Com 73 anos, Maria Albina Oliveira da Cruz dirige diariamente como motorista de aplicativo em Santos, no litoral de São Paulo. Ao g1, a ‘Vovó do Uber’ contou que dirige desde os 20 anos, mas que só atua na profissão há três anos e meio. Ela não considera dirigir um trabalho, mas sim, um passeio.
Com mais de 14 mil viagens registradas na plataforma do aplicativo, Maria brinca dizendo que só três passageiros a estressaram nesse período. Ela trabalha de sete a oito horas por dia, atendendo entre 22 e 25 corridas. “Não é o dinheiro que me prende. Quando começa a escurecer, eu paro, pois se eu ficar muito tempo dirigindo à noite, começa a me dar ansiedade. Gosto de dirigir durante o dia”.
Com três filhos, sete netos e um bisneto a caminho, Maria Albina já trabalhou como corretora de imóveis e costureira. “Quando pintou o aplicativo na minha vida, foi a profissão certa para mim. Adoro ir para lá e para cá, ir e voltar com passageiro. Quando eles perguntam por que estou trabalhando com essa idade, falo que estou passeando. A primeira coisa que perguntam é a idade, mas, para mim, fazer corrida é uma terapia”.
Ela explica que não se sente bem quando está sem trabalhar. “É um negócio que me deixa contente e feliz. No dia em que não vou trabalhar, sinto falta. No domingo, chegam os meus netos e perguntam se vou trabalhar, falam para eu descansar, mas eu falo que gosto. Vou ficar sentada fazendo o quê? Eu quero ir para a rua, meu negócio é a rua”, diz.
Em relação à tecnologia, Maria conta que nunca tinha mexido com GPS ou aplicativos no celular, mas que agora tira de letra. “Tive um pouco de dificuldade no começo, me deu trabalho. Hoje, eu que dou trabalho para ele. Quem entende um pouco de internet e aplicativo de GPS não tem dificuldade nenhuma. Agora, comando bem. No começo, ele me deu um baile, mas hoje, eu que dou um baile nele”.
Pandemia
Maria afirma que não teve medo de trabalhar por causa da pandemia. Ela ficou em casa de março a julho, a pedido dos filhos, mas depois voltou a dirigir. “Meu filho falou que ia chamar a polícia, que eu não podia, por ser grupo de risco. Falou que ia ligar para a empresa, para cortar meu aplicativo. Como todo mundo estava ficando em casa, fiquei até o começo de julho, depois voltei a trabalhar, e até hoje não parei mais”.
Ela explica que desinfeta o carro com um spray de álcool 70%, que mistura com amaciante para ficar cheiroso. “Já entrou gente no meu carro com Covid-19. O rapaz entrou e falou para levar ele ao hospital, que estavam o chamando porque o resultado deu positivo. Quando ele saiu do carro, gastei quase que o vidro todo para desinfetar”.
Com o aumento do preço dos combustíveis, Maria Albina não tem feito viagens longas, como, por exemplo, para São Vicente, Cubatão, Praia Grande e ao fim da Zona Noroeste de Santos. “Combustível está muito caro. Eu trabalho com prazer, se eu não tiver o dinheiro do aplicativo, [tudo bem,] não sobrevivo disso, tenho uns rendimentos, mas pago o carro e a gasolina com o valor [que recebo], então, se estiver empatando, está bom. Dá para tirar um pouquinho, ainda. Saio para trabalhar com prazer”.
Elogios
Com avaliações positivas e uma nota boa, Maria conta que sempre recebe elogios, e foi classificada como motorista ‘diamante’. “Eu pego corrida direto, mal acaba uma e já pego outra. Dificilmente fico mais de dez minutos esperando corrida. Não fico na rua à toa, faço uma atrás da outra, e geralmente são corridas boas”.
Ela conta que não se incomoda de ser chamada de ‘Vovó do Uber’. Entre os elogios, Maria disse que já foi chamada de “senhora fantástica” e “excelente motorista”, por exemplo. “Pode me chamar, acho legal e engraçado. Eu recebo vários elogios, e quando vou ler, fico emocionada”.
Maria Albina relembra uma corrida que fez com um jovem, da Rua Alexandre Martins até perto do bairro Alemoa. “Ele foi conversando, perguntou se eu era uma ‘super vovó’, e falou que a avó dele também era. Aí, falei que era porque só querem que eu vá à cozinha fazer carne de panela, e ele falou que também gostava da comida da avó. Quando chegou ao destino, ele falou que foi a melhor corrida que ele fez, e que se sentiu no colo da vovó”, conta.
“Quando fui ler os elogios, vi que ele colocou ‘excelente viagem, melhor viagem que fiz, me senti no colo da vovó’, e percebi que era o rapaz que tinha feito. Senti meu coração batendo, nossa, que legal. Isso que dá vontade de voltar a trabalhar, são os elogios”.
Para Maria Albina, a vida de motorista de aplicativo tem altos e baixos. “Tem gente que reclama porque, às vezes, é obrigada a fazer isso porque não tem opção. Eu não, se eu não quiser fazer corrida, vou viver do mesmo jeito, mas acho legal sair, fazer as corridas, passear, para mim é uma terapia”, diz.
“Às vezes, pego passageiro que conversa, outros não conversam, outros estão trabalhando, dando ordem para a secretária, conversando com patrão, mas boa parte dos passageiros fala ‘que legal, uma senhora dirigindo, o mundo é das mulheres mesmo'”, finaliza.