sistemas públicos de saúde colapsaram em algum determinado momento, no mundo todo. Aqui não ia ser diferente. Mas aqui, mostrou que a saúde pública ainda tem um viés extremamente político e não é vista somente como o que diz na constituição: dever do estado e direito de todos. A saúde ainda é disputada não por sua função vital na vida das pessoas, mas por suas possibilidades políticas. Esse viés político da saúde se tornou ainda maior durante a pandemia, quando vemos uma discussão que polariza, que não une e não é pra ver como vamos salvar mais vidas!

O governo, pelo que vejo, vem buscando sair de polarizações e fazer seu melhor, certo ou errado, não estou discutindo isso aqui nesse momento, mas tem se mostrado aberto a alternativas e tem focado em solucionar problemas, algo que vejo como positivo diante do problema que estamos enfrentando.

A prefeitura, para resumir, parece que ainda não saiu da campanha eleitoral, segue levantando bandeiras políticas e, sinceramente, resolvendo pouco os problemas que a pandemia nos trouxe.

RR – O Acre respira política, acaba uma eleição e já começa outra. Nos bastidores, já ouvi que você seria candidata a deputada federal, a senadora, e até a vice-governadora. Tem alguma conversa sendo feita nesse sentido?

Drª. Michelle Melo – Tenho escutado várias opções com meu nome e, apesar de realmente ter conversas sobre o futuro, são conversas onde mais ouço do que falo. Acho que temos um problema grande pra vencer antes de 2022: o controle dos óbitos pela COVID 19. Esse tem que ser nosso foco agora. E como digo sempre após ouvir as conjecturas com meu nome, há muita água pra rolar debaixo dessa ponte! Não tenho pressa, mas aproveito para deixar claro: coragem para alçar voos não me falta.

RR – A gente percebe que você tem afinidade com os colegas de bancada, como está a relação com seu partido, de modo geral, o PDT, e com o presidente Luís Tchê?

Drª. Michelle Melo – Acredito em times, no trabalho em equipe. Procuro ter sempre uma relação harmoniosa com todos os meus colegas de partido, porém, sempre me posiciono firme em relação àquilo que acredito. Nunca fui filiada a nenhum partido até sair candidata em 2020, então estou dando os primeiros passinhos ainda em relação a partido.

RR – Você participa de um movimento chamado Vamos Juntas, que reúne mulheres progressistas para um intercâmbio de práticas na política. Quando mulheres ocupam um espaço de poder as meninas voltam a sonhar?

Drª. Michelle Melo – Quando mulheres ocupam um espaço de poder as meninas voltam a sonhar sim! Como disse, precisamos que mais mulheres se sintam dispostas a ocupar esses lugares de poder e de tomadas de decisão para a construção de uma sociedade mais justa, onde direitos de homens e mulheres sejam equiparáveis e não haja uma diminuição de um gênero em prol do outro. No meu discurso de pré-candidata, dizia que lugar de mulher é onde ela quiser! Os meninos e meninas de hoje precisam entender isso, para construir um futuro melhor para ambos!

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