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Polícia invade casa e mata jovem com deficiência intelectual. ‘Jogaram na viatura como se fosse animal’, diz mãe

Por YAHOO

Morto com três tiros, Hamilton Cesar Lima Bandeira, 23 anos, era conhecido por ser engraçado na comunidade | Foto: Arquivo pessoal

Crueldade foi a palavra utilizada por Ana Maria Lima Dias, 41 anos, para definir a morte de seu filho Hamilton Cesar Lima Bandeira, de 23 anos.

O jovem foi morto, no início da tarde de quinta-feira (17/06), com três tiros disparados por policiais civis no povoado de Calumbi, perto de Presidente Dutra, no interior do Maranhão, distante cerca de 350 km da capital São Luís. “Foi uma crueldade, ele nunca fez mal a ninguém, mataram ele na frente de um idoso de 99 anos”, disse Ana Maria à Ponte.

Hamilton tinha deficiência intelectual e tomava remédios controlados. Ele passou a ser alvo da polícia de Presidente Dutra depois de postar uma imagem na rede social Instagram na qual estava escrito:

“Eu sou teu ídolo, Lázaro. Boa sorte, Lázaro (sic)”. Lázaro Barbosa, 32 anos, é procurado pela polícia em Goiás há 12 dias sob suspeita ter matador ao menos cinco pessoas _um caseiro, em 5 de junho; um casal e os dois filhos, no dia 12. Os crimes foram em Cocalzinho de Goiás.

“Ele tinha 23 anos, mas tinha mentalidade de um rapaz de 12 anos porque tinha um distúrbio mental. Ele nunca matou, nunca roubou, nunca estuprou, apenas postava essas coisas porque ele tinha problemas mentais, tenho laudos que provam isso”, disse Ana Maria, atendente em uma loja de conveniência em um posto de combustíveis.

De acordo com a mãe, três dias antes de ser morto pela Polícia Civil, Hamilton tentava conseguir os medicamentos controlados que tomava.

“Ele ligou para a mulher trazer os remédios dele, inclusive uma assistente social vinha conversar com ele, com a gente, para nos orientar, mas felizmente não deu tempo”.

O jovem tomava remédios controlados por conta de problemas mentais, disse a mãe | Foto: Arquivo pessoal

O jovem tomava remédios controlados por conta de problemas mentais, disse a mãe | Foto: Arquivo pessoal

Ana Maria conta que, na manhã da morte do filho, ela estava trabalhando e Hamilton, que vivia com o avô, estava arrumando a casa e fazendo o almoço para o idoso.

“Eu não estava no local, fiquei sabendo por uma ligação da minha vizinha. Por volta das 10h, ele [Hamilton] ficou jogando bola com crianças na casa de um vizinho. Às 11h, ele foi para casa tomar banho, limpou a casa, lavou a louça, almoçou e deu almoço para o avô, para quem disse iria descansar”.

Instantes depois, o avô de Hamilton foi surpreendido com a chegada de três policiais, contou Ana Maria.

“Meu filho entrou no quarto e deitou na cama. Quando o avô dele sentou para comer, os policiais chegaram e perguntaram se tinha mais alguém na casa. Foi quando o avô levantou da cadeira e falou: ‘estou só eu e o meu neto’. Nesse momento, Hamilton se levantou da cama, abriu a cortina [o quarto não tem porta] e, sem poder dizer nada, tomou três tiros seguidos, sem ele poder nem se defender”.

No segundo tiro, Hamilton caiu e falou para o avô [a quem chamava de pai]:

“Pai, está doendo demais!”. “Os policiais pegaram ele pelas pernas e pelos braços e o jogaram na viatura como se fosse um animal. Ele até machucou o rosto porque bateu nos ferros da viatura. Levaram imediatamente para o Socorrão [Hospital Regional de Urgência e Emergência de Presidente Dutra], mas ele já chegou lá sem vida”, contou Ana Maria.

Assim que soube da morte do filho, Ana foi ao hospital e, depois foi à delegacia da Polícia Civil do Maranhão em Presidente Dutra, onde tentou registrar um boletim de ocorrência com a versão dos familiares sobre o que se passou dentro de sua casa, mas o delegado César Ferro, segundo a mãe, se negou a registrar o documento.

O delegado disse apenas que Hamilton havia sido “pego em flagrante”. “O delegado se recusou a fazer o BO.

Disse que o Hamilton foi para cima dos policiais com uma faca. Só que como é que uma pessoa vai para cima de três policiais com uma faca? Quando eu perguntei se ele sabia que o meu filho tomava remédios para os problemas mentais, o delegado ficou quieto”.

Segundo Ana Maria, o delegado não mostrou a suposta arma branca à família e nem disponibilizou nenhum mandado de prisão ou de busca e apreensão que justificasse a ida dos policiais civis até a casa da família.

Além disso, o corpo de Hamilton logo foi retirado da casa e nenhuma perícia foi feita, de acordo com a mãe do rapaz.

“Não mandaram ninguém fazer a perícia, mandaram outros policiais retirarem as cápsulas das armas. Eles não me deram a declaração de óbito”.

Hamilton morava com o avô, de 99 anos. Segundo a mãe do jovem, idoso viu a morte do neto, dentro da casa da família | Foto: Arquivo pessoal

No entendimento da mãe, seu filho deveria ter sido encaminhado a delegacia e não morto.

“Poderiam ter chegado em casa, com mandado de prisão e levado à delegacia. Por que o meu filho não pode ter a defesa dele? Cadê a arma do crime? Cadê a faca? Qual foi o flagrante? Estar mexendo no celular na cama?”, questionou Ana Maria.

Outro lado

Ponte procurou a Polícia Civil, por meio da Secretaria de Segurança Pública do Maranhão, mas não recebeu respostas sobre a morte de Hamilton, ao menos até a publicação desta reportagem.

A reportagem enviou as seguintes perguntas à Polícia Civil do Maranhão:

Por que os policiais atiraram três vezes em Hamilton?

Quem são os policiais que atiraram em Hamilton?

Quais eram as denúncias anônimas contra Hamilton?

Por que o delegado se recusou a registrar boletim de ocorrência com a versão da família sobre a morte de Hamilton?

Também foi solicitada uma entrevista com o delegado César Ferro, mas ela não aconteceu.

Em nota publicada no Instagram, a Delegacia de Presidente Dutra informou que teve conhecimento, por meio de várias denúncias encaminhadas à polícia, “que Hamilton teria feito várias postagens nas mídias sociais, ameaçadoras, enaltecendo o criminoso Lázaro”.

“Teria publicado fotos segurando uma faca, dando a entender que faria algo semelhante, levando parte da população ao desespero. Foi determinado aos investigadores que fossem até o local e averiguassem a situação, já que, em tese, estaria praticando apologia ao crime, a princípio”.

Ainda segundo a nota, “quando os policiais civis chegaram à casa de Hamilton, o rapaz estava na companhia apenas de um senhor de 90 anos e não atendeu a ordem policial, tentando atacar os policiais, os quais, diante da situação apresentada, tiveram que efetuar disparos de arma de fogo contra o rapaz”.

“Imediatamente, o rapaz foi socorrido pelos policiais ao Hospital Socorrão de Presidente Dutra, onde chegou com vida, mas, infelizmente, não resistiu aos ferimentos e veio ao óbito”, seguiu a Polícia Civil do Maranhão, no texto.

“Lamentamos profundamente o falecimento do jovem, ao passo em que também nos solidarizamos com a família. Foi instaurado inquérito policial para apurar as circunstâncias da morte”, finaliza o texto da Polícia Civil maranhense. Na manhã desta segunda-feira (21/06), a postagem havia sido excluída da rede social da Delegacia.

Em sua conta no Instagram a Delegacia Regional de Presidente Dutra admitiu que invadiu a casa de Hamilton | Foto: Reprodução / Instagram

A reportagem pediu esclarecimentos ao governador Flávio Dino, do Maranhão por e-mail e ligação telefônica, mas não houve respostas até o momento.

Trabalhador e querido no bairro

A morte de Hamilton, enterrado na sexta-feira (18/06), revoltou os moradores da região de Presidente Dutra.

No sábado (19/06), vizinhos do jovem queimaram pneus na cidade. A família organiza uma nova manifestação para a próxima quarta-feira (23/06), na mesma cidade.

Moradores de Presidente Dutra, no interior do Maranhão, atearam fogo em pneus em protesto contra a morte de Hamilton | Foto: Arquivo pessoal

Segundo Ana, Hamilton era muito querido entre os vizinhos e, apesar do déficit intelectual, trabalhava e estudava.

“Ele era muito prestativo, muito trabalhador, era ajudante de pedreiro, pintava, capinava, todo mundo aqui viu ele crescer, ele respeitava as crianças, os mais velhos e estava acabando o ensino médio. Quando estava agitado, ele passava o dia na casa dos vizinhos. Ele era conhecido, fazia muita ‘macacada’, todo mundo gostava dele”.

A última vez que Ana viu o filho foi na terça-feira (15/06). “Estávamos almoçando na casa da minha mãe, ele estava brincando falando para o meu pai que tinha visto moças bonitas”, conta a mãe que agora quer justiça pela morte de seu filho.

“Eu quero justiça, quero lutar pela memória do meu filho, sei que não vai trazer ele de volta. Eu sei que a batalha vai ser difícil, mas não vou desistir. Enquanto estiver viva, vou lutar pela memória do meu filho”.

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