A cidade de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, está envolvida numa polêmica nos últimos dias por causa da gravidez seguida de aborto de uma menina de 11 anos, estuprada seguida vezes pelo pai de seu padrasto, em casa. A polêmica envolve a Igreja Católica local, que se posicionou contra o aborto e o caso ganhou conotação pública em todo o país.
A Defensoria Pública da Bolívia confirmou nesta quarta-feira (10) que a menina de 11 anos engravidou devido aos contínuos abusos sexuais cometidos pelo pai de seu padrasto e sua família decidiu interromper a gestação. “A menor assumiu uma definição, junto com a sua mãe, no âmbito do resguardo de seu direito à vida e seu direito à integridade”, declarou a defensora pública Nadia Cruz em entrevista coletiva sobre o caso, que aconteceu em Yapacaní, departamento de Santa Cruz, no leste da Bolívia.
O episódio gerou uma polêmica nacional nas últimas semanas, tendo a Igreja Católica no centro da discussão. “A menor tem direito à confidencialidade, tem direito de continuar com sua vida, depois de toda invasão da Igreja e da permissividade das instituições públicas”, completou a defensora. A autoridade boliviana.
Por mais de nove meses, a menina foi vítima de abuso sexual cometido pelo pai do atual companheiro de sua mãe. A gravidez foi descoberta quando a menina disse à família que sentia “movimentos estranhos” na barriga. Exames médicos determinaram que, na ocasião, ela estava com 21 semanas de gestação. Uma tia da menor apresentou queixa contra o suposto agressor, detido em prisão de segurança máxima. Ao mesmo tempo, foi apresentado um pedido de interrupção legal da gravidez (ILE, na sigla em espanhol) para a menina. Quando o caso se tornou público, começou um acalorado debate entre a Igreja Católica e grupos pró-vida e as entidades de proteção de menores que defendiam o direito constitucional da menina de abortar.
Na Bolívia, uma decisão constitucional de 2014 determinou que a mulher pode ter acesso ao aborto legal e seguro nos casos em que a gravidez é fruto de estupro, incesto, estupro de menor de idade, ou se a gravidez coloca em risco a vida ou saúde da mãe. É necessário, no entanto, que seja feita a denúncia de estupro e ter o consentimento da vítima, eliminando a exigência de autorização judicial que consta no Código Penal Boliviano para a realização de um aborto sem que haja punição aos médicos e à paciente.
Quando a polêmica sobre o caso veio à tona algumas semanas atrás, a cobertura da imprensa e a pressão de grupos antiaborto fizeram a menina e sua mãe desistirem de continuar com a interrupção da gravidez, conforme contou a defensora Nadia Cruz à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC. Foi assim que a menina recebeu alta do hospital onde se encontrava e foi transferida para um centro de acolhimento da Igreja Católica, instituição que se comprometeu a cuidar da menor e do seu filho ainda não nascido.
De acordo com dados da Casa da Mulher – uma instituição de defesa do gênero da Bolívia – divulgados pela agência de notícias EFE, em 2020 ocorreram 39.999 gestações de menores de 18 anos na Bolívia, o que significa que 104 meninas engravidaram por dia no país, das quais seis são menores de 13 anos. Os números são considerados alarmantes e preocupam instituições de defesa da Criança e do Adolescente, como o Unicef.