Sem saber que estava sendo filmado, o detetive particular Ivancury Barbosa foi flagrado instalando um rastreador no carro do jornalista Alexandre Aprá, em Cuiabá. Em outras gravações, o detetive afirma que foi contratado indiretamente para fazer o serviço para a primeira-dama do Mato Grosso, Virgínia Mendes.
Aprá deixou o estado e acusou o governador Mauro Mendes (DEM), sua mulher e o publicitário Ziad Fares de perseguição política, por causa de matérias que escreveu sobre contratos suspeitos do governo com agências de publicidade.
O jornalista entregou os áudios e vídeos gravados do detetive para análise da Polícia Federal. De acordo com ele, o plano para incriminá-lo consistia em armar um flagrante de tráfico de drogas ou de pedofilia.
Procurado pela reportagem, o advogado da família Mendes, Hélio Nishiyama, negou qualquer envolvimento do governador e da primeira-dama. Em nota afirmou que é: “mentirosa e caluniosa a versão de que o Sr. Mauro Mendes e Sra. Virgínia Mendes teriam participado de suposta contratação de “detetive”.
Fares disse que sofre uma campanha de difamação e calúnia realizada pelo site de Aprá.”A acusação do jornalista é absurda, de cunho político e com objetivo de prejudicar a minha imagem e os meus negócios”.
O detetive particular Ivancury Barbosa negou que tivesse sido contratado por Vírginia, apesar de suas declarações gravadas: “Não fui contratado pelo governador, nem pela primeira-dama, nem pelo Ziad. Por causa uma questão de ética profissional, eu não posso revelar quem me contratou”.
Contratos com o governo
Em junho deste ano, Aprá publicou uma nota sobre uma postagem de 2019, em que a primeira-dama mostra em seu Instagram uma foto de um anel com um agradecimento a Fares. No post havia os seguintes dizeres: “Muito obrigada! @Ziadf.”
Segundo o jornalista, na época em que Virgínia postou a foto a ZF Comunicação, empresa de Fares, já era contratada do governo Mendes.
Dois dias depois, a primeira-dama foi à Delegacia da Mulher registrar uma queixa contra Aprá, por difamação, calúnia e “fake news”.
O advogado Hélio Nishiyama disse que a primeira-dama e Ziad são amigos há 20 anos. E que o anel com pedra de zircônia (avaliado em R$ 1.200) foi um presente que o publicitário deu de presente de aniversário à Virgínia.
“Ela registrou esse boletim de ocorrência contra mim numa sexta-feira. Na segunda-feira (seguinte), a Comissão (Permanente) de Licitação suspendeu essa concorrência de R$ 70 milhões que estava em andamento em que o Ziad estava em primeiro lugar de novo. E aí, eu comecei a receber uns recados: ‘olha,para de mexer nisso, você vai se dar mal e “O Ziad tá puto com você e tal e tal”, disse Aprá.
Depois da ida da primeira-dama à delegacia, uma pessoa repassou as informações sobre contratos de publicidade e propaganda do governo Mendes com agências que o “Isso é Notícia” há tempos tentava obter via (LAI) Lei de Acesso à Informação, mas eram negadas. O que gerou uma série de matérias no portal.
Aprá foi avisado por um conhecido de que o detetive Ivancury Barbosa estava querendo levantar informações sobre sua vida. E que procurava um “desafeto” ou “inimigo” do jornalista para obter o que queria.
“Se eu registrasse um B.O., o detetive ficaria sabendo imediatamente, são pessoas da alta cúpula do governo. Ele citou a primeira-dama, o governador e nós fizemos a imagem do detetive com o Ziad Fares”, disse o jornalista.
Contato com detetive
O jornalista decidiu indicar então um “inimigo” para ser o informante do detetive. Essa pessoa foi apresentada a Barbosa.
Com a ajuda de uma microcâmera, o “inimigo” passou a se encontrar com o detive Ivancury Barbosa e a gravar as conversas.
O UOL teve acesso às conversas gravadas entre os dois.
O primeiro encontro entre Barbosa e o “inimigo” aconteceu no dia 19 de agosto em um flat em Cuiabá. O detetive se apresentou e falou que não tinha a intenção de “empurrar” (matar) o jornalista, que a ideia era pegá-lo num flagrante com traficantes de drogas ou com adolescentes em um motel.
No meio do encontro, o detetive disse que estava gravando a conversa. Mas não sabia que também estava sendo gravado. E logo em seguida mencionou que estava a serviço da primeira-dama.
A conversa é a que segue:
Interlocutor: Tá bom. Me preocupa o senhor gravar tudo isso.
Detetive: Não. A dona Virgínia. Ele põe ela todo dia no jornal.
Interlocutor: Quem é Virgínia?
Detetive: A Virgínia.
Interlocutor: Virgínia?
Detetive: A Virgínia. Mulher do governador.
Interlocutor: Virgínia Mendes?
Detetive: A Virgínia Mendes (inaudível)
Interlocutor: Putz!
Detetive: Ele [Alexandre Aprá] é muito abusado. Em vez do cara achar um jeito de se encostar no governo…
O detetive afirmou que pagaria R$ 2 mil em dinheiro pelo serviço do “inimigo”: colocar um rastreador no carro do jornalista.
O informante repassou as informações sobre modelo, cor e placas do carro do jornalista. No dia 23 de agosto, o detetive foi filmado instalando um rastreador no carro de Alexandre Aprá. As imagens estão no vídeo que abre essa reportagem.
Em nota oficial, a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e o Sindicato dos Jornalistas do Mato Grosso pediram que as acusações de Aprá sejam investigadas com a rapidez necessária.
“Diante da gravidade da situação, a Fenaj e o Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso exigem celeridade nas investigações. A liberdade de imprensa está sendo atacada e o direito da sociedade à informação está sendo desrespeitado.”
A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) informou que Aprá foi um dos jornalistas acolhidos pelo Programa de Proteção Legal para Jornalistas.