Um tiro no meio da noite disparado à queima roupa contra um oponente logo após uma discussão de bar que resultou numa luta corporal e em seguida em assassinato, poderia ser um fim na vida de qualquer pessoa que tenha cometido tal crime. Mas, aos 53 anos de idade, o acreano João Valdecir Alves Barbosa, nascido em Rio Branco, solteiro, pai de quatro filhos e avô de seis netos, é um exemplo vivo de que o ser humano, mesmo quando comete um delito grave ou um desatino como um assassinato, quando quer se recuperar e ser um cidadão de bem, ele consegue.
“Quando eu estava preso na delegacia logo após ter sido preso pelo crime, policiais amigos passavam na cela e diziam: rapaz, você acabou de destruir sua vida. E eu, inicialmente, era obrigado a concordar. Eu estava mesmo acabado dentro daquela cela e sabia que a situação ficaria bem pior”, conta João Valdecir, ao lembrar do passado.
“Mas, quando tive consciência do que eu havia feito, além do profundo arrependimento, ao chegar à penal, eu decidi que ali não seria meu lugar definitivo e que eu voltaria a ser um cidadão de bem”, acrescentou. “Senti que, quem chega ali, tem duas opções: ou resolve mudar a vida completamente ou se entrega à criminalidade. Optei por mudar minha vida”, admitiu o ex-preso.
Mas, segundo ele, isso só foi possível por ter encontrado apoio na direção do sistema prisional, na pessoa do então diretor da Penitenciária “Francisco D’Oliveira Conde”, o advogado Felismar Mesquita. “Já condenado, decidi que queria estudar e trabalhar para sair dali o quanto antes possível”, contou. O estudo e o trabalho ajudam na diminuição da pena.
João Valdecir tinha, na época, em 1996, 26 anos de idade e estava terminando o Ensino Médio, o antigo Segundo Grau, no período noturno da Escola “José Rodrigues Leite”, a antiga Ética, em Rio Branco. No entanto, ele tinha uma pena pesada à cumprir: 19 anos e oito meses de prisão, uma condenação imposta pela Vara do Tribunal do Júri Popular, por assassinato em primeiro grau. Naquele ano, depois de uma bebedeira, uma prática comum num tempo em que os excessos pareciam comum na vida de João Valdecir, ele brigou com um parceiro de copo, um pernambucano cujo nome ele não quer ver citado, que não tinha parentes em Rio Branco, e acabaram entrando em luta corporal.
“Quando percebi, havia sacado a arma e atirado. Um tiro na cabeça, morte instantânea. Só percebi em detalhes o que havia feito no dia seguinte, quando estava preso ali na delegacia do antigo 4º DP, no Bosque. Ali eu decidi que não iria seguir o destino padrão dos condenados, que cometem um primeiro crime e, ao entrarem no sistema penitenciário, são levados a se aprofundar cada vez mais em outros crimes, já que a gente sabe que o sistema prisional são, na verdade, faculdades de crimes. Eu decidi que, comigo, isso não iria se repetir”, contou.
A tragédia em relação à vida de João Valdecir é algo que ele conhece desde a mais tenra infância. É um homem de 18 irmãos, mas foi criado por uma advogada cujo nome ele pede para não ser citado, já que foi abandonado pelos pais aos três meses de idade. É filho bastardo de um delegado de polícia da cidade, já falecido. “Minha mãe biológica sei eu está viva, mas não temos contato”, admitiu.
Com a advogada que o criou até os 18 anos de idade, João Valdecir criou bons laços na sociedade e praticava algo para o qual julga ter nascido com talento nato: a música. “Aprendi a tocar com um pai que eu adotei para mim. Era um senhor chamado Augustinho Faria dos Santos, que tocava violão. Ele tocava para mim. Quando ele soltava o violão, eu pegava e repetia as notas que ele tirava do instrumento. Assim, aprendi a tocar, além do violão, guitarra e teclados. Sou um músico que jamais passou na frente de uma escola de música”, revela. João, que adotou nome artístico de Jonhi Barbosa, também canta e compõe e está em estúdio gravando um EP com 10 músicas que deve ser lançado nas plataformas digitais em outubro.
João ou Jonhi Barbosa não tem dúvidas: além de sua determinação pessoal, foi a música que o ajudou a enfrentar os oito anos que ele cumpriu no presídio. “Na verdade, eu era engomado”, trazendo à lume uma gíria comum das cadeias – “engomado” é sinônimo de preso que recebe tratamento especial da direção do presídio, uma figura não muito popular entre os demais presos, os comuns, os “desengomados”.
“Eu era ‘engomado’ porque era o responsável pelo abastecimento de água potável do presídio e por isso não vivia atrás de celas. Tinha uma espécie de casa própria dentro do próprio presídio e ali eu praticava minha música, tocava violão e cantava. Isso atraia alguns presos, que me pediam para cantar músicas evangélicas e aquilo acabava por se transformar num ato de celebração. Acabei me convertendo também e hoje sou evangélico, sem os vícios que me acompanhavam até eu ser preso”, revelou Jonhi.
No presídio, Jonhi também passou a ler e à estudar e, mesmo preso, conseguiu concluir o ensino médio. “Quando voltei a ser livre, decidi que voltaria à estudar até fazer um curso superior. Estudei perícia criminal e hoje sou um profissional desta área, atuando como contratado do poder público e do setor privado e estou me preparando para fazer uma pós-graduação em Direito Penal”, disse. Paralelo à esta atividade, Jonhi também atua como consultor financeiro e radialista, como locutor, uma atividade e profissão que ele sempre gostou de praticar. É um dos locutores da Rádio Gameleira.
Das tempos do presídio, João tem recordações muito tristes. “No presídio, há uma lei: ali ninguém é amigo de ninguém. Há até um ditado interno: é o local onde filho chora e a mãe não vê e nem sabe”, ele conta.
João não tem dúvidas: o pior dia na vida de um presidiário é na noite de Natal. “É um dia terrível para quem está preso”, revela. Outro dia é quando há inspeção nas celas. “Os presos são colocados nus, submetidos às mais torpes humilhações, chamados de lixo e escória, muitas vezes por policiais que, apesar desta condição, não tem nem a dignidade daqueles presos”, disse.
João Valdecir Alves Barbosa decidiu contar sua história por ter consciência de que é um exemplo vivo de condenados e ex-egressos do sistema penitenciário, se tiver força de vontade e o mínimo de ajuda, pode voltar à vida em sociedade. “Espero que minha história sirva de exemplo para quem cumpre pena. Eu procuro fazer tudo para mostrar que é possível voltarmos a ser bons cidadãos e que erros podem ser cometidos mas consertados”, disse.