Se no ano passado os aumentos expressivos dos alimentos no domicílio pesaram no bolso dos brasileiros, sobretudo para as famílias mais pobres, os preços administrados tendem a ser os maiores vilões da inflação este ano.
Segundo análise do grupo de conjuntura do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a inflação pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor – Amplo) deve encerrar o ano com alta de 5,3% —acima do centro da meta, de 3,75%.
Boa parte da aceleração deve se dar pelos preços administrados, que têm alta esperada de 8,4%.
Fazem parte dos itens com preços administrados os impostos e taxas, os serviços de utilidade pública com tarifas reguladas (telefonia e energia elétrica), derivados de petróleo e medicamentos, por exemplo.
Ainda que essa pressão já fosse esperada, ao se considerar os reajustes que foram represados no ano passado, essa alta tem surpreendido os analistas.
Segundo dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta terça-feira (25), o IPCA-15 de maio, prévia da inflação, teve como destaque a alta de 2,31% da energia elétrica, levando o grupo da habitação a subir 0,79%, vindo de 0,45% no mês anterior, depois da adoção da bandeira tarifária vermelha (mais alta) no mês.
Também se destacou no grupo o 12º mês consecutivo de avanço do gás de botijão, de 1,45%, embora abaixo da taxa de 2,49% no mês anterior, o que tem impedido um número de crescente de famílias de consumir o produto.
Para os próximos meses, embora não se descarte uma desaceleração da inflação dos combustíveis, deve ocorrer tanto o reajuste nas tarifas de transporte público quanto uma alta mais expressiva da energia elétrica, o que deve elevar os preços monitorados.
Para a pesquisadora do Ipea Maria Andreia Lameiras, tudo indica que os administrados serão mesmo os vilões da inflação este ano. “Uma série de preços não foram reajustados no ano passado e todo mundo sabia que isso iria estourar em 2021.
O que surpreende é a força deste aumento. Pelos quatro primeiros meses do ano, a inflação veio quase toda dos administrados.”
O cenário tem motivado uma revisão para cima da inflação, e o mercado também alterou para cima a previsão para o IPCA em 2021. Pelo mais recente boletim Focus, do Banco Central, a mediana passou de 5,01% (há um mês) para 5,24%.
No caso da gasolina, lembra a economista do Ipea, a alta se deve pelo preço do barril de petróleo e pela desvalorização cambial no começo do ano. Também não se esperava um impacto tão forte do preço dos medicamentos e um cenário negativo para a conta de luz.
Para a energia, além da pandemia, um agravante tem sido o baixo índice de chuvas, com reservatórios baixos, o que deve levar a um número maior de meses de bandeira vermelha.
Ainda que não afetem na mesma proporção que a alimentação em domicílio no ano passado, os administrados devem ser vilões, concorda Fábio Romão, analista da LCA Consultores. A expectativa da consultoria é de alta de 8,5% para estes itens no IPCA este ano.
“Além dessa alta de monitorados, os preços industriais e de serviços devem contribuir para que o IPCA fique em 5,5% este ano”, diz Romão.
Para os analistas esse aumento já tem tido impacto direto para o consumidor, que deve reduzir o consumo de energia e de gás de cozinha.
“A inflação corrói o poder de compra da população. Se eu gasto mais com algum item e o meu salário já está muito comprometido, a alternativa é deixar de consumir outro produto. Se a conta de energia sobe, é uma compra a menos de roupa ou de um calçado que a família faz”, diz a pesquisadora do Ipea.
Quanto ao transporte público, o reajuste de tarifas deve ser inevitável, já que a demanda caiu muito durante a pandemia e mais companhias de ônibus passaram a operar no vermelho.
Para os próximos meses, como boa parte das altas de preços monitorados já aconteceu no começo do ano, os economistas esperam uma alta mais suave.
A partir do meio do ano, o que deve acelerar é a inflação de serviços, principalmente itens de cuidados pessoais (cabelereiro, manicure), recreação, viagens e hospedagem, que foram muito afetados durante a pandemia.
A expectativa do Ipea é de alta da curva de 12 meses da inflação até julho. Como as taxas foram muito baixas no primeiro semestre de 2020 e maiores no começo de 2021, no meio deste ano deve haver o pico da curva.
Quanto ao custo da alimentação no domicílio, os analistas estimam que os preços das commodities não devem subir de forma significativa além dos níveis atuais, o que, junto a um comportamento mais favorável da taxa de câmbio, deve reduzir a pressão sobre os preços domésticos, após um aumento de 18,15% em 2020.
“Estamos tendo uma acomodação da demanda, uma safra melhor, com mais oferta de alimentos. O descasamento entre oferta e demanda para 2021 vai ser menor”, avalia a economista do Ipea.
Para os preços dos alimentos no domicílio, a instituição estima uma inflação de 5%. Em relação aos serviços, a estimativa é de 4%.
ADMINISTRADOS, MAS PESADOS NO BOLSO
Variação de preços no IPCA, em 12 meses até abril:
- Energia -> 5,3%
- Gasolina -> 35,6%
- Gás de botijão -> 21,1%
- Ônibus urbano -> 0,3%
- Medicamentos -> 2,4%
Fontes: IBGE, com cálculos do Dimac/Ipea