18 de abril de 2024

Breve história da “mulher forte do Seringal Monte Alegre

Dona Francisca Amorim de Lima nasceu no Seringal Monte Alegre, em 1935, sua avó materna era oriunda do Alagoas e o avô paterno vindo do Ceará. Sua mãe, dona Maria Luzia, esposa de Abel Amorim, morreu aos trinta anos, vítima de um derrame, quando descia ao terreiro de sua casa visando juntar as roupas que estavam expostas ao sol. No entanto, seu pai Abel Amorim como precisava trabalhar cortando seringa deixou seus quatro filhos sob os cuidados de dois mais velhos, Francisca Amorim de Lima (minha mãe) aos 12 anos, e Raimundo Amorim de Lima, de 14 anos. Ora, como Raimundo Amorim era homem, deveria auxiliar o pai nos varadouros da Amazônia, no corte das seringueiras. Sendo assim, caberia todo o serviço doméstico a dona Francisca, incluindo a criação de seu irmão Zacarias Amorim, que após a morte prematura da mãe, era bebê recém-nascido. No entanto, a luta foi grande para estes descendentes de alagoanos e cearenses, em tempos difíceis, na densa floresta Amazônica. Eles tiveram na fé e no trabalho a força motriz da resistência.

Francisca Amorim casou-se de maneira tardia, aos 22 anos, em tempos que as mulheres casavam bem jovem, afinal de contas sua responsabilidade em cuidar dos irmãos a dificultou de cumprir este dever divino e religioso. Portanto, agora casada teria um sonho, ter uma casa para viver com sua nova família ao lado do poeta cearense e tocador de violão Manoel Rufino de Lima, filho de João Ferreira de Lima (um nordestino que viria ao Acre rejeitando sua participação na Segunda Grande Guerra e aceitando vir para a Amazônia ser um Soldado da Borracha).

Agora, vivendo no Seringal Novo Sistema, dona Francisca trabalhava criando patos, galinhas, porcos e pisava arroz no pilão propondo a quem sabe juntar dinheiro e adquirir uma casa na cidade para educar seus filhos, em tempos que a escola era extremamente escassa nos seringais. Com muita fé e trabalho, dona Francisca juntou dinheiro e comprou um terreno situado na entrada do antigo Aeroporto de Rio Branco (Segundo Distrito), localizado no bairro Triângulo Velho. Logo em seguida, dona Francisca (Dona Chiquinha) matriculou seus filhos mais velhos na Escola Anita Garibaldi para iniciar o conhecimento das primeiras letras. Para manter seus 11 filhos na escola conseguiu um emprego como lavandeira ganhando um salário mínimo. Se era difícil a vida nos seringais da Amazônia pegando malária e tuberculose agora Francisca teria que encarar a vida difícil na cidade grande.

As coisas se complicaram ainda mais quando seu marido vendeu sua única casa e vai para o Estado do Ceará e não dá nenhum cruzeiro (moeda da época) para ela. Sem um teto para passar a chuva e com 11 filhos, dona Francisca foi até o comprador da casa e relatou que fora enganada pelo marido e lhe pediu com seus olhos lacrimejando que tivesse compaixão dela, e que se possível fosse lhe doasse algumas madeiras velhas de sua antiga casa. Sensibilizado pelo ocorrido, o novo dono da residência lhe cedeu as madeiras antigas e dona Francisca construiu um pequeno casebre medindo 4X3 situado atrás da casa de um de seus filhos mais velhos, Laezo Amorim, no bairro do Taquari. No entanto, para continuar criando seus filhos mais jovens, pegou uma pequena mesa em madeira colocou as margens da Rua do Passeio e começou a fazer quibes, bolos, charutos, saltenhas e pastéis para serem comercializados. Como nos anos de 1980 o bairro Taquari não tinha ruas asfaltadas, ela colocava pedaços de plásticos sobre os salgados para não pegarem poeira. Os filhos como Enilson Amorim de Lima (o mais jovem) e Carlos Henrique Amorim de Lima vendiam salgados na rua para somar com as despesas da casa. E foi assim que esta mulher lutadora venceu mais esta crise.

Mais tarde, esta seringueira ímpar trabalhou em bancas que vendiam doces, como bombons, chocolates e pirulitos e uma delas ficava localizada nas proximidades da ponte Juscelino Kubistchek, local denominada “Ponto Certo”. No entanto, o fenômeno da alagação que ocorre sempre em nossa cidade, foi mais um desafio enfrentado por dona Francisca, que acabou vendo sua pequena casa em madeira sendo levada pela grande inundação de 1997. Em 2000, já bastante cansada das lutas desta vida, procurou uma aposentadoria de Soldado da Borracha, mas não conseguiu porque nunca teve amigos influentes e teve que se conformar com uma aposentadoria de um salário mínimo. Levando consigo a frase de que “O pouco com Deus é muito”.

Com seus filhos agora todos criados e com suas profissões, construíram uma casa para ela, no entanto, sua alegria duraria pouco mais de 8 anos, a queda em um banheiro e a quebra do fêmur e de ossos de sua mão, levaria sua internação no Pronto Socorro de Rio Branco logo na chegada do coronavírus em nossa cidade. No PS, contraiu coronavírus e pela fé, em 2020, conseguiu superar a doença se recuperando de maneira milagrosa. Debilitada, dona Francisca Amorim agora viveria sobre os cuidados dos filhos e desta vez na casa de sua filha Carmem Silva Amorim, que junto com sua irmã Rarenice Amorim tiveram o privilégio de assistirem a triste partida da mulher mais brilhante que já conhecemos. No Bairro do Taquari, no dia 09 de outubro, às 22 horas, após inúmeras tentativas dos anjos do SAMU, vi o seu corpo sem vida e como todo filho em desespero disse: – Mãe, a senhora ainda está comigo? E um silêncio funesto tomou a casa sobre os olhares tristonhos dos enfermeiros e de meus irmãos desvaindo-se em lagrimas. Passei a mão em seus cabelos brancos e já tive a certeza que aquela voz forte de 86 anos havia sido silenciada pela pneumonia.

Em seu serviço fúnebre, ocorrido às 11 horas da manhã do dia 10 de novembro, alguém numa retórica divina anunciava que ela agora seria considerada como Débora, mulher forte e de grande coragem relatada nas páginas do maior best-seller de todos os tempos, a saber, a Bíblia Sagrada. E numa visão ainda mais profunda o pregador anunciava que naquele momento estava vendo uma visão de que uma voz bradava nos céus que dizia: – Quem está chegando? E um querubim com a espada na mão dizia: -Trata-se de Francisca Amorim de Lima, uma mulher resistente ao pecado que nunca traiu seu marido, e mesmo ficando só aos 40 anos, nunca casou novamente para que homem nenhum tocasse em seus filhos, portanto senhores Serafins e Arcanjos, abrem espaço para ela passar!. Naquele momento, quando seu filho mais jovem ouvia aquelas belas palavras, na capela de Morada da Paz, lhe veio à lembrança que, exatamente às 10 horas da noite do dia 09 outubro, acontecia um terremoto no Peru, com magnitude de 5,7 e que fora sentido no Acre, e era coincidentemente no mesmo horário de sua súbita partida. Então, ele ouvia uma voz que dizia: “A terra tremeu ontem, porque estava revoltada em ter perdido “A Mulher forte do Seringal Monte Alegre”.

Então dorme “Mulher Forte”, dorme o sono dos justos para que um dia possamos estar juntos, se assim também merecermos.

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