24 horas de Manchester: o dia em que conheci Old Trafford e vi o City na Champions League

A história narrada a seguir aconteceu em dezembro de 2015 em Manchester, Inglaterra. Num único dia, fui nos estádios dos dois times da cidade – City e United. Confira esta verdadeira aventura futebolística abaixo:

Parte 1 (chegada à Manchester e visita ao “Teatro dos Sonhos”)

Assim que dei meu primeiro passo no aeroporto internacional de Manchester, após um curto e conturbado vôo de 40 minutos vindo de Dublin, cidade em que moro, pontualmente ao meio dia, a musiquinha da Champions League não saía da minha cabeça. Mesmo dentro do trem rumo ao meu hostel, no centro da cidade, as imagens das árvores, casas e carros que passavam por mim eram embaladas por uma só nota, além da sorte de ter pago apenas 10 euros ida e volta na passagem, que deixaram a felicidade evidente em meu rosto.

A realização de uma vida inteira estava prestes a se tornar realidade e, mesmo 8 de dezembro sendo um típico “dia inglês” (céu fechado, chuva, vento e frio), isso não fez diferença para mim. Senti uma espécie de “déjà-vu”, como se já houvesse estado ali, feito as mesmas coisas no passado, talvez por ter desejado tanto este momento durante anos vendo jogos pela tv e jogando no vídeo game.

Manchester é exatamente como eu imaginava, e ainda com uma surpresa agradável: o povo é, para o padrão europeu, “friendly” ao extremo. No geral, são muito simpáticos e de bem com a vida. Eu não sei como isso é possível chovendo toda hora, com ventos muito fortes, que só fazem aumentar a sensação de frio, e na maior parte do ano escurece antes das 17h.

Tem coisas que você só descobre estando no lugar, e esta foi uma delas. Assim que cheguei no meu hostel, por volta das 13h, só tive tempo de guardar minha mochila, comer alguma coisa por perto (o tradicional “fish and chips” inglês) e partir para Old Trafford, estádio do Manchester United, na primeira parada do dia.

Tinha pouco tempo de estada na cidade e não queria gastar dinheiro, porque meu projeto é assistir outros jogos, e a libra estava sendo cotada a 1,38 convertido para euro, o que encarecia bastante e os preços são praticamente os mesmos da Europa, só que em pounds.

Por isso, não conheci os pontos turísticos da cidade, mas pelo que vi é um lugar fantástico, com muitas atrações e visualmente muito bonita. Por coincidência, encontrei um coreano no hostel que iria fazer a mesma programação que eu (stadium tour + jogo) e fomos juntos rumo à Trafford, bairro situado na grande Manchester.

Para quem não sabe, o famoso estádio do United não está localizado exatamente na cidade de Manchester mas à cerca de 30 minutos de ônibus do centro da cidade. Por 4,20 libras comprei uma passagem que valia para um dia inteiro, para todos os meios de transporte disponíveis (trem, metrô de superfície e ônibus), comprovando mais uma vez que os meios de transporte na Europa são caros, mas que realmente funcionam, a ponto de um carro ser artigo de luxo, e não de necessidade como é para nós, brasileiros.

Acabei chegando atrasado e perdendo meu horário das 15h30, e fui realocado para às 16h30. Pode parecer pouca diferença, mas a escuridão nesse horário era total, o que tirou um pouco o brilho da visita. Com os refletores apagados e pouca iluminação, ainda assim pude ver as arquibancadas e até me imaginar num jogo ali, mas as fotos não ficaram boas. Realmente o “Teatro dos Sonhos”, como o estádio é conhecido, é muito bonito, além de conservar várias características de sua arquitetura original, datada em 1910.

O segundo maior estádio da Inglaterra, com capacidade para mais de 76.000 pessoas, funciona como uma espécie de complexo, com vários restaurantes e até um hotel para congressistas diversos. A valorização dos grandes ídolos também é evidente, com a recém-lançada arquibancada com o nome do técnico mais vitorioso do clube, sir Alex Fergunson, e outros ídolos do passado, com destaques para George Best e Ryan Giggs, que possuem partes próprias no museu, e a famosa estátua de Bobby Charlton, Best e Denis Law na entrada principal do estádio.

Com ingressos esgotados até 2017 (!), comprovei na prática que o Manchester United é realmente um dos três maiores clubes do mundo, ao lado do Real Madrid e Barcelona. Possui tudo que um clube precisa para tal: história, torcida presente, fama mundial e muito, muito dinheiro.

Saindo do stadium tour, após visitas ao vestiário, museu, troféus e outras partes internas do clube, fui bombardeado de informações com a mega store do United. Lá estavam todos os modelos de camisa, short, livros, souvenirs e o que mais existir de produto licenciado dos Red Devils, fazendo qualquer fã de futebol cogitar abrir a carteira por impulso. Mas o símbolo £, da libra, me dá arrepio só de lembrar, mesmo eu possuindo euros.

Pulei fora dessa e continuei na minha política custo zero, mas ajudei meu simpático novo amigo coreano a fazer as comprinhas de natal para toda sua família na loja. Gastou mais de 500£ na tranquilidade, e ainda me ofereceu uma camisa oficial dessa temporada, que eu obviamente recusei.

Depois, ele disse que já tinha gastado mais de 6 mil libras em uma semana viajando pela Inglaterra atrás de jogo. E eu me sentindo mal pelo meu orçamento de 100 libras pra viagem toda.. Do lado de fora do estádio, atravessamos a rua e pegamos outro ônibus rumo ao Etihad Stadium.

Troquei minha camisa rapidamente – estava com a do Rooney vermelha da Inglaterra – e pus a do Manchester City. Um engarrafamento de outro mundo nos fez pensar que não conseguiríamos chegar a tempo. Muitas “aventuras” me esperavam até eu ouvir a musiquinha da Champions de verdade, e eu não iria desistir. Não tão perto da concretização de um sonho.

Parte 2 (jogo Manchester City 4 x 2 Borussia M’gladbach)

O relógio marcava 18h e a partida começaria às 19h45. Mesmo saindo com antecedência de Old Trafford, um trânsito “à la” Brasil simplesmente paralisou os carros, que mal se moviam, e estávamos há mais de 20 minutos parados, dentro do ônibus. Meu amigo coreano estava quase chorando, por que ainda estávamos longe e ele achou que não daria tempo.

Vimos outra rota no celular, e ela não parecia tão boa: encarar a chuva forte e vento frio por 30 minutos andando até a estação de trem. E foi o que fizemos. Depois eu fiquei sabendo que estava chovendo mais do que o normal, o que alagou vários pontos da cidade e dificultou o trânsito. Claro que isso tinha que acontecer justamente no meu grande dia, só para me sacanear.

Depois destas provações, eu e o coreano chegamos na bendita estação de trem e, para nossa sorte, encontramos dois animados torcedores do City, que nos ajudaram com as informações e ficaram conosco até o trajeto para o estádio. No trem, enquanto conversávamos, notei que meu amigo não dizia uma só palavra e perguntei o porquê. Ele disse que não entendia nada que eles diziam!

É compreensível, já que nas cidades do interior da Inglaterra o sotaque britânico dos habitantes é bastante carregado, chega a ser até um dialeto, e o coreano aprendeu inglês pelo método americano, daí entendi o motivo. Já eu, adaptado quanto às diferentes formas de falar por morar em Dublin, onde o entendimento é ainda pior e, sabendo que compreendê-los é questão de sobrevivência, pude conversar tranquilamente.

Dentre os assuntos, os ingleses me explicaram que não gostam muito da champions league, pois preferem o campeonato inglês por valorizarem o que é deles, e falaram sobre a frustração com a falta de efetividade do time nesta temporada onde obteve várias chances de ser líder da Premier League, mas perdeu mais uma partida sábado passado (05/12) contra o Stoke City.

Na Champions League, o City possuía condição favorável, com classificação garantida para a próxima fase, com opção de ter obtido o primeiro lugar do grupo, que possibilitaria enfrentar os segundos colocados nas oitavas de final e ainda decidir o confronto em casa, na segunda partida. Para isso, precisava ganhar do Borussia M’gladbach e torcer para que o Sevilha ganhasse da Juventus.

Na chegada do Etihad Stadium, a chuva havia parado, mas o vento estava mais forte ainda, com a temperatura caindo rapidamente. Acredito que deve ter chegado próximo de zero grau em alguns momentos, mas eu estava bem agasalhado, com uma camisa térmica, três camisas por cima, luva e protetor de pescoço.

Achei a atmosfera fantástica, com torcedores realmente do City, e poucos turistas, o que para loucos por futebol como eu, faz toda a diferença. Em outros clubes, como Chelsea e United, mesmo com ingressos esgotados, muitos compram de cambistas, e o número de turistas nestas partidas é bastante alto. Deve ser por isso também que prefiro o Everton ao Liverpool, o City ao United.

Clubes grandes, de muito investimento, acabam atraindo pessoas de todo o mundo, o que retira das arquibancadas parte dos torcedores “originais”, da cidade e arredores, que atualmente não vão aos jogos pela alta procura e elevação no preço dos ingressos. Prefiro o meio termo, como clubes iguais ao City. É claro que os donos árabes injetam há mais de 10 anos milhões de dólares no clube, possuindo um dos mais fortes elencos da Europa, ainda assim falta muito para chegar ao nível do maior rival.

Os dois ingleses que conheci no trem foram simpáticos e me deixaram na entrada correta para trocar meu ingresso, e tentaram me convencer a comprar o season card para assistir todos os jogos da temporada do campeonato inglês, e falaram o preço da brincadeira: 760 £ anuais! Ingressos da Champions e Copas Inglesas à parte. Sorri e falei que ia pensar, só para retribuir a simpatia.

Cheguei ao meu assento e vislumbrei o estádio mais bonito que já vi até agora, mas até do que o do United. Não possui a mesma história ou capacidade do rival, mas por ter sido construído em 2003 é mais moderno e seguramente uma das melhores arenas européias. As arquibancadas não estavam totalmente lotadas, talvez pelo patriotismo que haviam me dito, preços dos ingressos e também pelo caos que estava a cidade nesse dia, mas nada que estragasse o espetáculo.

Na hora da tal musiquinha que eu tanto aguardava, me surpreendeu a vaia estrondosa neste momento, vinda de todo o estádio, talvez em protesto contra a corrupção na FIFA e UEFA. Eu tentei me desligar disso e me concentrar nos atletas perfilados, as crianças balançando a bola gigante de pano no centro do gramado e o telão mostrando tudo isso. Aquilo era real e eu fiquei emocionado com este momento.

Me fez lembrar tudo o que eu tinha feito para estar ali, e a vontade de querer mais momentos como esse. Também me dei conta que mesmo que eu tivesse todo dinheiro do mundo e conhecesse todos os estádios, jamais será a mesma coisa que estar na área da imprensa, seja no gramado ou nas cabines. Ali é o meu lugar, sempre foi e sempre será.

Passado o meu momento piegas, o que se passou nos 90 minutos seguidos foi um jogo de muita movimentação, com os dois times indo para cima, querendo a vitória, com o Borussia sendo superior no primeiro tempo. Até aí, o City parecia estar em marcha lenta, como se estivesse guardando energias para o segundo tempo.

O gol de David Silva, um bonito petardo do meia na pequena área, foi o único brilho dos blues, e com gols de Julian Korb e Raffael, o Borussia foi para os vestiários com virtuais três pontos e a classificação. Outro ponto a ser destacado é a torcida visitante, que me impressionou pela força dos cânticos.

Já havia conversado com vários torcedores alemães pelo caminho e havia lido uma matéria na revista Placar sobre a força deles, mas ao vivo parece até uma torcida sul-americana. Não param de gritar um segundo, tiram a camisa e empurram o time mesmo nos piores momentos. Na maior parte do tempo, superavam de longe os torcedores locais. Várias brigas entre eles e torcedores rivais ocorreram, fato que ainda não tinha visto aqui na Europa.

É interessante citar que quase sempre acontecem brigas entre as torcidas rivais, dentro e fora do estádio, em jogos da Europa League e da Champions, mas não são divulgadas pela imprensa, o que na minha opinião deveria ser copiado pela imprensa brasileira, para não incentivar o vandalismo e tirar o brilho e encantamento das partidas.

Em jogos internacionais você só consegue comprar ingresso se for sócio ou tentar a sorte com cambistas, como foi meu caso (paguei 10 libras a mais por isso), justamente para evitar encontro de torcidas dentro do estádio. Mesmo assim, vários alemães fizeram o mesmo que eu e ficaram em lugares destinados à torcida local, mas não vi nenhuma confusão nesta área, com torcedores dos dois lados reunidos e misturados. A algazarra aconteceu mais próximo do local que estava, atrás de uma das traves, e felizmente a polícia inglesa controlou a situação.

No intervalo, os bares e banheiros modernos propiciam momentos agradáveis para os torcedores, que podem saborear tranquilamente as guloseimas típicas como tortas recheadas e “fish and chips” na companhia de uma Heineken, patrocinadora oficial do evento, bem gelada. Detalhe: só é possível beber antes, no intervalo ou após a partida.

Tomei uma “pint” (copo de cerveja), voltei para mais 45 minutos de partida. Com a volta da bola rolando, percebi que o City possui um grande elenco e um bom técnico, mas nada além disso. Sem a sua principal estrela, Sergio Aguero, percebi um time até certo ponto previsível e eficiente. Os citizens possuem um elenco balanceado que possibilitou a conquista de dois campeonatos ingleses e dois vice-campeonatos nos últimos quatro anos. Mesmo assim, o time sabe que para ir bem na Champions na próxima fase, contra gigantes como Bayer de Munique e Barcelona, vai precisar também de sorte para superá-los.

O jogo prosseguia com muita correria, mas poucas chances de perigo, até Raheem Sterling resolver a parada. Com dois gols em menos de cinco minutos, o ex-Liverpool mudou o rumo da partida, que parecia perdida, com duas jogadas criadas com toques de bola rápidas pelo lado direito do campo, com o selecionável apenas arrematando para o gol.

Wilfried Bony fechou o placar, e ainda deu passe para um dos gols de Sterling. Todos esses lances aconteceram após os 35 minutos do segundo tempo, o que evidencia a força do City, mesmo sem Kun Aguero, e por pouco os blues não pagaram caro pelo freio de mão puxado na maior parte do jogo.

No fim da partida, uma festa animada da torcida do City nas arquibancadas, com a primeira colocação no grupo D (Sevilha havia derrotado a Juventus), e do lado dos visitantes, muita lamentação da torcida com a não-concretização da vaga na Liga Europa, conquistada pelos espanhóis com o terceiro lugar do Sevilha.

Parecia até final de Copa do Mundo, gente chorando e o bravo elenco alemão se despedindo de seus fãs. Igual à nós quando vemos nosso time ser eliminado de uma grande competição! Como considerações finais sobre o City, acredito que o Joe Hart é um grande goleiro, e realmente merece a camisa número 1 inglesa.

A zaga não transmite confiança e Vicent Kompany não está em seus melhores dias, falhando várias vezes nessa temporada. No meio campo, Yaya Touré, voltando de lesão, está ridiculamente acima do peso e muito lento, e David Silva é mais um grande jogador que tive a oportunidade de ver in loco. Com muita atitude, dribles rápidos e objetividade, o espanhol segura as pontas nas ausências de Aguero. O belga Kevin de Bruyne, que na temporada é o maior marcador do time e o que tem mais assistências, teve uma noite apagada, mas está em grande fase.

No ataque, Sterling estava isolado a maior parte do tempo, e para mim ele e Bony são duas das muitas enganações do futebol europeu. Jogadores medianos para baixo, com algumas boas partidas e muito marketing em cima. Mas eles fizeram uma boa partida e representaram bem o time.

Voltando pro hostel dei o tradicional rolê ao redor do estádio, como sempre faço ao final das partidas, para me despedir de mais uma grande noite. Percebi que eles não tocaram a tradicional “blue moon”, música típica da torcida, e me disseram que só a tocam na Premier League. Como são barristas os inglesses!

Me contentei com a música do Oasis no início, meio e fim do jogo. Para quem não sabe, os irmãos Gallagher são de Manchester e loucos pelo City. Acredito que um deles esteve no Etihad pra ver o jogo. Pela enésima vez tive a vontade de ter um season card (cartão que possibilita acesso a todos os jogos), mas a impossibilidade no momento me fez voltar à realidade. Vou acabar sendo sócio do Shamrock Roovers, time aqui de Dublin, tendo custo de 100 euros por ano, podendo ir a todos os jogos aqui. Depois de mais uma missão cumprida, o foco sempre vem já para a próxima partida.

Próxima jornada: cidade de Glasgow, assistir a uma partida do Rangers, pela história bonita do clube, que caiu para a quarta divisão e possui uma torcida fantástica, algo parecido com o que acontece com o Clube do Remo. Enquanto eu planejava os próximos passos na cozinha do hostel, saboreando uma gelada salada de atum que comprei no supermercado por 1,50£, refleti em como é bom existirem prazeres como o futebol na sociedade moderna.

Os noticiários mostram ódio, morte, coisas ruins a toda hora, e isso parece sumir dentro de um estádio. Durante a partida, não interessa o pronunciamento do governo, nem a cotação do dólar ou atentado terrorista. É apenas o jogo que interessa naquele momento, por isso escolhi o jornalismo esportivo e não outros seguimentos. Eu acredito que além de informar, é preciso ter o prazer de noticiar, com paixão e seriedade, o esporte.

E o esporte nada mais é que prazer e diversão. Propiciar isso, através da notícia, para outras pessoas, é fantástico. A mídia, infelizmente, está comprada no mundo inteiro e as notícias que saem são editadas por grandes corporações, de acordo com seus interesses, e no jornalismo esportivo essa proporção é bem menor, quase inexistente.

Não importa os escândalos de corrupção ou os salários altos dos jogadores, e sim que trata-se apenas de um jogo, um entretenimento, que muitas vezes serve para amenizar tanta notícia ruim que temos acompanhado ultimamente. Já no avião voltando, muita turbulência novamente e chegada em Dublin com o clima exatamente igual ao da Inglaterra, com ventos ainda mais fortes. Quebrado após as intensas 24 horas respirando Manchester, me dei conta de não ter conhecido nenhum ponto turístico, mas estive em dois dos maiores templos de futebol na Terra.

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24 horas de Manchester: o dia em que conheci Old Trafford e vi o City na Champions League