A entrevistada deste fim de semana da coluna é a ex-prefeita de Rio Branco, Socorro Neri. Mãe, esposa, avó, educadora, sua gestão foi marcada pela ética, transparência e responsabilidade com a coisa pública. Deixou a Prefeitura sem dívidas e com dinheiro em caixa, coisa difícil em muitos municípios dada a realidade econômica do país. Nesta entrevista falamos sobre sua visão sobre a atual gestão, seu papel como mulher na política e seu futuro.
RR – Socorro, acompanhei parte da sua gestão e vi o quanto a senhora era dedicada à Prefeitura. Esse fim de gestão tem deixado saudade? Como anda a vida sem estar ocupando cargo público?
Socorro Neri – Foi um período de dedicação integral, sim. Obtivemos bons resultados nos indicadores de gestão, na infraestrutura e zeladoria, na educação, na saúde, na cultura, na assistência social e no apoio ao homem do campo. Preparamos a prefeitura para seguir avançando. A continuidade do que planejamos e o trabalho conjunto com o governo do estado seriam muito benéficos para a nossa capital, por isso fui candidata. Agora, estou buscando retomar minhas atividades na UFAC e seguir em frente.
RR – Na política a gente diz que é fundamental ser lembrado. A senhora saiu da Prefeitura há 3 meses, mas não deixou de ser evidência, principalmente por conta do início da nova gestão, que, sejamos sinceros, tem deixado a desejar, então as comparações são frequentes. Inclusive muita gente se dizendo arrependida. Como a senhora tem lidado com tudo isso, principalmente com as comparações?
Socorro Neri – Vejo como natural as pessoas compararem o desempenho da gestão do prefeito Bocalom com o da gestão anterior, as atitudes dele com as minhas atitudes. Era eu quem estava na gestão e disputei o segundo turno com ele. Porém, repito o que já disse em diversas ocasiões: desejo que a atual gestão seja exitosa e aproveite bem as condições fiscais e financeiras deixadas por minha gestão para fazer muito mais do que consegui fazer num período tão curto e conturbado pelas crises política, sanitária e econômica do nosso país.
RR – Nunca na minha vida vi uma gestão tão atabalhoada, ainda que esse seja apenas o início, os atuais detentores do poder municipal não conseguiram vestir a fantasia de “boa-praça” da campanha por muito tempo. Porrada em garis, porrada em camelôs, ninguém sabe qual será a próxima vítima da truculência. Como a senhora se sente ao ver essas atitudes, sendo que a senhora, assim como os antigos prefeitos Marcus Alexandre, Angelim, Flaviano, Jorge Viana, sempre foram defensores, principalmente destes trabalhadores?
Socorro Neri – Sempre houve uma relação muito cordial com os garis e margaridas. Na minha gestão, me empenhei para que eles recebessem em dia, tivessem acesso à educação formal em sala de aula na sede da secretaria, atendimento em saúde e ações de esporte e lazer. Chorei ao ver o vídeo da marcha do BOPE sobre eles. A tradição da prefeitura em sanar conflitos por meio do diálogo foi quebrada ali, naquela decisão repudiável.
RR – O prefeito Tião Bocalom em dezembro lhe parabenizou, falou da gestão limpa, da transparência na transição, confirmou que a Prefeitura estava enxuta e com dinheiro em caixa. Agora, vem contestar os contratos da Zeladoria. Afinal, quem está errado?
Socorro Neri – Entreguei ao prefeito Bocalom uma prefeitura enxuta, bem avaliada, com 72 milhões de recursos próprios em conta, com 153 milhões de recursos de contratos e convênios, com as ações funcionando. Tive o cuidado de deixar contratos em vigência para que os serviços de recuperação de ruas, de limpeza da cidade e de iluminação em LED não parassem até que a nova gestão pudesse concluir ou realizar novos processos licitatórios. A denúncia que o prefeito Bocalom faz de que houve corrupção no contrato de garis e margaridas, já está sendo apurada, inclusive a meu pedido, pelas instituições que tem competência para isso, o Ministério Público Estadual e o Tribunal de Contas do Estado. Só voltarei a me manifestar a respeito quando esse trabalho for concluído.
RR – A senhora é uma política que não se esconde, não leva desaforo para casa. No Facebook, que é uma rede de porteira aberta, algumas pessoas levaram as críticas para o lado pessoal e ainda assim a senhora não deixava barato, respondia com a firmeza necessária. Já no twitter, que é uma das redes sociais mais seletas, a senhora é um fenômeno. Eu diria que se as eleições fossem só com quem está lá, a senhora seria eleita com 95% dos votos. Por quê demorou tanto a aderir àquele espaço?
Socorro Neri – Observe que não há parâmetro, na história política recente do Acre, para o uso sistemático que muitos fizeram do facebook visando atingir a minha honra e desconstruir os esforços da minha gestão. Mesmo assim não deixei de utilizar meus perfis no Facebook e no Instagram para interagir e me posicionar, e hoje lamento só ter aderido ao Twitter nos últimos dias da gestão, dado o diálogo efetivo que aquele ambiente tem me proporcionado.
RR – No exercício da sua gestão, a senhora já se destacava pela transparência, a ética e responsabilidade com a coisa pública, inclusive a Prefeitura de Rio Branco ganhou prêmios por isso. Reconhecimentos como esse são a parte boa desse trabalho, mas qual parte é a ruim?
Socorro Neri – Posso resumir a parte ruim ao jogo bruto que há na política e aos ataques de que fui vítima… Mas, veja, o lado bom – o da consciência de que fiz o melhor possível com as condições que tive, o reconhecimento das instituições fiscalizadoras e dos que entendem de gestão pública e a aprovação de 38% dos eleitores, sempre prevalecerá em meu coração. Como digo sempre “carrego mais alegria nos meus ombros do que tristeza”.
RR – O governador Gladson Cameli, seu principal apoio nas eleições de 2020, fez um convite público para que a senhora integrasse a equipe dele. Não tenho dúvida de que seria uma ótima aquisição para o time, mas a senhora está disponível para contratação? Vai querer entrar em campo aos 45 do segundo tempo?
Socorro Neri – Estou à disposição do governador Gladson Cameli para avaliar com ele, se assim ele desejar, a forma de minha contribuição à população acreana.
RR – A gente vem acompanhando a luta histórica das mulheres por mais espaço na política, mais representatividade mesmo. A senhora foi a primeira mulher prefeita de Rio Branco. A senhora enfrentou questões machistas na prática?
Socorro Neri – O tempo inteiro, e vou lhe dar alguns exemplos: questionamentos sobre se eu teria competência para o cargo, coisa que não questionariam num homem que tivesse semelhante formação e experiência em gestão pública; insistência em nominarem o “homem forte da gestão”, como a dizer que as decisões firmes que eu estava tomando só poderiam ser tomadas por um homem; cobranças de que eu seguisse um padrão de comportamento masculino na gestão, desde calçar botinas a carregar geladeira numa alagação; e ataques à minha honra, explicitamente machistas e misóginos por comentários nas redes sociais, mensagens e até mesmo gestos obscenos. Há machismo na política, sim, e é preciso superá-lo.
RR – 2022 está à porta. Muito se fala de uma provável candidatura sua. Inclusive eu disse em uma nota que a senhora poderia fazer bombar a chapa do PSB, seria certamente uma das mais votadas. Primeiro, seguirá no partido? E a pergunta que todos querem saber, teremos Socorro Neri como uma opção de voto?
Socorro Neri – Os desafios que estamos enfrentando, de gravidade da pandemia e de aprofundamento da crise econômica, demonstram o quanto é necessário elegermos representantes que tenham compromisso com o bem coletivo e capacidade técnica para por em prática as soluções. Nas próximas eleições, estarei à disposição do meu partido e da população acreana, sim.