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111 anos de Brasileia: o município que foi fundado a partir de um incidente

Por TIÃO MAIA, PARA CONTILNET

Foto: O Alto Acre

Brasiléia, o município acreano localizado na fronteira do Brasil com a Bolívia e o Peru, que está completando 111 anos de fundação neste sábado (03), nasceu de um incidente envolvendo uma autoridade do Judiciário e um seringalista da região. Conta a história, de acordo com a Biblioteca do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que o incidente entre o juiz do 3.° termo judiciário da Comarca de Xapuri, sediado no seringal Nazaré, Fulgêncio de Paiva, e o arrendatário local, João Pereira de Pinho e, por conta disso, os documentos que levariam à fundação da cidade passaram a ser transportados literalmente nas costas de um escrivão a serviço do juiz, num jamaxi – um tipo de cesto feito com tiras de cipó com correias que podem ser presas aos ombros no qual os seringueiros, como carregassem um objeto percussor das atuais mochilas, levam de um lugar para outro suas mercadorias ou documentos, como foi o caso.

Consta que o juiz protestou contra os alojamentos que lhe ofereceram, considerando-os indignos do judiciário ou para uma autoridade de seu porte. Desse desentendimento resultou a expulsão do juiz e do escrivão da sede do seringal onde se encontravam hospedados, em Xapuri. Não obtendo acolhimento em outros seringais dirigiram-se a Cobija, cidade fronteiriça boliviana, onde foram hospedados por patrícios ali residentes.

Conduzindo às costas todo o material e arquivo do juizado, os dois funcionários eram motivos de galhofas das pessoas que os viam atravessar as ruas da cidade boliviana. Dizia-se em satírico dito da região que a justiça do 3. ° Termo andava no jamaxi, de seringal em seringal, esmolando hospedagem.

Brasileiros residentes em Cobija, feridos no seu amor pátrio, não ficaram indiferentes ao acontecimento e reuniram-se na residência de José Cordeiro Barbosa e concordaram em conseguir uma instalação condigna e apropriada para a justiça. Organizou-se, então, uma comissão integrada por Luís Barreto Correia de Menezes, Reinaldo Melo, José Cordeiro Barbosa e Fulgêncio de Paiva, com o fim de adquirir o local para fundação de uma vila onde se construiria um prédio destinado à instalação desejada.

Na época, a população que predominava na região eram índios das tribos catianas e maintenecas. A primeira penetração de civilizados ocorreu por volta de 1879, com a chegada de imigrantes nordestinos, fugitivos das inclemências climáticas do Nordeste e ávidos de se entregarem ao corte da seringa para a produção de borracha.

Os imigrantes aos poucos foram se assenhorando das terras até então inexploradas e, em pouco tempo, constituíram-se os seringais Carmem Nazaré, Belmonte, Quixadá, Canindé, Baturité, São João, São Francisco, Triunfo, Piauí, Bahia e outros, cujos nomes e designações dadas pelos nordestinos às novas propriedades lhes traziam recordações da terra natal.

Em 1902, veio a eclosão da revolução armada comandada por Plácido de Castro. O território do futuro município era ocupado, na sua quase totalidade, por brasileiros. Os seringais Carmem e Bahia, as margens do igarapé do mesmo nome, foram palcos de encarniçados combates. No seringal Bahia perderam a vida inúmeros brasileiros, em defesa da causa acreana. Foi a primeira e única derrota de Plácido de Castro nos combates que culminaram com a anexação do Acre ao território brasileiro. A história boliviana revela que os brasileiros foram derrotados graças à ajuda de um índio de etnia desconhecida, chamado Bruno Racua. Especialista em flechas incendiárias, ele as disparava com as pontas pegando o fogo.

Como os brasileiros insurretos ocupavam batelões cobertos com palhas de ubim, de fácil combustão, as flechas incendiárias transformavam-se em labaredas que consumiam as embarcações de palha e madeira em poucos minutos. Sem abrigo, os brasileiros tinham que pular na água e assim se transformavam em alvos fáceis para a artilharia boliviana. Por isso, nos dias atuais, no centro de Cobija, há uma estátua evocando o índio Bruno em posição de combate como estivesse ainda a disparar flechas sobre a vizinha Brasileia, do outro lado do rio.

A formação administrativa de Brasileia deu-se com a celebração do Tratado de Petrópolis, em 17 de novembro de 1903. Com o tratado, as terras de Brasiléia, como todo o Acre, passaram a integrar o território brasileiro. Na primeira divisão territorial administrativa do Acre, fixada pelo Decreto Federal n.º 5188, de 7 de abril de 1904, Brasiléia figurava como zona integrante do Departamento do Alto Acre.

Em 1908 instala-se no seringal Belmonte o termo judiciário do Alto Acre e, no ano seguinte, outros termos judiciários são inaugurados. A instalação dos termos se fazia nas sedes dos seringais, quando os seus proprietários permitiam.

Finalmente, apesar de não encontrarem boa vontade por parte dos proprietários dos seringais, escolheram uma faixa de terra do seringal Carmem, defronte de Cobija, à margem esquerda do rio Acre, e ali fundaram o município.

A ideia foi propalada entre os brasileiros que mourejavam às margens do rio, acima de Cobija e nesta residentes, apelando para o concurso pessoal e financeiro de cada um. Ultimados os preparativos no domingo de 3 de julho de 1910, às 7 horas, cerca de 100 pessoas, entre homens e mulheres, deram início à derrubada da mata sob ardoroso entusiasmo.

Após o trabalho de derrubada e limpeza do terreno, tendo a comissão arrecadado a importância de vinte e dois contos de réis, teve início a construção de um amplo prédio, que se chamaria “Palácio da Justiça”. Neste local surgiria Brasília, popularmente Brasília e atual Brasiléia.

Decorridos seis meses, quando as obras já se encontravam em acabamento, aparece, inopinadamente, o gerente do seringal Carmem, João Gomes Teixeira, à frente da marinhagem do navio “Braga Sobrinho”, e ataca a indefesa vila, destruindo totalmente o prédio. Em consequência, instalou-se rigoroso inquérito, ficando a firma insurgente obrigada a doar a área em questão.

Em 30 de maio de 1911, foi realizada a doação, por escritura pública, em Rio Branco. Nesse mesmo ano, por determinação do Prefeito do Departamento do Alto Acre, Deocleciano Coelho de Souza, verificou-se o levantamento da planta-projeto da novel vila e, no ano seguinte, foram nomeadas as primeiras autoridades.

Pela Resolução Departamental n.º 28, de 20 de setembro de 1911, Vila Brasília foi considerada termo judiciário. Nas divisões territoriais datadas de 31 de dezembro de 1936 e 21 de dezembro de 1937, figurava com a categoria de distrito, pertencente ao Município de Xapuri.

Pelo Decreto-lei federal n.º 968, de 21 de dezembro de 1938, foi criado o Município de Brasília compreendendo um só distrito, com sede na vila de igual nome e áreas desmembradas dos municípios de Xapuri e Sena Madureira.

Sua instalação verificou-se a 1. ° de janeiro de 1939. Este mesmo Decreto concedeu à sede municipal foros de cidade. A Comarca, instalada a 1. ° de janeiro de 1939, foi extinta a 8 de junho de 1940 e restaurada a 28 de dezembro de 1950. Pelo Decreto-lei Federal n.º 6 163. De 31 de dezembro de 1943, que deu nova organização judiciária ao então Território do Acre, o topônimo Brasília foi alterado para Brasiléia.

Pela Constituição do Estado de 1° de março de 1963, o Município perdeu parte de seu território desanexado para constituir os novos municípios de Assis Brasil e Epitaciolândia. O Município é constituído de um só distrito. Brasiléia se originou de uma pequena faixa de terra, a partir de um antigo Seringal Carmen, em 3 de Julho de 1910, usando o nome de Brasília. Posteriormente, em 1943, o nome da cidade foi mudado, para não ser confundido com a futura capital federal.

O município tem uma população estimada pelo IBGE de 26 702 habitantes, numa área de 3916,507 km². É a quarta economia municipal do Acre.

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