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Como a covid-19 mudou as expectativas em relação a outras vacinas

Por NATIONAL GEOGRAPHIC

Foto: NurPhoto / NurPhoto via Getty Images

Enquanto os cientistas corriam para criar vacinas que combatessem o novo coronavírus, Matthew Motta se questionava: o que os norte-americanos esperavam dessas vacinas?

Motta, cientista político da Universidade Estadual de Oklahoma que estuda a hesitação da vacina contra a covid-19, entrevistou quase mil norte-americanos adultos sobre suas expectativas em relação às então hipotéticas vacinas. Seu estudo revisado por pares e publicado em março na revista científica Social Science & Medicine, revelou o que ele descreveu como resultados previsíveis: considerando a escolha entre diversas taxas de eficácia e vacinas de dose única ou múltipla, a vacina de preferência dos norte-americanos seria uma de dose única que apresentasse pelo menos 90% de eficácia e praticamente nenhuma probabilidade de causar nem mesmo efeitos colaterais leves.

“Não é uma grande surpresa que as pessoas prefiram vacinas seguras e eficazes”, comenta ele. Mas Motta conta que, no ano passado, enquanto analisava os resultados da pesquisa, ele se preocupou porque “era provável que as vacinas não correspondessem a essa alta expectativa”.

Mas elas corresponderam.

As duas primeiras vacinas aprovadas que receberam autorização para uso emergencial nos Estados Unidos — vacinas desenvolvidas pela Moderna e pela Pfizer-BioNTech utilizando tecnologia de mRNA inovadora — atingiram níveis de eficácia de 94% e 95%, respectivamente, ultrapassando a taxa de referência de 50% estabelecida pela Agência de Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês), resultado que foi comemorado pela comunidade científica e pela população.

Segundo Motta, foram “notícias incríveis”. Mas também o levaram a pensar em outra questão preocupante: será que essas vacinas com eficácia e segurança impressionantes — produzidas em tempo recorde — mudariam fundamentalmente as expectativas das pessoas com relação às vacinas? Em outras palavras, as pessoas esperariam que futuras vacinas fossem desenvolvidas de forma tão rápida e fossem tão seguras e eficazes quanto as vacinas contra a covid-19?

Motta busca financiamento para um estudo com o objetivo de encontrar a resposta. Mas ele e outros especialistas suspeitam que — pelo menos no curto prazo — as expectativas de algumas pessoas quanto à vacinação aumentaram, com possíveis consequências sérias: esperar vacinas desenvolvidas com rapidez e quase impecáveis pode aumentar a hesitação daqueles que já não têm tantas convicções sobre imunização se as vacinas futuras não atenderem às expectativas.

Como as pessoas avaliam as vacinas

Historicamente, “uma vacina para determinada doença estava disponível ou não”, explica Rossi Hassad, epidemiologista e professor de psicologia na Faculdade Mercy. “A avaliação de eficácia e segurança das vacinas não era de conhecimento da população antes da covid-19.”

Por exemplo, a vacina contra a febre amarela — uma vacina de dose única recomendada para aqueles que viajam para áreas de risco na África e América do Sul — contém um risco mínimo de reações graves e até morte. Mas “a maioria das pessoas nem sabe disso”, relata Paul Offit, diretor do Centro de Educação de Vacinas do Hospital Infantil da Filadélfia e conselheiro governamental sobre políticas de vacinas. “Acredito que a maioria das pessoas não conhece os riscos porque não os divulgamos como divulgamos nesse caso.”

Em meio à pandemia, no entanto, quase todas as publicações se concentram na cobertura do vírus e nas possíveis formas de combatê-lo, incluindo o desenvolvimento de vacinas. A população pode ter acesso a dezenas de artigos todos os dias, repercutindo detalhes do desenvolvimento das vacinas, incluindo os potenciais riscos àqueles que decidiriam se vacinar posteriormente.

No fim de 2020, Jennifer Trueblood, professora associada de psicologia da Universidade de Vanderbilt, entrevistou cerca de 34 mil norte-americanos questionando a intenção de se vacinarem contra a covid-19. O estudo subsequente, publicado em março na revista científica Social Psychological and Personality Science, revelou que as pessoas com aversão ao risco eram menos propensas a afirmar que tomariam a vacina.

“O que está evidente é que as pessoas estão considerando que tomar a vacina contra a covid-19 seja uma decisão arriscada”, salienta ela. E o foco e atenção coletiva da população a “informações muito específicas sobre os riscos e benefícios está moldando o pensamento das pessoas sobre as vacinas de maneira mais ampla”, acrescenta ela.

Um novo padrão?

Para tomar decisões, muitas pessoas precisam de referências — informações que as ajudem a ponderar os prós e os contras de uma determinada escolha. Por exemplo, se uma estudante recém-formada recebe uma proposta com salário inicial de US$50 mil, talvez ela não tenha conhecimento se é uma boa oferta. Mas se ela souber que a maioria de seus colegas de classe recebeu uma proposta de apenas US$30 mil, é provável que acredite que está recebendo um bom valor.

Dessa forma, as primeiras vacinas contra a covid-19 a serem autorizadas para uso emergencial nos Estados Unidos podem ter estabelecido um ponto de referência para as pessoas avaliarem futuros imunizantes, afirma Gretchen Chapman, psicóloga e professora de ciências sociais e de decisão na Universidade Carnegie Mellon.

Hassad acrescenta: “o padrão estabelecido pelas vacinas de mRNA — em termos de rapidez de desenvolvimento e nível de efetividade e eficácia — provavelmente elevará o padrão em termos de expectativas da população: querer mais, melhor e mais rápido quando se trata de vacinas para outras doenças”.

Se um médico recomendar uma vacina específica, ele explica: “as pessoas podem questionar: ‘essa vacina é boa? Qual a sua eficácia? É adequada para pessoas como eu? Há algum fator sobre minha vida que preciso levar em consideração?’ Acredito que o nível em termos de educação de pacientes sobre sua saúde pessoal realmente aumentou — o que, é claro, contribuirá para a tomada de decisões sobre saúde”.

As vacinas contra a covid-19 também foram produzidas em menos de um ano. Décadas de pesquisa e bilhões de dólares de financiamento do governo, em conjunto com um foco único da comunidade científica, facilitaram sua rápida produção. Mas, no fim das contas, o que mais importa para alguns é o fato de que uma vacina pode ser desenvolvida e disponibilizada em menos de um ano.

Offit não concorda com a ideia de que as expectativas das pessoas sobre as vacinas estão mudando fundamentalmente, em parte porque ele acredita que as pessoas sempre esperaram as vacinas mais seguras e eficazes.

Mas ele observa que o rápido desenvolvimento das vacinas contra a covid-19 “deveria ter despertado as pessoas para o fato de que, quando se investe uma enorme quantidade de dinheiro em algo, temos a capacidade científica e o conhecimento para fazer algo tão notável quanto isso”.

O estudo de Motta, conduzido antes da divulgação dos resultados finais do ensaio clínico das vacinas, mostrou que os participantes tinham apenas uma ligeira preferência por vacinas que demoram mais tempo para serem desenvolvidas: eles tinham quase a mesma probabilidade de tomar uma vacina cuja produção demorou pouco mais de um ano e uma que levou menos de um ano. “Na época, isso era uma boa notícia, porque significava que as pessoas estavam dispostas a tomar uma vacina que, relativamente falando, fosse desenvolvida com rapidez”, ressalta Motta.

Mas ele também se pergunta se a velocidade com que foram produzidas pode ocasionar um problema no futuro: “se uma vacina demorar mais para ser desenvolvida, as pessoas terão menos probabilidade de tomá-la?”, indaga Motta.

Segundo ele, ainda não se sabe a resposta. No entanto uma pesquisa nos Estados Unidos realizada em março pelo Centro de Pesquisa Pew revelou que “a ideia de que as vacinas foram desenvolvidas e testadas muito rápido” foi a principal preocupação para 67% dos entrevistados que haviam relatado não ter a intenção de se vacinar contra a covid-19. Uma outra pesquisa de abril revelou que cerca de um em cada cinco norte-americanos afirma que não tomará a vacina.

Expectativa de escolha

As vacinas contra a covid-19 também podem ter estabelecido outro ponto de referência: que a população deve ter direito de escolha entre vacinas contra uma doença específica. Embora muitas pessoas tenham tido dificuldades para tomar suas primeiras doses, outras tiveram o luxo de escolher qual vacina contra a covid-19 tomar.

E para alguns, essa escolha era entre as vacinas consideradas melhores ou piores.

A vacina da Johnson & Johnson foi a terceira a ser autorizada para uso emergencial nos Estados Unidos, a qual os cientistas consideraram um sucesso: ao contrário de suas antecessoras, a vacina não exige armazenamento ultrafrio, o que significa que poderia atender melhor as comunidades rurais. E seu regime de dose única pode facilitar a vacinação em comunidades vulneráveis — como aquelas sem transporte adequado ou nas quais as pessoas não têm direito à folga remunerada do trabalho. Mas após divulgações da taxa de eficácia de 66% da vacina na prevenção da infecção pelo novo coronavírus, algumas pessoas consideraram a eficácia abaixo da média. (Os ensaios clínicos da vacina da Johnson & Johnson incluíram algumas das variantes mais facilmente transmissíveis da covid-19, o que pode ter reduzido suas taxas de eficácia, mas a maioria dos especialistas concorda que é um excelente imunizante.)

“Há uma grande sensibilidade em relação às vacinas e o que elas representam em termos de eficácia e segurança, principalmente desde que a vacina da Johnson & Johnson foi autorizada”, diz Hassad.

E uma pesquisa conduzida nos Estados Unidos em meados de abril pela ABC News e pelo Washington Post constatou que a confiança das pessoas nessa vacina diminuiu quando a FDA interrompeu temporariamente sua distribuição depois que seis mulheres apresentaram coágulos sanguíneos com risco à vida após a imunização: a maioria dos norte-americanos não vacinados — cerca de 73% — disse que estava relutante em receber a vacina da J&J. Posteriormente, a FDA suspendeu a interrupção e recomendou a continuidade da distribuição da vacina.

Embora as evidências sejam atualmente baseadas em pesquisas de opinião e relatos inconsistentes, “parece que estamos criando percepções de uma hierarquia de vacinas boas e não tão boas e isso me preocupa”, observa Kasisomayajula Viswanath, professor de comunicação de saúde no Departamento de Ciências Sociais e do Comportamento da Faculdade de Saúde Pública Harvard T.H. Chan.

No curto prazo, expectativas irracionais em relação a vacinas podem ter consequências devastadoras. Ao interromper a distribuição da vacina da J&J, Offit diz que a FDA “manchou a imagem” do imunizante e, com essa reputação, “há pessoas que teriam recebido essa vacina, mas agora não querem, e como elas não vão tomá-la, não serão imunizadas”.

Em longo prazo, ter uma escolha entre as vacinas contra a covid-19 também poderia criar um “fenômeno análogo” que se aplica a outras vacinas, sejam doses de reforços contra a covid-19 ou imunizantes contra outras doenças, alerta Chapman. “Se as pessoas souberem que há a possibilidade de escolha — e em especial para alguns pacientes consumidores experientes que lerão todos os comparativos entre as vacinas — é provável que agora passem a exigir uma vacina específica.”

Mas, no geral, em meio à pandemia ou não, “se as pessoas esperarem por longos períodos para serem vacinadas para ter acesso ao que consideram uma vacina melhor, colocam a si mesmas e suas comunidades em risco”, adverte Walter Orenstein, médico e diretor associado do Centro de Vacinação Emory.

Aprendendo a avaliar o risco

Trueblood diz que as expectativas gerais das pessoas em relação às vacinas “provavelmente serão determinadas por suas experiências com imunizantes recentes”, e que as vacinas contra a covid-19 podem servir como um ponto de referência para doses de reforço contra o novo coronavírus e até mesmo novas vacinas produzidas nos próximos anos.

No entanto é “muito difícil dizer” se essas expectativas irão persistir, complementa ela. “Acredito que as pessoas teriam menos influência com o passar do tempo”, acrescenta Trueblood.

Eventos semelhantes entre si podem fazer com que as pessoas se lembrem de casos específicos: se outra doença pandêmica surgisse em uma década, “isso faria as pessoas se lembrarem mais dessa experiência”, relata Trueblood. Mas se uma nova vacina for criada para combater uma doença diferente, em diferentes circunstâncias, “é difícil acreditar que as experiências das pessoas com as vacinas contra a covid-19 terão muita influência”, diz ela.

Alguns especialistas acreditam que observar a próxima temporada de gripe pode fornecer evidências para saber se as expectativas com os imunizantes agora terão um efeito prolongado. “Eu me refiro a daqui a um ano — quando a covid-19 se tornar muito controlável — nesse ponto, voltaremos à questão das vacinas contra a gripe”, comenta Viswanath. “E eu me pergunto se as pessoas começarão a prestar atenção nisso.”

Menos da metade dos adultos norte-americanos toma vacinas contra a gripe a cada ano, cuja eficácia varia de 40% a 60%. “Eu me pergunto agora, se ainda mais adultos dirão que, em comparação com a covid-19, a gripe não é realmente tão grave e as taxas de eficácia das vacinas são muito mais baixas — então por que eles deveriam se preocupar em se vacinar?” questiona Viswanath. Outras vacinas para adultos são muito mais eficazes: a vacina contra herpes zóster, por exemplo, é 90% eficaz na prevenção da infecção e da dor.

Contudo a comunicação correta sobre saúde é essencial para ajudar as pessoas a estabelecer expectativas razoáveis sobre as vacinas — e incentivar a imunização, apesar do risco reconhecido.

Quando as pessoas estão saturadas com informações sobre vacinação, as mensagens direcionadas que apelam às suas percepções e crenças são fundamentais, esclarece Hassad. Motta concorda. “Às vezes pode-se acertar a agulha da hesitação quanto à imunização (trocadilho intencional) por meio de informações”, conclui ele. “Mas uma forma muito mais eficaz de convencer as pessoas a se imunizarem é tentar entender por que não querem se vacinar e, em seguida, fornecer informações de uma forma que diminua essas preocupações.”

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