17 de abril de 2024

Carta aberta à todas as mulheres que sofreram e sofrem violência por seus companheiros

As palavras que aqui escrevo não chegarão à Anna Paulichen, ela foi assassinada recentemente por seu companheiro aqui em Rio Branco. Pouco provável que cheguem em Pamella Holanda, mulher agredida por seu ex-companheiro Dj, contudo, certamente chegarão em muitas mulheres que sofreram e sofrem violência por seus companheiros. Eu gostaria que essas palavras não precisassem chegar em você, mas chegarão, pois, ainda que eu queira um mundo sem que morramos por sermos mulheres, ele ainda está longe de se tornar concreto.

Eu lembro que quando criança me incomodava muito perceber que algumas coisas meninos poderiam fazer e eu não, simplesmente, por ter sido lida como menina no nascimento. Acontece que essas coisas que pareciam pequenas, se tornam grandes enquanto crescemos, quando o único destino que temos é ter um companheiro, e que esse relacionamento que um dia virá a existir requer que façamos de tudo por sua permanência, havendo uma balança desigual na responsabilidade pelo vínculo.

A gente aprende sobre ter alguém quase como parte integrante de nossa identidade, enquanto, os homens aprendem que podem muitas coisas e que o casamento e paternidade podem ou não estar presentes em suas histórias. Valeska Zanello, uma psicóloga brasileira, filósofa e feminista, escreveu “Na nossa cultura, homens aprendem a amar muitas coisas e mulheres, a amar os homens”. E é assim que crescemos. Somos responsabilizadas pelo vínculo e por sua manutenção, “uma boa mulher muda seu marido”, quantas de nós em algum momento de nossas vidas não ouvimos essa frase? O que vem contido nessa fala de “uma boa mulher” se atrela compulsoriamente a lugares de subalternidade e silenciamento.

Assim foi ao longo da história, mulheres sendo jogadas em manicômios ou queimadas quando contestavam os motivos de não poderem votar, participar da ciência, terem liberdade sobre seus corpos. “Louca, desequilibrada e exagerada” é o que nos dizem. Os familiares do companheiro falam “é assim mesmo, um cara de temperamento difícil”, o temperamento difícil é violência e ela segue silenciada e perpetuada dentro do seio familiar.

Eu não vi uma nota em sua memória Anna Paulichen, nunca a vi, a conheci pela notícia que recebi de seu assassinato e nas centenas de comentários responsabilizando a sua amiga pelo crime, costuma ser assim, se apoiam na rivalidade feminina para tirar a responsabilidade de um homem adulto. Eu não conhecia Pamella Holanda, ela ainda teve tempo de falar antes que sua voz fosse derradeiramente calada, coisa que não foi possível à Anna.

Eu não conheço você que me lê e que pode estar passando por violência física, psicológica, moral… O que eu conheço é o fato de andar na rua com medo e poder suspirar quando olho para trás e vejo uma mulher. O que eu conheço é estar no estado que mais comete crimes de feminicídio no Brasil. O que eu sei e aprendi nos livros que li, é que nos ensinaram desde muito cedo que o amor suporta tudo, mas o amor não deveria suportar tudo, pois suportar tudo inclui dentre outras coisas deixar de amar a si. Talvez você tenha medo e eu compreendo, na delegacia podem dizer que você é louca e que basta ter mais fé e orar pelo companheiro que te agride, a família diz que você anda provocando e precisa ter mais cautela “parece que gosta de apanhar”. Mas sabemos que não é isso, a violência começa por vezes de forma sutil, ele te dá flores e depois tem um episódio de “descontrole”, ele diz que te ama e te priva de suas amizades, invade suas redes sociais, agride seu corpo e sua saúde emocional.

O ciclo da violência se instaura, agressão-perdão-lua-de-mel-agressão, afeta sua autoestima e te isola. Nada justifica violência e a culpa nunca será sua! Amor e violência são palavras que não deveriam andar juntas. Pode parecer que você não será ouvida, mas preste atenção, quando uma mulher fala a sua voz ecoa até que ressoe em outras e juntas podemos lutar.

Rio Branco, Acre, 14 de julho de 2021.

Com afeto,

Kahuana Leite.

*Em nossa cidade não houve uma nota em memória de Anna Paulichen, normalizamos o assassinato de mulheres e as responsabilizamos pela própria violência que sofrem. No Brasil somos o primeiro estado no ranking de feminicídios, isso não merece maior atenção do poder público? O que estão fazendo por nossas vidas? Quantas Annas mais precisam morrer para que medidas efetivas de proteção às mulheres sejam instauradas em nosso município e estado?

Instagram: @psi.kahuana

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