Passava um pouco da meia-noite desta quarta-feira quando uma mensagem do presidente Jair Bolsonaro no Twitter surpreendeu seus apoiadores.
Uma mensagem presidencial que deveria ser algo natural, tendo em vista a popularidade do ator vitimado pela Covid-19, mas que neste caso ganhou um significado especial.
Bolsonaro, afinal, tem por prática ignorar mortes de celebridades pela Covid-19, o que fez nos casos, por exemplo, de Aldir Blanc e mesmo de Agnaldo Timóteo, com quem dividia opiniões conservadoras.
Pouco antes, condolências pela morte de Paulo Gustavo já haviam sido externadas por um dos filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro. Outros bolsonaristas fizeram o mesmo, como a deputada federal Carla Zambelli e o comentarista político Rodrigo Constantino.
Apoiadores do presidente disseram que a morte de Paulo Gustavo era grande demais para ser ignorada, diferente dos casos de Blanc e Timóteo, ou mesmo de vitimados por outras causas, como o escritor Rubem Fonseca e os cantores Moraes Moreira e João Gilberto.
O clima de comoção nacional, afinal, já se desenhava nas redes sociais desde o início da semana, com a piora do quadro do humorista.
A questão para o presidente era delicada, uma vez que Paulo Gustavo era declaradamente homossexual e com perfil de esquerda. Bolsonaro, que minimizou a pandemia desde o início, seria previsivelmente acusado de hipocrisia ao expressar condolências, o que se confirmou.
A solução encontrada, rapidamente ecoada pelas vozes que apoiam o presidente, foi buscar inverter o jogo, acusando os opositores de politizarem a tragédia, enquanto Bolsonaro estaria apenas se solidarizando com uma morte prematura.
“Estão tentando fazer dessa morte uma jogada política. Então agora lamentar uma morte é errado também?”, disse o deputado federal Bibo Nunes, do PSL, um dos mais atuantes defensores do presidente na Câmara.
Simpático ao presidente em comentários que faz em programas jornalísticos e nas redes sociais, Constantino seguiu linha parecida. “O padrão único se repetiu. Se Bolsonaro nada dissesse sobre a morte do humorista, seria acusado de insensível e monstro; como se manifestou prestando condolências, foi acusado de hipócrita e monstro”, escreveu.
O discurso não ficou restrito aos nomes mais conhecidos do bolsonarismo, mas também foi ecoado por militantes de base. Num grupo de apoiadores do presidente, a ativista Val Paschoalini, que coordena um pequeno movimento conservador na Grande São Paulo, publicou um vídeo em que faz uma espécie de apelo para que a morte de Paulo Gustavo não vire parte da batalha política.
“Vocês aí que estão politizando, vocês aí que estão brincando com a vida das pessoas, não façam isso. Não politizem a doença. A família, que já perdeu o seu ente querido, está totalmente fragilizada. Não façam isso com as pessoas, as pessoas não merecem esse tipo de tratamento”, disse.
Segundo o publicitário Sérgio Lima, que já trabalhou com Bolsonaro na criação do partido Aliança Pelo Brasil, agora suspenso, a manifestação do presidente sobre a morte do humorista foi correta. “É positiva essa postura e espero que isso a partir de agora seja repetido, sempre que acontecer”, afirmou.
Segundo Lima, a morte de Paulo Gustavo já vem sendo usada como palanque político. “Obviamente que a esquerda vai tentar colar isso no presidente, mas a população como um todo entende que ele não tem culpa”, diz.
De acordo com o publicitário, as críticas direcionadas a Bolsonaro neste momento são uma decorrência do choque natural causado pela morte de alguém com tamanha popularidade. “O Paulo Gustavo era tão querido pelo Brasil que se ele tivesse morrido de outra forma a comoção seria igual.” Ele não acredita que necessariamente a morte do ator vá se tornar um catalisador para os opositores do presidente, ou um símbolo da tragédia com a Covid-19.
Outro discurso frequente entre os apoiadores de Bolsonaro foi o de se solidarizar com a morte do ator, mas dizer que ela não é mais especial do que nenhuma outra na pandemia. “É uma morte a lamentar como a de qualquer pai ou mãe”, afirma o deputado Bibo Nunes.
Apesar disso, o ineditismo da declaração pública de Bolsonaro nesse caso mostra como o drama sofrido em público por Paulo Gustavo está longe de ser trivial. A explicação é simples. O ator e comediante tinha ressonância especial para um público de classe média baixa que Bolsonaro não pode se dar ao luxo de perder, caso queira se reeleger no ano que vem.