O secretário especial da Cultura, Mario Frias, anda e despacha armado no ambiente de trabalho, deixando a arma visível na cintura.
A informação, publicada inicialmente pela “Folha de S.Paulo”, foi confirmada por Splash por três fontes que frequentam a secretaria.
Segundo uma delas, a arma “gera mal-estar e desconforto entre funcionários e pessoas que se reúnem com o secretário”.
Sobretudo porque o clima nos corredores da secretaria é de tensão recorrente. Há relatos de “escândalos e ofensas” aos gritos, dirigidos a servidores e terceirizados, que seriam presenciados com frequência.
Imagine esse contexto e o seu chefe com arma na cintura. O medo e a sensação de ameaça são constantes.
Fonte que preferiu não ter a identidade revelada, em entrevista a Splash
‘Receio por integridade física’ justifica porte
Frias é fã de armas e tem uma pistola Taurus de calibre .9mm registrada em seu nome, de acordo com o site da Polícia Federal. Sendo civil, ele precisa ter um documento de porte, que autoriza o cidadão a circular com uma arma de fogo “de forma discreta”, de acordo com o site do governo federal.
O secretário obteve o porte no fim de 2020. Ele solicitou o documento em 3 de dezembro de 2020, apresentando como justificativa os riscos de correria ao ocupar o cargo. No dia 7, o requerimento foi deferido e, no dia 10, foi emitida a carteira de porte, com validade de 5 anos. O documento tem categoria “defesa pessoal” e é válido em todo o território nacional.
“A princípio, com registro de porte, a pessoa pode transitar, tendo como exceção só o que está previsto na lei e nos regulamentos. A não ser que haja alguma regra excepcional no Ministério do Turismo [ao qual a Secretaria Especial da Cultura é subordinada]”, explica Natalia Pollachi, coordenadora do Instituto Sou da Paz.
Abaixo, o parágrafo que Frias escreveu para solicitar o porte (sem correções de português):
“Considerando minha condição de Secretário Especial da Cultura, especialmente em um momento político com políticos ataques, ameaças e manifestações violentas contra autoridades que compõem a administração pública federal e, tendo em vista que, na condição de secretário Especial da Cultura, participo de eventos e reuniões em todo Brasil, muitas vezes em meio a protestos e manifestações violentos, faz-se extremamente necessário o porte de arma, ainda mais que frequentemente sou abordado por diversas pessoas para tratativas de vários assuntos, alguns sensíveis e complexos e, às vezes algumas dessas pessoas se constituem de pessoas estranhas a mim e à minha equipe. Tais fatos tem ocorrido desde que fui nomeado para a função e, desde então, tenho sofrido pressões diversas, situações nas quais me vejo em estado de alerta e pelo qual tenho receado pela minha integridade física, dos meus familiares e da minha equipe. Nestes termos, solicito o deferimento do porte de arma ora requerido.”
A Secretaria de Cultura foi questionada sobre as motivações para Frias portar a arma em ambiente de trabalho, mas não respondeu até a publicação desta reportagem. A assessoria do Ministério do Turismo também não deu retorno, até o momento, sobre as regras para a circulação com arma em suas dependências, e de suas secretarias.
Natalia Pollachi, do Instituto Sou da Paz, diz que sempre houve alguma subjetividade para se definir o que seria “legítima necessidade” para justificar o porte de arma: “Infelizmente, o presidente Bolsonaro conseguiu afrouxar mais essa interpretação, via decreto. Agora a subjetividade joga a favor deles”.
O documento de porte deixa claro que “a arma não poderá ser conduzida ostensivamente”, outro ponto que pode ser sujeito a interpretações. “Pela regra, a arma tem que ficar velada, escondida”, explica Pollachi.
Clube de tiro
Frias já apareceu pelo menos duas vezes empunhando armas nas redes sociais. Em setembro do ano passado, um instrutor de clube de tiro de Brasília postou foto com o secretário, ambos posando armados. À época, a secretaria afirmou que Frias possuía “registro de atirador há mais de dois anos” e reforçava que a foto foi feita em um momento particular, num ambiente adequado para a prática do tiro esportivo. Mesmo assim, o post acabou sendo apagado.
Um mês depois, o próprio Frias fez uma postagem em que aparecia empunhando uma arma ao lado do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, acompanhada de um vídeo treinando tiro, em visita ao Batalhão de Operações Especiais (Bope), em Brasília.
Eduardo tem posse de arma por ter sido escrivão da Polícia Federal, mas não costuma andar armado na Câmara. A entrada com armas é proibida na casa, conforme seu regimento interno, a não ser por seguranças.
Servidores se queixam de ‘assédio institucional’
Nem todos os servidores convivem diretamente com Frias e sua arma, mas a atuação do secretário e seus subordinados diretos é vista como preocupante.
Alguns afirmam que há boicotes, como a falta de retorno às demandas, e perseguição a servidores chamados, por exemplo, a dar informações ligadas à secretaria em audiências públicas.
Segundo o relato, há casos de processos administrativos e retaliações internas. Há quem use a expressão “clima de DOI-CODI”, referindo-se ao órgão de repressão da ditadura militar, por conta de decisões como a de um ofício de setembro passado, em que Frias centralizava a aprovação de conteúdos de postagens nas redes sociais das instituições ligadas à pasta.
Em março, um encontro promovido pela Associação de Servidores do Ministério da Cultura (AsminC) contou com a apresentação de pesquisa sobre o tema.
Resumido no “Relatório sobre assédio institucional nas instituições do executivo federal ligadas à pasta da Cultura”, o levantamento traz relatos anônimos de servidores da secretaria e de entidades ligadas a ela, como a Funarte, a Casa de Rui Barbosa, a Fundação Palmares e o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram).
Apesar de terem presidentes e diretórios próprios, essas instituições sofrem, de acordo com os servidores ouvidos, com práticas similares, como a recorrente mudança de nomes em cargos estratégicos, por exemplo.
Tanto a troca em si, de forma frequente, dos gestores, quanto a seleção de gestores pouco afeitos ou preparados para as áreas em que são destinados, é compreendido por nossos entrevistados como uma forma de ‘assédio institucional’.