Saúde mental não é responsabilidade individual: precisamos escutar as questões sociais atuais do nosso estado e país

A saúde mental não é um fenômeno isolado. Essa frase parece simples em sua construção, mas é extremamente complexa quando olhamos para nossa sociedade. Não é tão simples e se torna ainda mais difícil quando acessamos a realidade compartilhada por muitas/os brasileiras/os nos últimos anos. Nosso país voltou a encabeçar números altíssimos de desemprego como não vistos desde 2012 (IBGE, 2021) e elevação de itens de subsistência (DIEESE, 2020).

Quando não há comida na mesa, não há possibilidade saúde mental. Quando não há possibilidade de existir com segurança e dignidade, não há meios de promoção de saúde mental. Quando não há acesso a trabalho, não há recursos que sustentem condições mínimas de segurança. Os dados históricos demonstram que períodos de crises econômicas e instabilidade afetam diretamente a saúde mental, fomentando quadros de exposição intensa a quadros de estresse (CABRAL, 2014), acrescidos a um período pandêmico que elevou a exposição ao intenso sofrimento (FIOCRUZ, 2020).

Os discursos de valorização à vida, precisam perpassar uma pergunta (não) tão simples: que vida é oferecida para mulheres, pobres, negros, indígenas, LGBT+ em nossa sociedade?

Nas rodas de conversa que se propagam nas instituições do nosso Estado, estão incluídas reflexões sobre como estamos no topo no ranking de feminicídio nos últimos anos? O assassinato de pessoas LGBTs, em especial, o assassinato em via pública de mulheres trans e travestis? O preço elevado da cesta básica e as escassas possibilidades de trabalho em nosso estado? As ações em saúde mental não podem ser pontuais, restritas ao mês de setembro, por um (não) tão simples motivo: saúde mental não é responsabilidade individual, é dever do Estado. Ainda se proliferam os discursos que responsabilizam o indivíduo em detrimento de uma temática que carrega em si implicações sociais, o que esses discursos nos revelam? Ainda estamos agarradas/os em falas meritocráticas envoltas em tabus, não se fala sobre a temática de saúde mental o ano todo e, quando se fala é abordada de forma individualizante, voltada para venda de medicação e ações motivacionais.

A fala que se articula nos espaços de valorização à vida, escutam as vulnerabilidades presentes em nossa sociedade?

Vamos juntes escutar esse cotidiano? No bom “acreanês”, “reparem aqui maninhas/os/es”:

• Os dados do Monitor da Violência (IPEA, 2020) apontaram que o Acre teve a maior taxa de homicídios contra mulheres e crimes de feminicídio do país;
• O Acre está entre os 10 estados brasileiros mais perigosos para a existência de transexuais e travestis (ANTRA, 2021).
• Os crimes de LGBTIfobia lotam as primeiras páginas dos noticiários e ainda que careçam de sistematização de dados, uma pesquisa rápida nos principais portais de notícias da região denuncia o quão vulnerável a população LGBT+ se encontra (ataques e agressões em vias públicas, assassinatos e restrições a espaços de convívio social);
• Os dados da da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Retrospectiva (Pnad/IBGE) em 2020 demonstram que nosso estado alcançou o recorde de desemprego e ficou com a taxa maior que a média nacional (13,5%).

Por fim, retomo aqui a frase de início: saúde mental não é um fenômeno isolado. Lutar pela vida, é proteger meios para que essa vida seja, de fato, possível de ser vivida. Isso requer a defesa do Sistema Único de Saúde (SUS), da Rede de Atenção Psicossocial, de Políticas Públicas, acesso à educação pública, moradia, emprego, dignidade e possibilidade de existir sem ser alvo de violências em casa, nas ruas, nos banheiros, na cidade…

Para contatar a autora e conhecer mais do seu trabalho, acesse:
@psi.kahuana (https://www.instagram.com/psi.kahuana/). Kahuana Leite é Psicóloga graduada pela Universidade Federal do Acre (2019) e Mestranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atua em consultório particular no município de Rio Branco/Acre, atendendo adolescentes e adultos.

FONTES:
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE TRAVESTIS E TRANSSEXUAIS – ANTRA. 10 piores estados para ser trans no Brasil. Disponível em: https://antrabrasil.org/2018/09/21/10-piores-estados-para-ser-trans-no-brasil/

CABRAL, L, et al. Influência da Crise Econômica na Saúde Mental dos Profissionais de Saúde. Millenium, 47, 2014, (jun/dez). pp. 205‐215.

Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – DIEESE. Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos. Disponível em: https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/analiseCestaBasica202012.html.

FIOCRUZ. Depressão, ansiedade e estresse aumentam durante a pandemia. 2020. Disponível em: https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/depressao-ansiedade-e-estresse-aumentam-durante-a-pandemia/

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Desemprego. 2021. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA – IPEA. Atlas da violência 2020. Disponível em: http://proamecedeca.org.br/site/wpcontent/uploads/2020/08/213622_RI_Atlas_da_Violencia-2020.pdf.

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