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Cirurgia robótica arranca a tireoide doente sem cortar nem furar o pescoço

Por UOL

Imagem: Divulgação/Hospital Albert Einstein

Ao entrar no centro cirúrgico do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, sabia que assistiria a um novo procedimento com tecnologia robótica para a retirada de uma tireoide acometida por um tumor. E era tudo. Não tinha um pingo de informação a mais.

E, portanto, fui preparada para encarar o corte clássico desse tipo de operação, com seus cerca de 5 centímetros, rasgando lado a lado o pescoço do sujeito. Mas não foi o que vi.

Com o paciente já sob efeito da anestesia geral, abriram sua boca, fizeram uma bela limpeza com um enxaguatório e, na sequência, puxaram para baixo o seu lábio inferior.

Esticaram-lhe o beiço para que, exposto, o cirurgião Renan Bezerra Lira lhe fizesse três furos de 1 mísero centímetro, rentes à gengiva —um deles no centro, mais um à esquerda e outro à direita.

Por cada orifício passou um caninho, dentro dos quais logo enfiaram as mãos —as mãos de um robô. Pronto, o doutor Renan Lira já não iria mais operar sozinho.

O médico é o coordenador da pós-graduação em cirurgia robótica de cabeça e pescoço no Einstein e já fez perto de 250 procedimentos desses.

Isso significa que realizou quase um quarto de todas as cirurgias robóticas de tireoide assim, trans-orais, no país.

Sem a marca da operação

Cirurgia robótica de tireoide no Einstein 1 - Divulgação/Hospital Albert Einstein - Divulgação/Hospital Albert Einstein

Imagem: Divulgação/Hospital Albert Einstein

A vantagem visível da cirurgia robótica de tireoide é ficar sem qualquer marca no pescoço.

“Para alguns, pode parecer uma questão estética, mas o impacto psicológico de exibir uma cicatriz é muito individual e deve ser respeitado”, observa Renan Lira. “Erramos ao minimizá-lo, com um discurso aos homens de que a gravata cobriria tudo, por exemplo.”

Em grupos nas redes sociais, pessoas que passaram por uma tireoidectomia — o nome correto da retirada da tireoide — compartilham até mesmo o medo de serem vistas com outros olhos em uma entrevista de emprego porque, querendo ou não, o pescoço entrega que provavelmente já tiveram um câncer.

Os tumores de tireoide, diga-se, têm se tornado mais comuns e aparecem em gente mais jovem, na faixa dos 20, 30, 40 anos idade, o que ajuda a entender a vontade de se livrar da cicatriz.

No Brasil, o Inca (Instituto Nacional do Câncer) projeta que serão 13.780 novos casos até 2022 — um paciente homem para cada 11 pacientes mulheres. Até os anos 1990, diziam que o prognóstico era bem pior para os rapazes. Renan Lira corrige:

“Esqueça. Agora, flagrados mais precocemente, a taxa de cura é próxima dos 98% em ambos os sexos, só com a cirurgia ou, às vezes, com a iodoterapia junto.”

Além de evitar a cicatriz

Uma outra vantagem não é nada desprezível. Apesar de até o momento a cirurgia robótica de tireoide apresentar a mesma taxa de complicações daquela feita da maneira tradicional — em torno de 1% —, ela talvez um dia prove merecer a dianteira em matéria de segurança.

“Nela, o cirurgião preserva muito mais os nervos, os vasos e outras estruturas que estão ao redor da glândula”, repara o Sergio Eduardo Alonso Araujo, diretor médico de oncologia do hospital.

Isso faz total diferença no combate a qualquer câncer: “Ora, em outros tumores, o tratamento pode não terminar no centro cirúrgico. O paciente talvez ainda passe por quimioterapia depois”, exemplifica o oncologista.

“Portanto, quanto menor o trauma na hora extirpar o câncer, mais cedo esse indivíduo iniciará a nova etapa do tratamento e, com certeza, estará mais em forma para enfrentá-la. Aumentamos a chance de sucesso. Por isso, sempre digo que cirurgia robótica não é luxo.”

Alguns centros de referência em oncologia do país, que atendem exclusivamente o SUS, já contam com robôs. O próprio Centro de Alta Tecnologia de Diagnóstico e Intervenção Oncológica Bruno Covas, no Hospital Vila Santa Catarina — anunciado hoje pela Prefeitura de São Paulo —, terá um robô doado pelo Einstein, que já é o responsável por sua gestão e que já encaminhava pacientes com câncer atendidos ali para a cirurgia robótica em sua sede no Morumbi. Importante: “sem qualquer custo a mais”, frisa Sergio Araujo.

O que muda nesse jeito de retirar a tireoide?

Imagem: Divulgação/Hospital Albert Einstein

Observo em uma das telas da sala os movimentos de pinças e tesouras nas extremidades das mãos robóticas. Sobre uma mesa, noto: os instrumentos são do tamanho da ponta de uma caneta. Mas a impressão na imagem é de que são gigantes.

“A tecnologia serve para ampliar detalhes que a gente nunca conseguiria enxergar”, explica Nam Jin Kim, gerente do programa de cirurgia robótica do hospital. Talvez se pergunte, como eu, se uma cirurgia feita por vídeo —como a laparoscópica, no abdome — não daria na mesma. “Em ampliação, talvez. Mas, em uma cirurgia por vídeo, não é possível enxergar sob vários ângulos, como na robótica”, compara.

Enquanto o robô está debruçado sobre o paciente, cercado por médicos e enfermeiros, Renan Lira movimenta duas espécies de pinças, fazendo a cirurgia confortavelmente sentado diante de um console, com a cabeça mergulhada em um visor de realidade aumentada. Se necessário, o equipamento funde essa imagem com as de exames feitos anteriormente.

Cada um de seus gestos é imitado por seu parceiro robótico. “Note”, me pede o doutor Nam, “o cirurgião consegue uma destreza que não teria com as próprias mãos, em um espaço tão confinado”. Com o olhar fixo no telão, entendo: a tireoide está próxima de nervos. Estes, aliás, são monitorados. Os instrumentos alertam sobre qualquer aproximação indevida.

Por sinal, na vizinhança — não à toa o nome — também estão as paratireoides, glândulas delicadas do tamanho de grãos de arroz. Se arrancadas junto sem querer, a pessoa precisará de reposição de cálcio para o resto da vida. Mas não há risco. Não só pela ampliação da imagem. “O robô sempre ajusta a amplitude dos movimentos, se por acaso o cirurgião faz um gesto um pouco mais grosseiro. E também corrige eventuais tremores.”

Em outras cirurgias robóticas, podem usadas substâncias fluorescentes, capazes de ficar impregnadas por um momento em determinados tecidos. Por exemplo, em células malignas. Assim, emitem luz para o cirurgião localizar pontos de metástase invisíveis a olho nu. E ele então pode tirá-los um por um.

Antes e depois da operação

Renan Lira conta que, no início, uma das preocupações era com infecções. “Afinal, a pele do pescoço é relativamente limpa, enquanto a boca seria um ambiente mais contaminado. Isso, porém, se resolve quando a pessoa engole antibiótico oral por três a cinco dias no pré-operatório”, informa.

A tireoide, que pouco a pouco havia sido descolada, estava pronta para ser retirada. Nesse instante, o robô foi afastado e o médico se aproximou, introduzindo uma luva cirúrgica pelo orifício central. Ela serviu de saco para embalar a glândula, que seria puxada toda embrulhada. Pareceu a hora mais difícil. “É que essa é uma tireoide de tamanho médio, tentando passar por um tubo com o diâmetro de igual ao de um dedo”, justificou o doutor.

Aliás, a cirurgia robótica só é indicada quando o volume da tireoide não é muito grande ou quando um nódulo maligno não ultrapassa 2 centímetros — no caso de um benigno, até 4 centímetros são tolerados. Também não se faz a cirurgia robótica se existe a suspeita de que o tumor de tireoide invadiu outros órgãos, nem quando a pessoa já tem uma cicatriz no pescoço — afinal, aí, perde um pouco o sentido.

No final, são três pontos nos furos laterais e no máximo seis naquele central. “O paciente fica com inchaço e dormência na ponta do queixo. Mas, após três semanas, é como se nada tivesse acontecido”, garante Renan Lira.

O que vem pela frente

Imagem: Divulgação/Hospital Albert Einstein

As novas tecnologias robóticas prometem mais. “Feito um GPS, elas dão avisos ao médico como ‘90% dos seus colegas vão aqui pela direita. Será que tem certeza de que quer ir para o outro lado?'”, conta o doutor Nam. E a tendência é o desenvolvimento de mais e mais cirurgias por orifícios e canais naturais do corpo — pela boca, pelo ânus, pelos brônquios.

Mas até cirurgiões experientes com robôs, se ainda não estão craques em determinado procedimento, precisam entrar no centro cirúrgico com um proctor — um médico expert, que será o seu tutor diante da novidade. E, muito antes de chegar a esse ponto, são horas de aulas teóricas e de simuladores.

No centro de treinamento do hospital, há treze equipamentos diferentes de simulação. Ali, pareceu fácil levar a pinça do meu robô virtual para o ponto certo indicado na imagem. A coisa se complicou quando tive de usar essa pinça para pegar um fio sutura. Já a missão de fazer uma incisão em um intestino se mostrou impossível.

Tenho certeza: ao contrário do que muitos fantasiam quando ouvem falar em robótica, o cirurgião continuará sendo imprescindível para comandar as mãos metálicas. E precisará ser mais treinado e habilidoso do que nunca.

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