20 de abril de 2024

“Doença difícil, solitária e cara”: conheça a história de pessoas que vivem com fibromialgia

Na última quarta-feira (14), o governador Gladson Cameli sancionou a Lei de nº 3.752/2021, que obriga estabelecimentos e órgãos públicos e privados a fornecerem atendimento prioritário a pessoas com fibromialgia. A iniciativa, aprovada na Assembleia Legislativa do Acre, visa contribuir para que pacientes com esta síndrome tenham menor tempo de espera, inclusive em filas de pagamento, a fim de evitar dores incontroláveis que costumam aparecer sem motivos ou causas aparentes.

A síndrome, que não é considerada doença justamente por não ter um tratamento específico, costuma ser mais comum em mulheres através de dores crônicas, latejantes ou difusas. No entanto, é importante ressaltar que não é uma “doença de mulher”, uma vez que muitas pessoas costumam associar a fibromialgia à “fraqueza” ou a quaisquer dificuldades físicas que mulheres podem sentir a mais que os homens.

DOENÇA SOLITÁRIA

A empresária Sara Margarido, de 33 anos, é uma das pacientes que tentam lidar com a fibromialgia. Desde criança, ela tinha problemas com enxaqueca e fortes dores de cabeça. Na vida adulta, as dores começaram a se intensificar e ela começou a sentir de forma ainda mais intensa em todas as partes do corpo, com vários pontos inflamados. “Era como se eu tivesse sido espancada”, contou.

Depois disto, ela se dirigiu a um reumatologista que deu um pareceu inicial, mas que não a satisfez devido ao atendimento. “E isso é algo que muitos pacientes com fibromialgia reclamam, que é a falta de empatia dos médicos. Muitos ainda não estão preparados para lidar com pessoas com fibromialgia”.

Sara Margarido sofre coma doença e demorou anos para ter o diagnóstico das dores que sentiu a vida inteiro: “Era como se eu tivesse sido espancada”/Foto: arquivo pessoal

Sara diz também que fadiga, falta de ar, problemas de memória, ansiedade e depressão costumam estar associadas à fibromialgia, mesmo que não seja, necessariamente, uma regra para todos os pacientes. Além disso, contou que, salvas poucas exceções, não existe um momento sequer que a dor não esteja presente, mesmo que de forma suportável.

“Costumamos dizer que (a fibromialgia) é uma doença muito solitária. Muitas pessoas acham que é frescura, preguiça. Tem crises que eu não consigo nem levantar na cama, e não são apenas dores. São dormências e hematomas que também aparecem. A gente está fazendo alguma coisa e, de repente, é como se tivesse levando uma facada nas costas com as dores”.

DIFICULDADE EM DESEMPENHAR RACIOCÍNIO LÓGICO

A paciente Hellen Lirtêz, que descobriu a fibromialgia aos 18 anos, está aprendendo “a conviver com a dor” há mais de 2 anos em decorrência de estresses pós-traumáticos, depressão e ansiedade. Como não sabia, inicialmente, o que era, ela sentia muitas dores, tremores, febres reumáticas, chegando até a ter problemas de sentir dor com a água do banho no corpo e de ter crises durante as aulas na faculdade. “Comecei a ficar de cama por muito tempo, nos primeiros períodos da faculdade foram bem tensos porque eu fiquei muito debilitada, pois a fibromialgia causa algumas confusões mentais, então eu tinha dificuldade até de desempenhar um raciocínio lógico sobre as coisas”, diz.

A estudante conta que já chegou a tomar banho com ajuda da mãe. “Eu tive um momento da fibromialgia que precisei que minha mãe me levasse até ao banheiro para que, com todo o cuidado, eu ficasse debaixo do chuveiro para tomar banho. Eu sentia muita dor só de tocarem em mim, é como se estivessem enfiando uma faca em mim, ou me recuperando de uma surra”.

DOENÇA CARA

Por ser uma síndrome também psicossomática, Sara faz acompanhamento multidisciplinar com psiquiatra através de antidepressivos; e com fisioterapeuta, pois é importante que haja movimentação do corpo através de exercícios físicos. Sara disse que a alimentação também é importantíssima para que os impactos da fibromialgia sejam cada vez menores. “Temos que ter muito cuidado com o que estamos comendo: glúten, lactose, tudo entra nestas restrições alimentares”.

Medicamentos que Sara toma para diminuir os sintomas da doença/Foto: Arquivo pessoal

É importante destacar que não existe um tratamento específico para fibromialgia, mas sim para amenizar alguns sintomas. Sobre isso, a empresária falou que já chegou a tomar um coquetel de dez remédios que, posteriormente, ocasionou um problema no fígado. Além disto, ela chega a gastar mais de R$1 mil por mês para se cuidar da maneira adequada. “Tem muita gente que faz vaquinha, o Estado não oferece todos os medicamentos, e muitas pessoas estão sem fazer tratamento porque não tem como pagar, essa é a realidade. É uma doença difícil, solitária e cara”.

NUTRICIONISTA

Segundo a nutricionista e acupunturista Meyrele Souza, o processo de cuidados adotados pela área da nutrição para pacientes com fibromialgia depende de cada caso clínico, mas que sempre há a necessidade de se retirar algo da rotina alimentar. “É importante que os portadores da fibromialgia façam um tratamento nutricional para mudar os hábitos alimentares e para intervir em fatores com base agravantes da doença, como por exemplo a inflamação sistêmica, o aumento de gordura corporal e o sedentarismo”.

A profissional comenta que a ideia das recomendações é de, justamente, garantir uma melhor qualidade de vida para os pacientes. “Nós, nutricionistas, podemos ajudar através de intervenções nutricionais para que os impactos da fibromialgia sejam menores, dando maior importância à prestação de aconselhamento e de apoio, não só apenas na adequação das necessidades nutricionais, mas orientando o paciente e sua família sobre a terapia nutricional em uso, além de fornecer orientações e esclarecimentos, a fim de prolongar a sobrevida, e melhorar a qualidade de vida destes pacientes”.

USO DE CANNABIDIOL

O tratamento que mais viabiliza o alívio de dores está relacionado com o Cannabidiol, um dos componentes da Cannabis sativa. Em uma enciclopédia antiga escrita já no primeiro século d.C por Dioscórides, chamada “De Matéria Médica”, já citava a Cannabis como uma planta medicinal para tratar inflamações e dores articulares.

Hellen fala que, por ser mais nova, talvez não teria prioridade nesse tipo de atendimento. “Como a gente está no Brasil e ainda há questões por trás do uso da maconha para fins medicinais, poucos pacientes têm acesso. Como eu tenho 20 anos, eles nunca dariam prioridade para minha situação”.

Remédio a base de Cannabidiol que Sara está fazendo uso foi importado dos EUA/Foto: arquivo pessoal

 

Recentemente, Sara iniciou o uso de remédio a base de Cannabidiol que custa em média R$980. “Hoje em dia, estou começando um tratamento com CBD. Consegui uma autorização na Anvisa, importei dos Estados Unidos, e tem se mostrado bem eficaz. Estou tomando há 1 semana, melhorei em muitas dores, não tive crise e vou começar a fazer o desmame de outras medicações. É um tratamento para vida inteira”.

LEI APROVADA

Sara andava com um laudo atestando a síndrome e agora vai fazer uma carteirinha para que ela seja beneficiada com a lei. “É um avanço, uma vitória. Não precisar ficar em pé em uma fila faz uma grande diferença no nosso dia, e começar a ser visto pelo Poder Público é muito bom porque isto é uma coisa que nós somos muito carentes. Mas a luta não para”.

Para Hellen, a lei aprovada tem grande importância visto que as pessoas ainda desconhecem a fibromialgia. “Existe um sofrimento em silêncio em vários locais públicos, e no trabalho também, por exemplo. Como é que vai explicar para o chefe que você não está conseguindo levantar da cama? E que as costas estão pesadas? Poucas pessoas, de fato, conhecem a fibromialgia, e levando uma questão dessas ao público, pode fazer com que eles tenham mais empatia para com a gente”.

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