“No fim desse processo de renascimento, uma dor que me atravessava, estava a maior recompensa e o verdadeiro significado e materialização de amor”, declarou Lourenzo (@aqualienn), 23 anos, após dar à luz seu filho Apolo, nesta quinta-feira (9), em São Paulo. O bebê nasceu de parto normal, sob o olhar atento da mãe, Isis Broken, que é uma mulher trans. “Papai fez muito esforço e colocou muito amor em sua saída”, declarou ela. “Apolo, sua família transcentrada te ama muito”, completou.
O casal se conheceu pessoalmente há pouco mais de dois anos e, segundo Lourenzo, que é do Guarujá, litoral paulista, a gravidez aconteceu de forma inesperada. “Eu tomava hormônio há cerca de 4 anos e, por causa de falta de médicos especializados em sexualidade e gênero no Guarujá, parei de fazer a hormonização. Mas como eu tomei por tanto tempo, pensei que poderia ser estéril, já que a testosterona pode afetar o útero. Então, nem cogitei a possibilidade disso acontecer. No começo, eu fiquei surpreso, não sabia como lidar porque estávamos no meio de uma pandemia, desempregados e somos artistas, uma situação que não estava muito favorável. Além de tudo, tinha as minhas disforias. As pessoas já me enxergavam como homem por conta dos hormônios: quase não tinha mais seios, eu estava bem com o meu corpo. Então, quando descobri a gestação, soube, de imediato, que não poderia mais tomar homônios. Portanto, meu corpo voltaria ao que era antes”, conta.
“Foi um processo de redescobrir meu próprio corpo, aprender a me enxergar de uma nova perspectiva e entender que meu corpo — o corpo de um homem —, também pode gerar uma vida, e que também é um privilégio. Hoje, entendo que é um processo no qual precisei passar. E quando acabar, vou poder voltar a me hormonizar. Hoje, entendo que meu corpo é um corpo potente, político e revolucionário”, afirmou.
Além do processo de ressignificação do próprio corpo, o casal trans ainda precisou enfrentar o preconceito. “Até os sete meses, todos os lugares que fomos fazer o pré-natal, sofremos transfobia por parte dos funcionários — desde a recepção até enfermeiros e médicos. Ninguém estava preparado para lidar com um homem gestante, o que nem é muito diferente de uma mulher cisgenera, tirando pronomes e gênero. Sentimos uma falta de vontade e muito preconceito na área da saúde para lidar com corpos trans. Sequer respeitaram meu nome social, que é lei, e meu gênero, que está retificado na carteira do SUS como ‘masculino’. Alegaram que como eu era um homem, eu não poderia ser atendido por um ginecologista e ter um atendimento de pré-natal. Chegaram até mudar meu gênero para ‘feminino’, e tive que usar meu ‘nome morto’, para que eu pudesse ser atendido”, lembra.
“Então, aos sete meses de gestação, a Biônica Filmes e a Capuri entraram em contato conosco, propondo um documentário sobre a minha gestação. Foi, então, que uma coordenadora de saúde de São Paulo entrou em contato dizendo que já fez atendimentos a homens trans gestantes e poderia nos dar suporte. Então, nos mudamos para cá”, conta. Sobre a educação do filho, Lourenzo não esconde uma aflição: “Estamos apreensivos quanto à escola, como os colegas vão lidar com o fato dele ter pais trans, mas ensinaremos que o amor é o principal motivo de vida”.