20 de abril de 2024

Garota supera limitações da Síndrome Alcoólica Fetal com apoio dos pais adotivos no AC

Para marcar as atividades da Semana Nacional da Adoção, o Tribunal de Justiça do Acre (TJAC) realiza várias atividades de conscientização e incentivo ao amparo responsável de crianças e adolescentes abrigados por indivíduos solteiros ou famílias acreanas.

Como parte da campanha, hoje você vai conhecer a bela história que mostra os caminhos percorridos por um casal disposto a amar incondicionalmente para formar uma família e as trajetórias de duas garotas lindas que foram deixadas para adoção ainda na maternidade de Rio Branco.

Nossa entrevistada especial é a engenheira agronômica Cleísa Brasil, 50, uma mulher de sorriso fácil e olhar franco e penetrante, que aparenta ser, pelo menos, 20 anos mais jovem. Conversando com ela, logo é possível perceber o orgulho de mãe quando fala sobre a filha, a pequena Ana Victória, 11.

“Em 2010, meu marido e eu, a gente entrou com o pedido para adotar. Fizemos todo o processo e passamos para o Cadastro Nacional de Adoção. Quando nos perguntaram, nós dissemos que não tínhamos nenhum tipo de restrição quanto à criança. (…) Se eu estivesse grávida – e eu tava mesmo, de certa forma – eu iria amar incondicionalmente ao meu filho, se ele viesse com saúde, se não viesse, eu iria aceitar com toda felicidade, toda a alegria e todo o meu amor”, fala a agrônoma, que também é doutoranda na Embrapa.

Foi somente no ano seguinte, 2011, que finalmente ela e o marido, o servidor público Cleider Lima, conheceram a pequenina Ana Victória, que iria mudar para sempre a vida do casal. O cruzamento de informações do cadastro indicou ao casal uma bebê, aparentemente com necessidades especiais, que estava abrigada no Educandário Santa Margarida.

“Parece que o universo conspira, quando eu recebi a ligação do Juizado eu já sabia. Primeiro eles novamente me perguntaram novamente se realmente a gente não tinha distinção quanto ao tipo de criança a ser adotada, eu confirmei que não. Então me disseram que havia uma criança com 11 meses disponível para adoção, mas que ela aparentava ter uma deficiência. Eu, na mesma hora, falei pro meu marido: ‘amor, acharam a nossa filha’.”

V de Victória

Quando nasceu, a pequena Victória já era uma sobrevivente. Aos 11 meses ela ainda não se movia, não engatinhava, interagia minimamente com as pessoas e o ambiente, por causa de sequelas neurológicas causadas pela Síndrome Alcoólica Fetal (a chamada SAF), como eles viriam a descobrir. A doença, que acomete filhos de mães que abusam de álcool e drogas durante a gravidez, é apontada como uma das principais causas de retardo cognitivo e físico em crianças no Brasil, sendo considerada um problema de saúde pública.

“Além da SAF, a Victória estava com um quadro de pneumonia. Como ela estava muito doente, precisava de cuidados médicos, de fazer exames, nós pedimos, então, a guarda provisória dela no Juizado (da Infância e da Juventude), tudo direitinho e o juiz deferiu. (…) Nós a levamos a vários médicos, fizemos os exames que confirmaram a doença. Naquela época, alguns médicos falavam que podia ser que ela não conseguisse sequer ficar sentada. Era um quadro bem delicado”, explica Cleísa Brasil.

O amor cura e ultrapassa barreiras

O que talvez as previsões médicas não contavam era com a diferença que o amor recebido dos pais e o poder do acolhimento familiar ao qual toda criança tem direito, fariam na vida de Ana Victoria – um verdadeiro milagre.

“Hoje ela faz de tudo. Minha filha contrariou todos os diagnósticos e prognósticos dos médicos. Ela não fala, mas ela se comunica com a gente através de sinais, ela corre, pula, é super ágil, uma criança super esperta, cheia de energia. A gente tá trabalhando agora mais esse lado cognitivo. Na escola, estava super bem, fazendo a alfabetização, mas eu infelizmente tive que tirar por causa da pandemia. É preciso uma rede de serviços de atendimento para crianças como ela, sabe? A pessoa com deficiência, no Brasil, sofre muito com o preconceito e a falta de profissionais habilitados, capacitados”, pondera Cleísa Brasil.

Um chamego de mãe

A engenheira fala que a filha adora “receber um chamego” de mãe. “Houve um dia que foi muito especial pra mim. Eu estava deitada com ela de conchinha na cama e disse: ‘filha, eu te amo!’. Ela não consegue vocalizar, pronunciar as palavras, mas ela entende os sons das frases e responde da forma como consegue. Ela ‘disse’: ê-a-ô. Aí, eu parei tudo e disse: ‘filha, eu te amo muito!”. E consegui entender claramente: ela estava ali dizendo ‘ê-a-ô-u-u, ou seja, ‘eu te amo muito’, do jeito que ela consegue dizer’”, lembra a mãe com emoção.

Para birra: música

Cleísa fala que, nos momentos de “birra” ou de introspecção, encontrou na música, uma maneira de “acessar” a filha, que apesar de não se enquadrar na síndrome do espectro autista, apresenta sintomas parecidos (aparente ausência em determinados momentos).

“Tem épocas que ela fica ali totalmente na dela (introspectiva). Mas desde bebezinha eu percebi que eu conseguia acessá-la pela música, pra que ela colaborasse. Então eu tinha que inventar uma musiquinha pra ela deixar eu colocar a roupa dela, pra tomar banho outra musiquinha e por aí vai. Então, além de mãe, eu acabei também virando uma compositora”, fala rindo.

Casal também adotou Maria Clara, a nova caçula da família

Uma irmãzinha

A experiência da adoção foi verdadeiramente apaixonante para o casal. Juntos eles já haviam conseguido estabilizar a saúde de Victória, colocaram-na como dependente em um plano de saúde e garantiram a realização dos demais exames e tratamentos que a pequenina precisa para se desenvolver ao máximo cognitiva e fisicamente, apesar da doença.

Somente isso já seria motivo de orgulho para qualquer casal. Mas a família ainda não estava completa. E novamente um telefonema da Vara da Infância e da Juventude seria responsável por mudar as coisas. Em 2015, ainda no Cadastro Nacional de Adoção, eles foram informados de outra garota, com dois meses de idade, enfrentando sérios problemas pulmonares, também disponível para o amparo por uma família socioafetiva. O casal não pensou duas vezes e adotou Maria Clara, a nova caçula da família, hoje com 6 anos de idade. Victória acabava de ganhar uma irmãzinha.

“Ela é uma garota maravilhosa. A Maria Clara também tem algum distúrbio que a gente ainda não conseguiu identificar, mas me ajuda, é super carinhosa. Às vezes eu estou na cozinha ela chega, me abraça e diz: ‘eu te amo, mamãe’. Eu falo ‘eu também te amo, minha filha’. Ela me abraça forte e diz de novo: ‘mas eu te amo muito, mamãe’”.

Hoje as irmãs brincam e realizam diversas atividades juntas, enquanto o casal vive o sonho realizado de ter constituído uma família feliz com as filhas do coração.

Por causa da SAF, Victória é menor que sua irmã mais nova. Assim, a caçula Maria sempre parece ser a mais velha. Isso se deve ao fato de que crianças com síndrome alcoólica fetal, além de ter atrasos no desenvolvimento cognitivo, também se desenvolvem muito lentamente fisicamente, sendo sempre indivíduos de baixa estatura.

Irmãs brincam e realizam diversas atividades juntas, enquanto o casal vive o sonho realizado

Bandeira de luta: campanha de conscientização

Por lidar diariamente com as consequências da SAF, a engenheira Cleísa Brasil hoje realiza, uma vez por ano, uma campanha de conscientização direcionada a gestantes ou mulheres que planejam engravidar quanto aos riscos de danos irreparáveis para os bebês, em razão da utilização de álcool antes e durante o período gestacional.

“É uma forma de alertar outras mães sobre os perigos e as sequelas deixadas pela síndrome alcoólica fetal em nossas crianças. É algo que eu sentia que precisava fazer”, arrematou a agrônoma.

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