‘Melhora da morte’: por que alguns pacientes graves melhoram pouco antes de morrer?

Aos 14 anos, a gaúcha Alita Porto Reis passou a criar seus oito irmãos e irmãs após perderem a mãe. Décadas depois, por não conseguir engravidar, decidiu adotar uma garotinha, Ana Lúcia. E ao longo desses anos sustentou a todos com o dinheiro que obtinha ao cozinhar pratos alemães e lavar e costurar roupas. Mas, por volta dos 70 anos, ela começou a perder a independência e a precisar de ajuda por causa da doença de Alzheimer. Com o tempo não conseguia mais comer, tomar banho e se vestir sozinha. Quase não reconhecia mais ninguém. Só que em seus últimos dias de vida, Alita teve uma melhora repentina.

“Do nada, começou a conversar com minha mãe. Lembrava de tudo”, conta a neta Samanta. “Minha avó sempre teve uma personalidade muito forte, mas ela foi esquecendo quem era, perdendo sua essência. E, nos últimos dias, ela voltou.”

Aquele retorno teve também um significado especial para a filha Ana Lúcia. “Ela acabou consolando a minha mãe com muito carinho, disse que tudo ia ficar bem no dia 31. Minha mãe chorava muito, dizia que não queria perdê-la. Ela acabou falecendo exatamente no dia 31 de agosto de 2011. De certa forma, tudo isso ajudou muito a minha mãe porque ela pode matar a saudade da mãe dela. Pode sentar e conversar com ela mais uma vez e se despedir.”

“Todo mundo que atua em hospital tem uma história dessas”, diz Frederico Fernandes, médico do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia.

Algo parecido pode ser dito de asilos. No Reino Unido, uma pesquisa em 2008 com profissionais destas instituições apontou que 7 em cada 10 presenciaram casos de pacientes com demência ou confusão mental que melhoraram pouco antes de morrer.

Há termos de diferentes idiomas e épocas para descrever esse mesmo fenômeno, inexplicável até hoje para a Ciência: melhora da morte, o último adeus, a iluminação antes da morte (da era vitoriana no Reino Unido), a melhora do fim da vida, a visita da saúde, a melhora da despedida, o último uhul!, episódios de lucidez, a lucidez paradoxal, a lucidez terminal ou o último raio de Sol (do chinês 回光返照).

Mas por que alguns pacientes de doenças crônicas ou recentes como a covid-19 apresentam uma melhora súbita antes de morrer?

As dúvidas existem pelo menos desde Hipócrates, médico grego considerado o pai da Medicina, que nasceu quatro séculos antes de Cristo.

Ele e outros outros nomes da Grécia Antiga acreditavam que a alma permanecia basicamente intacta enquanto o cérebro é afetado por um mau funcionamento físico ou distúrbios da mente.

“Eles acreditavam que, durante e após a morte, a alma foi libertada das limitações materiais, recuperando todo o seu potencial. A mente humana seria mais do que um mero produto da fisiologia do cérebro, talvez envolvendo até mesmo um tipo de ‘sujeito transcendental’ ou ‘vida interior oculta'”, explica à BBC News Brasil o biólogo alemão Michael Nahm, que cunhou o termo “lucidez terminal” para o fenômeno e se debruçou sobre relatos históricos do tipo feitos ao longo de centenas de anos.

Há diversas hipóteses que tentam explicar o fenômeno, mas nenhuma delas foi comprovada até agora. Entre elas, oscilações normais em pacientes graves, uma reação química do corpo que funcionaria como um instinto de sobrevivência, o acaso, a persistência da consciência durante a morte e o viés de confirmação, ou seja, pessoas morrem o tempo inteiro, mas acabamos lembrando de histórias surpreendentes de quem melhorou antes de morrer.

Há também diversos obstáculos, inclusive éticos, para testar essas hipóteses, como realizar exames invasivos em pacientes graves. Mas qual seria a relevância de entender isso tudo?

Para Nahm, estudos podem, em tese, abrir portas para entendermos os mecanismos em torno da memória para além do sistema nervoso, por exemplo. “Se as memórias não forem armazenadas apenas no cérebro, isso certamente aumentaria nossa compreensão do processamento da memória e da mente humana, porque isso não poderia ser reduzido a um mero subproduto de neurônios ativados.”

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