Mari Ferrer vai recorrer após Justiça absolver, de novo, homem acusado de estuprá-la

A influenciadora Mariana Ferrer, 24, irá recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) após desembargadores catarinenses decidirem manter, nesta quinta (7), a absolvição do homem que um inquérito policial apontou como seu estuprador.

O novo julgamento contra André de Camargo Aranha, 45, transcorreu “sem ataques”, segundo o advogado de Ferrer, Julio Cesar Ferreira da Fonseca. Bem diferente do anterior.
Uma audiência conduzida pelo juiz Rudson Marcos em setembro de 2020, na qual o réu foi absolvido pela primeira vez, foi marcada por humilhações contra a modelo.

Em dezembro de 2018, Ferrer disse que foi dopada e violentada no Cafe de la Musique, clube de luxo em Florianópolis que a contratou como embaixadora –uma espécie de promoter da casa. Ela era virgem (exames constataram a ruptura do hímen) e tinha 21 anos.

Ao defender seu cliente, que trabalha com marketing esportivo, o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho fez diversas investidas machistas contra a influenciadora.

Alguns exemplos: mostrou uma imagem extraída do site de um fotógrafo e destacou que, entre retratos de várias mulheres, a única foto “chupando o dedinho” era dela, “e com posições ginecológicas”.

Nessa hora, Ferrer rebateu: “A pessoa que é virgem, ela não é freira, não, doutor. A gente está no ano de 2020”.

Gastão Filho também disse a ela que “jamais teria uma filha do teu nível” e que pedia a Deus para que seu filho não encontrasse “uma mulher que nem você”.

Em outro momento, a modelo o acusou de cometer assédio moral contra ela: “O senhor tem idade para ser meu pai, tinha que se ater aos fatos”. Ele reagiu: “Não dá para dar teu showzinho. Teu showzinho você vai lá dar no seu Instagram depois, para ganhar mais seguidores. Você vive disso”.

Ferrer chorou. Gastão Filho continuou. “Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lágrima de crocodilo”. Foi quando a modelo pediu ao magistrado à frente da sessão: “Eu tô implorando por respeito, no mínimo. Nem os acusados, nem os assassinos são tratados da forma como eu tô sendo tratada. Pelo amor de Deus, gente”.

O vídeo da audiência, feita de forma virtual por conta da pandemia, propulsionou a campanha #JustiçaPorMariFerrer, engrossada por um amplo pool de personalidades, da atriz Bruna Marquezine ao jogador Richarlison.

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes chegou a classificar as cenas de “estarrecedoras” no Twitter. “O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram.”

A atual decisão pró-Aranha foi um consenso entre os três desembargadores que analisaram o pedido, Ana Lia Carneiro, Ariovaldo da Silva e Paulo Sartorato. Fonseca, que representa a jovem de 24 anos, diz que o trio “entendeu que a prova da vulnerabilidade é dúbia, mas reconheceu que a conjunção carnal ocorreu, e que o autor foi o réu”.

Ou seja, que Ferrer e Aranha de fato fizeram sexo, mas que não era possível cravar que ele sabia que a modelo não estava em condições de consentir com o ato.

Para Gastão Filho, o desfecho desta quinta “reflete o que consta nos autos” e parte de uma “câmara criminal extremamente severa, rígida. Todas as provas são no sentido da absolvição do André”.

Questionado pela reportagem sobre sua conduta no ano passado, ele encaminhou uma nota em que narrava um grande sofrimento que ele e a família sofreram. Suas filhas, menores de idade, chegaram a receber ameaças virtuais de estupro, de acordo com o advogado.

Quando a reportagem o perguntou se ele manteria tudo o que disse sobre Ferrer em 2020, Gastão Filho deletou todas as respostas que havia dado no WhatsApp e não respondeu mais nada.

As sequelas daquele dia, somadas à do estupro que diz ter sofrido há quase três anos, persistem na influencer. Ela não trabalha mais e tem síndrome do pânico com frequência.

A reportagem teve acesso a laudos psiquiátricos da modelo. Um de 2019 fala em estresse pós-traumático, depressão e privação de sono. Outro mais recente, do ano passado, sugere “acompanhamento médico regular” da paciente.

Sua mãe preferiu resguardar a filha na véspera do tribunal. Em nota à reportagem, a família de Ferrer e sua equipe jurídica disse apenas estar “confiantes nos desembargadores”, definidos como “instrumentos de Deus aqui na Terra”.

Hoje a conta no Instagram de Mari Ferrer, seguida por 2,5 milhões, só tem 25 publicações –a maioria faz referência ao estupro, com muitas cobranças por justiça pelo que lhe aconteceu.

Divulgou lá o print de um homem que lhe mandou a seguinte mensagem privada: “Você merece uma bala na cara”.

Em outro post, Ferrer compara duas fotos suas. A primeira, uma montagem com ela de costas, só com a calcinha do biquíni. A segunda, o retrato original, com as duas peças de banho.

Na legenda, ela diz que a defesa de Aranha, “de forma sordida e ardilosa”, protocolou imagens manipuladas para simular um falso seminu. Mesmo se o topless fosse real, “eu poderia ser DOPADA E ESTUPRADA?”, ela questiona. Pergunta retórica: “A resposta e obvia: NAO”.

Outra postagem reproduz uma ligação que Ferrer teria feito à mãe no dia do crime, gravada pela irmã. Ela parece desorientada e pede pelo pai. Por escrito, conta que Luciene, “brava e sem paciência”, achava que a filha estava brincando ou bêbada. Só depois entendeu o que havia se passado.

A primeira foto postada, há três anos e meio, mostra uma jovem sorridente: “Se encha de Deus e jamais se sentirá vazio”.

Ferrer era embaixadora do Cafe de La Musique, título dado a jovens bonitas contratadas para promover o clube. Naquele dia, estava lá para gravar uma propaganda de verão para a casa, que promovia a festa Music Sunset. Dali a dias começaria a estação solar.

Uma perícia indicou que houve penetração, detectou sêmen na calcinha de Ferrer e constatou que seu hímen foi rompido. “A virgindade pra ela era bem importante. Ela tem todo o posicionamento de querer casar virgem”, diz a advogada Jackie Anacleto, que fez o acompanhamento jurídico de parte do caso e hoje não atua mais nele.

Anacleto afirma que Ferrer nunca apontou nomes de quem a estuprou, porque só descobriu mais tarde a identidade do autor. A influenciadora tornou o episódio público cinco meses depois, em relato nas redes sociais que viralizou. O processo estava em segredo de justiça, mas caminhando a passos lentos até então.
Em julho de 2019, Aranha virou réu. Ele, que havia sido indiciado pela Polícia Civil, a princípio negou qualquer contato físico com Ferrer.

Durante seu depoimento à polícia, contudo, tomou um copo d’água. A delegada responsável pelo caso o usou para colher seu material genético. O resultado foi compatível com o esperma encontrado na calcinha da mulher que, meses antes, procurou autoridades para dizer que havia sido estuprada, mas não sabia por quem.

Ferrer diz que foi dopada, daí o apagão de memória naquele dia. “Quando chegou em casa, a mãe achou que ela tinha ingerido bebida como nunca. Quando foi colocar Mariana embaixo do chuveiro, viu sangue na roupa, cheiro de esperma”, conta Anacleto. “Ela não soube falar como aconteceu. Lembra de ter ido num bangalô e que uma amiga a levou para tirar algumas fotos. Depois ela não lembra mais.”

Alexandre Piazza, promotor que indiciou Aranha, disse em sua peça de acusação que ele só compareceu pessoalmente à comarca “após a vítima precisar se submeter a uma situação de revitimização, expondo os fatos, seu sofrimento e angústia em redes sociais, em busca de maior celeridade nas investigações policiais”.

As alegações finais do Ministério Público, no entanto, ficaram a cargo de um colega de Piazza, Thiago Carriço. Foi ele quem escreveu, em outro documento, não haver dolo (intenção) do acusado, porque não havia como o réu saber, durante o ato sexual, que a jovem não estava em condições de consentir.

A modelo foi levada por uma amiga para, segundo ela, tirar uma foto no camarote 403 do Cafe de la Musique. O lapso de memória começou ali.

O vídeo de uma câmera de segurança mostra Ferrer entrando no espaço, aparentado estar grogue. É seguida por Aranha. Mais adiante, em outra parte da gravação, ele a conduz pelo braço para fora do espaço. Seria quando ele a teria levado até um camarim no segundo andar da casa.

O estabelecimento tinha ao menos 36 outras câmeras que poderiam revelar mais sobre o caso. Mas quando a polícia pediu mais imagens, em maio de 2019, elas já tinham sido excluídas, pois só ficam no sistema por alguns dias.

Em 2020, veio a absolvição em primeira instância. O juiz Rudson Marcos concordou com a tese do promotor e, evocando o respeito ao princípio da dúvida em favor do réu, repetiu em sua sentença “um antigo dito liberal, ‘melhor absolver cem culpados do que condenar um inocente'”.

Em setembro, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) anunciou que vai apurar a conduta de Rudson Marco. Sua equipe de advogados disse que ele não se pronunciará a respeito.

Em abril, a Justiça catarinense dedicou uma notícia para o lançamento de um livro do juiz sobre direito ambiental. Ele está agora na Vara de Sucessões e Registros Públicos.

A reportagem procurou a Promotoria para saber se Thiago Carriço, investigado pelo Conselho Nacional do Ministério Público, gostaria de falar. Também ele preferiu não comentar.

 

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