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Na pandemia, traficantes de pessoas ampliaram seus “negócios” on-line

Por METRÓPOLES

Foto: IStock

O Brasil foi surpreendido com a Operação Harém, deflagrada em abril pela Polícia Federal, em Sorocaba (SP).

A ação desmantelou uma quadrilha acusada de organizar um esquema internacional de tráfico de mulheres.

A investigação, que teve início em 2019, constatou que mais de 100 brasileiras foram vítimas.

Elas eram levadas para diversos países e variadas regiões, como Estados Unidos, Austrália, Singapura, China, Nova Zelândia e Bolívia, além de várias nações da Europa e do Oriente Médio.

Esse fluxo entre países é uma das principais características do tráfico de pessoas, mas isso gradativamente tem sido alterado, devido às limitações impostas pela pandemia.

Esta constatação foi apontada nos relatórios Global Report on Trafficking in Persons 2020, do Escritório de Drogas e Crimes da ONU (UNODC), e The Challenges of Countering Human Trafficking in The Digital Era, da Europol, a agência de aplicação da lei da União Europeia.

De acordo com as organizações, a máfia encontrou nas plataformas digitais um “novo modelo de negócios”.

Uma vez que fronteiras foram fechadas e houve a imposição de diversas outras restrições de mobilidade para conter o coronavírus, as organizações identificaram que o ciberespaço poderia facilitar a atuação dos traficantes de pessoas.

Antes, as quadrilhas precisavam exercer controle físico e monopólio sobre bairros específicos de cidades, e, consequentemente, criar uma rede de membros para gerenciar os seus negócios.

Agora, on-line, eles não necessitam de uma grande infraestrutura física e contam com mão de obra reduzida.

De acordo com os documentos, os padrões de exploração foram transformados pelas plataformas digitais, à medida que as webcams e transmissões ao vivo reduziram a necessidade de transporte e transferência de vítimas.

Por meio da internet, os traficantes obtêm fácil acesso a um grande número de clientes – particularmente, compradores de sexo.

Segundo a ONU, um traficante, trabalhando sozinho, consegue explorar sexualmente e conectar uma vítima a mais de 100 compradores de sexo, em um período de 60 dias, usando propaganda on-line.

Para isso, os criminosos se utilizam do que tem sido chamado de “casas de cibersexo”. Um canal on-line, criptografado, onde realizam streaming de sexo ao vivo e disponibilizam os meios de acesso aos usuários pagantes.

Para a promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul e autora do livro Perversão, Pornografia e Sexualidade:

Reflexos No Direito Criminal Informático, Ana Lara Camargo de Castro, a internet alterou a sexualidade humana e, com isso, contribuiu para o avanço deste tipo de fenômeno em plataformas on-line.

“A internet mudou o perfil de desejo dentro das relações humanas. Ela causa um efeito no cérebro, similar aos efeitos de um vício. E as imagens, disponibilizadas 24h por dia, precisam ser alteradas, porque deixam de bastar para aquele consumidor. E isso tem um grande impacto na maneira como ascenderam as organizações criminosas nas plataformas digitais”, explicou a promotora.

Aliciamento

Duas formas diferentes de estratégias de recrutamento foram identificadas: o recrutamento ativo e passivo.

Recrutamento ativo assemelha-se à técnica de “pesca com anzol” e envolve criminosos publicando anúncios falsos em portais de empregos confiáveis ​​e mercados de mídia social.

O recrutamento passivo assemelha-se à “pesca com rede”, e é menos detectável para a aplicação da lei.

Os aliciadores vasculham a internet e as redes sociais em busca de responder a anúncios publicados por candidatos à procura de emprego no exterior.

Aqueles que são enganados só descobrem o golpe quando chegam ao país de destino.

As redes sociais se tornaram a mina de ouro da máfia. Por meio de sites como Facebook, Instagram, Twitter e aplicativos de namoro como o Tinder, os criminosos buscam entender as vulnerabilidades das pessoas.

Algumas características observadas são: uso e abuso de drogas, desejo de fuga de alguma situação ou lugar, e conflitos familiares.

Além disso, a exposição de dados em plataformas digitais também garante aos criminosos o acesso a fotos, nível educacional, laços familiares, status econômico, cidade e rede de amigos, entre outros dados.

Com isso, elaboram estratégias de aliciamento e juntam informações que serão usadas para pressionar as vítimas, como ameaça de morte a pessoas próximas, por exemplo.

As organizações indicaram que o uso de diferentes plataformas pode estar relacionado com o perfil etário das vítimas.

Cada vez mais, crianças e adolescentes estão se inserindo no meio digital. Com isso, eles são frequentemente “cortejados” por traficantes, em redes de mídia social, onde os jovens estão suscetíveis a manobras enganosas na busca por aceitação, atenção ou amizade.

Já as vítimas adultas estão mais expostas ao tráfico por meio de sites independentes, como de acompanhantes, por exemplo. Traficantes se utilizam dessas plataformas para misturarem seus anúncios em outras publicidades reais e de atos consensuais.

Um bom negócio para a máfia

As vantagens da internet para os traficantes incluem: segurança no anonimato; capacidade de participar de comunicações criptografadas em tempo real; possibilidade de atingir um público mais amplo; mobilidade geográfica; e capacidade de controlar as vítimas a distância.

A tecnologia também atua como um multiplicador de força para as atividades da máfia, pois permite a comercialização e exploração das vítimas em grande escala.

As vítimas são exploradas repetidamente, enquanto os criminosos reproduzem o mesmo anúncio e transmissão ao vivo da atividade sexual forçada em várias plataformas, para maximizar o alcance e os lucros.

Algumas redes criminosas com mais conhecimento tecnológico estão usando métodos ainda mais inovadores para ocultar seus ganhos e fazer a gestão financeira de seus negócios ilegais.

Esses procedimentos incluem carteiras digitais e fintechs, que oferecem serviços de banco virtual e acesso rápido a moedas virtuais.

A vantagem do uso de moedas eletrônicas é que este tipo de pagamento oferece ferramentas para ocultar informações pessoais, como a identificação das partes envolvidas na transação e sua localização.

A moeda também permite a realização de pagamentos anônimos, sem nem mesmo divulgar a finalidade da transação.

De acordo com os relatórios, tal cenário aponta para um emergente modelo de negócios de serviços.

As vítimas no Brasil e no mundo

Na avaliação da coordenadora-geral de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Contrabando de Migrantes do Ministério da Justiça, Renata Braz Silva, ainda é cedo para afirmar que houve mudança substancial no modus operandi do crime no Brasil.

“Contudo, já conseguimos visualizar um aumento de relatos de aliciamento por meio das redes sociais, por exemplo”, diz a coordenadora.

“Ainda que não exista um perfil único de vítimas de tráfico de pessoas, fatores como a pobreza e a busca por melhores condições de vida e de trabalho estão entre as motivações que levam as pessoas a caírem em situações de exploração”, afirmou Braz.

De acordo com o Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas, da ONU, cerca de 50 mil vítimas foram detectadas, em 148 países, em 2018.

A organização estima que este número seja ainda maior, devido à natureza oculta deste tipo de crime. Os mais vulneráveis, segundo o relatório, são migrantes e desempregados.

O documento indica ainda que, em escala global, metade das vítimas detectadas foi traficada para a exploração sexual, 38% para trabalhos forçados e 6% submetidas a atividades criminosas.

A ONU alerta que a Covid-19 agravou a tendência geral de piora no tráfico de pessoas. A preocupação é com que a recessão causada pela pandemia exponha ainda mais pessoas ao risco de tráfico.

A organização alerta que “milhões de mulheres, crianças e homens em todo o mundo que estão sem trabalho, fora da escola e sem apoio social. A previsão é que venha a piorar o risco de tráfico”.

As mulheres continuam sendo o alvo principal dos traficantes. Quase metade das vítimas identificadas em todo o mundo eram mulheres adultas, e 20% eram meninas. Outros 20% eram homens adultos, e 15%, meninos.

O relatório ressalta que, nos últimos 15 anos, houve um aumento no número de vítimas e uma mudança no perfil das pessoas aliciadas.

A proporção de mulheres adultas, embora continue sendo a mais alta, caiu de mais de 70% para menos da metade. Em relação às crianças, a alta foi de cerca de 10% para mais de 30%.

A organização ainda aponta que, no mesmo período, a proporção de homens adultos saltou de cerca de 10% para 20%.

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