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Como Paulo Freire “ajudou” na queda de José Augusto, governador do AC deposto pela ditadura

Por TIÃO MAIA, PARA CONTILNET

Ex-governador do Acre, José Augusto, e Paulo Freire, patrono da educação/ Montagem

A metodologia pedagógica adotada pelo educador pernambucano Paulo Freire, patrono da Educação no Brasil e que estaria completando 100 anos de nascimento neste domingo (19 de setembro), foi uma das causas da grave crise política que levou à deposição do primeiro governador eleito e constitucional do Acre, José Augusto de Araújo. O governador foi deposto a 8 de maio de 1964, quando o capitão do Exército, Edgar Pedreira de Cerqueira, então comandante da 4ª Companhia de Fronteira, instalada em Rio Branco, a bordo de um Jeep e cercado de militares armados de metralhadoras, obrigou os 9 deputados estaduais que compunham a Assembleia Legislativa do Estado do Acre (Aleac), “aceitassem” a carta de renúncia do governador.

Era um golpe local dentro do golpe aplicado pelos militares na deposição do então presidente João Goulart, deposto em primeiro de abril (ou 31 de março, como defende os historiadores pró-militares) daquele ano. José Augusto de Araújo, líder estudantil e ex-diretor da União Nacional dos Estudantes (UNE) e graduado em História pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, além de filiado ao PTB, era partidário do presidente deposto e que fugira para o Uruguai para evitar derramamento de sangue no país caso houvesse resistência ao golpe, como propunha seu cunhado, o então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, também deposto.

O golpe contra José Augusto de Araújo, no entanto, começou muito antes de os militares solaparem a democracia brasileira. Começou logo após a incorporação do Acre ao território nacional, em 1903, quando as elites locais começaram a liderar o chamado “Movimento Autonomista”. Interessados em cargos eletivos e em verbas estatais como a transformação do território em estado federado, começaram o movimento. Um movimento que, no primeiro 50º da Revolução Acreana, liderado pelos jornalistas Foch Jardim e Rufino Vieira, então os maiores polemistas da imprensa local, fizeram uma campanha dizendo que nada havia a comemorar.

O movimento encontra na figura do general José Guiomard Santos, ex-governador do extinto território de Ponta Porã, no Mato Grosso, e nomeado governador do território, na década de 1940, a figura do segundo libertador do Acre depois de Plácido de Castro. Guiomard governa o Acre com visão futurista, numa época em que o território não dispunha sequer de gado suficiente para prover as necessidades de proteína animal de sua população. Até as galinhas de terreiro eram escassas.

Guiomard, então, traz para o Acre gado de Minas Gerais, a bordo de aviões, e cria um criatório de galinhas no bairro que ficaria famoso em Rio Branco, o Aviário. Também incentiva a construção de olarias para erguer construções em alvenaria e coberta de telhas de barro para substituir o alumínio importado, além de criar agrovilas ao redor de Rio Branco, como a Sobral, Achiles Peret e Apolônio Sales. A grande obra do governador, no entanto, seria política.

Assim que deixou o governo acreano, Guiomard se candidata e é eleito deputado federal pelo Acre, numa época em que o território poderia enviar ao Congresso Nacional apenas dois deputados federais. Por anos, se revezaram no poder os deputados Guiomard Santos e Oscar Passos, outro militar de elevada patente do Exército brasileiro que veio governar o território e por aqui também, construiu uma carreira política. Só que, ao contrário de Guiomard, Oscar Passos era ligado ao PTB, seguidor de Getúlio Vargas, enquanto o outro era ligado ao ex-presidente Eurico Dutra, de uma linha mais conservadora do exército e ligado à UDN.

Em 1955, o então deputado Guiomard Santos, sob forte campanha de oposição liderada pelo PTB, que era contra a proposta, apresenta o projeto de lei que elevaria o Acre da condição de território à Estado. O projeto passa sete anos tramitando nos escaninhos da Câmara Federal até ser aprovado e, em 15 de junho de 1962, quando o Brasil vivia a rápida experiência de um país com regime semi-presidencialista e semi-parlamentarista, com João Goulart como presidente e Tancredo Neves como primeiro-ministro.

Houve festa no Acre naquele dia. No entanto, era necessário pressa para preparar as eleições que elegeriam, pela primeira vez na história do Estado, o governador constitucional, senadores, deputados federais e estaduais, ainda em novembro daquele ano. Na época, a lei permitia que uma só pessoa disputasse, no mesmo pleito, dois cargos diferentes – governador e senador, por exemplo. Parecia certo que o primeiro governador eleito seria Guiomard Santos, muitas vezes chamado de o “Pai do Estado”. O velho político, fazendo jus à sua condição de mineiro de Perdigão, candidata-se ao governo e também ao Senado. Abertas as urnas, o governador eleito pelo voto direto era o professor José Augusto de Araújo, natural de Cruzeiro do Sul, que também havia concorrido ao Governo e à Câmara Federal. Optou, claro, por assumir o governo, enquanto Guiomard seguia para o Senado.

Para José Augusto, governar um Estado cuja elite conservadora que ele acabara de derrotar nas urnas era um desafio profundo, ainda mais porque começavam a surgir os reflexos da crise secular de exploração dos seringueiros que trabalhavam sem direitos algum nas entranhas na floresta e aos quais era proibido, por exemplo, frequentar a escola.

O Acre é um dos estados brasileiros com o maior número de analfabetos por metro quadrado, uma das justificativas dos militares serem contra, por exemplo, a elevação à condição de Estado. Em seu livro de memórias, o general Emílio Médici, um dos ex-presidentes do período militar, justifica a campanha contra a elevação com o argumento da falta de condições intelectuais dos membros da sociedade local de formarem um governo, a Assembleia Legislativa e o Tribunal de Justiça, condições essenciais para a formação de um Estado federado. “Como isso será possível se as lideranças políticas locais são portadores de verminoses exatamente por só andarem de pés descalços?”, perguntou o velho general num livro publicado pela Fundação Getúlio Vargas, após sua morte (condição sine qua non exigida por ele).

É neste clima que José Augusto começa a governar e percebe, de pronto, que seria necessárias profundas mudanças no Acre, como, por exemplo, um forte programa de Reforma Agrária e um mutirão de alfabetização. Para executar o projeto de Reforma Agrária, ele traz de volta ao Acre o jovem Ariosto Pires Miguéis, admirador confesso do então governador de Pernambuco, Miguel Arraes, e das chamadas Ligas Camponesas, criadas pelo comunista Francisco Julião, os quais, aliás, seriam todos presos ou banidos do país quando a ditadura militar eclodiu.

Para implantar o programa de alfabetização de jovens e adultos, José Augusto faz retornar ao Acre o jovem recém-formado sociólogo Hélio Khoury, pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro.

Nomeado assessor especial do governador, ele vai juntar-se à Secretaria de Educação para implantar no Estado o método de educação de Paulo Freire, autor de uma metodologia de ensino e de alfabetização chamada “Pedagogia do Oprimido”, que acabou por se tornar uma espécie de manual do ensino brasileiro. O autor defende o papel primordial da educação no processo de conscientizar o povo e levá-lo ao senso crítico, com a teoria da pedagogia do afeto. Na prática, isso ocorreria por meio do diálogo aberto, com empatia e constantes trocas de conhecimento, para uma aprendizagem efetiva.

Em vez de tomar como base “frases feitas” de apostilas, como “o bebê babou”, o educador baseia-se no vocabulário que faz parte do dia a dia do trabalhador: “cana”, “enxada”, “terra” e “colheita”, no caso de uma turma de agricultores. Pelos ensinamentos de Paulo Freire, o aluno percebia que tudo o que aprende é fruto do olhar de certas pessoas.

Antes de tais projetos, o de Reforma Agrária e de Alfabetização, serem de fato implantados, os opositores de José Augusto de Araújo desencadeavam uma campanha em todo o Acre dizendo que o governador estava cercado de comunistas com essas ideias revolucionárias. Por isso, pouco depois de completar um ano de mandato, o governador foi cassado e preso – morreu num hospital do Rio de Janeiro, por infarto. Dos assessores que o acompanharam naqueles sonhos ainda está vivo Ariosto Pires Miguéis, com 83 anos. Hélio Koury, o homem do método Paulo freire no Acre, morreu em 2010, com mais de 80 anos.

Paulo Freira, eleito patrono da Educação brasileira desde 2012, seria banido pela sistema educacional do país do atual governo de Jair Bolsonaro. Mas suas ideias permanecem vivas.

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