ContilNet Notícias

No aniversário de 139 anos de Rio Branco, as polêmicas históricas sobre a data e o fundador da cidade

Por TIÃO MAIA, PARA CONTILNET

Calçadão da Gameleira. Foto: Reprodução

O aniversário de 139 anos de fundação de Rio Branco, capital do Acre, comemorados nesta terça-feira (28) com direito inclusive à feriado municipal, não é consenso entre historiadores. Se concordam quanto ao ano, duas correntes de historiadores divergem quanto ao dia e o mês. Além disso, o fundador da futura capital, o cearense Neutel Maia, em alguns momentos é citado não exatamente como herói, uma vez que há documentos comprovando que, para fazer jus à condição de capitalista, ele estava mais interessado no enriquecimento pessoal do que nas causas da futura cidade ou de seu povo.

A corrente de historiadores que questionam o mês da chegada de Neutel Maia é puxada por José Wilson Aguiar, o mesmo que há anos empunha a bandeira de mudanças, uma verdadeira inversão, nas cores do pavilhão acreano, Conservador e ligado aos partidos que ora estão no poder em nível estadual e federal, Aguiar defende que a bandeira do Acre precisa ter as cores invertidas, com a polêmica estrela solitária vermelha colocada na sua atual posição, mas sobre a cor verde. Segundo o historiador, na bandeira original, aquela desenhada polo conquistador Luiz Galvez, as cores verde e amarelo eram contrárias à atual posição na flâmula. O historiador chegou a propor um projeto de lei com a ideia e o apresentou à Assembleia Legislativa, mas, até aqui, a proposta não prosperou entre os deputados estaduais. O historiador também defende o mês de julho como data da chegada de Neutel Maia a Rio Branco.

Na outra linha, o historiador Sérgio Roberto, professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), ex-secretário e assessor dos governos da Frente Popular do Acre (FPA) e ligado a políticos vinculados com o PT, diverge da polêmica em relação à bandeira acreana e quanto a data defendida por Aguiar com o mês de julho como marco da chegada de Maia à cidade que ele iria fundar. Segundo Souza, a chegada do cearense e os seus em navios de grande calado não poderia ter ocorrido no Acre no mês de julho porque, nesta época do ano, como todos os sabem, pleno verão amazônico, os rios da região estão abaixo dos níveis naturais de água e isso não permite a navegação de embarcações de grande porte como era o navio em que viajava a família Maia.

Polêmicas à parte quanto à data, há, ao que tudo indica, consenso em relação ao ano de fundação da cidade, em 1882, e quanto ao nome do principal rio que banha – e alaga – a cidade. O nome Acre seria uma corruptela de Akyev, que seria transcrita da palavra palavra Uwa’kuru, do dialeto dos índios Apurinã, os primeiros habitantes do lugar.

Neutel Maia fundou seu primeiro seringal à margem direita do rio Acre em disputa por território com esses índios, iniciando as construções de barracões e moradias feita de paxiúba e palhas em terras antes ocupadas pelas tribos indígenas Akyrys, Canamaris e Maneteris. Por conta da curva do rio, ele batizou o lugar de Seringal Volta da Empresa, onde hoje está localizada a centenária árvore da gameleira no Segundo Distrito. Teria sido naquela gameleira, então uma arvorezinha ainda muito jovem, na qual Maia teria atracado seu navio. Botânicos, no entanto, dizem que a gameleira original não estaria mais no local. Ela teria sido “comida” por um apuí, um tipo de vegetal capaz de se sobrepor à árvore original e, com o tempo, matá-la e assumir seu lugar. Teria sido isso que ocorrera com a árvore avistada por Neutel Maia.

O Seringal Volta da Empreza começou a tomar ares de povoado e de uma futura cidade a partir de 1904, com a anexação definitiva do Acre ao Brasil. Na época, foi elevada à categoria de Villa Rio Branco, agora com este nome em homenagem a José Paranhos Fleury, o “Barão do Rio Branco”, então chefe da diplomacia brasileira e principal articulador do tratado de Petrópolis, que pôs fim às escaramuças entre brasileiros e bolivianos por causa do território. Com o novo nome, tornou-se sede do departamento do Alto Acre. Em 1909, Rio Branco passou a ser denominada Penápolis, em homenagem ao então presidente da República Afonso Pena, mas o nome não vingou porque, em 1912, voltou a ser rebatizada como Villa Rio Branco.

Já em 1913, Rio Branco é elevado à categoria de município. Em 1920, passa a ser capital do território do Acre e, em 1962, capital do Estado, com direito inclusive a eleger seu prefeito pelo voto direto.

Hoje, Rio Branco é o centro administrativo, econômico e cultural da região, a maior cidade do Estado. Historiadores como Marcus Vinicus Neves a defendem como sendo a cidade mais antiga do Acre. No entanto, intelectuais e estudiosos do Acre, como o professor aposentado da Ufac Alceu Ranzi, discordam desta tese e dizem que, antes de Rio Branco, já existia pelo menos um povoado no Acre com arremedo de cidade. Seria Xapuri, com o nome em espanhol de Mariscal Sucre, em homenagem a um herói dos bolivianos que viviam no povoado.

A primeira rua da cidade surgiu ali na Gameleira, na margem direita do rio Acre, que se tornaria o centro da vida comercial e urbana dessa parte da Amazônia. Ali se situavam os bares, cafés e cassinos que movimentavam a vida noturna na cidade e também ali se encontravam os principais representantes comerciais das casas aviadoras nacionais e estrangeiras que movimentavam milhares de contos de réis naquela época de riqueza e fartura.

Era ali que moravam as principais famílias da elite urbana composta por profissionais liberais e pelo funcionalismo público. Com o passar do tempo a administração política do Território foi sendo transferida para a margem esquerda do rio Acre, como as terras mais altas e menos alagadiças, mas, ainda assim, as ruas que integravam o centro da cidade formada pela Cunha Matos, 17 de novembro e 24 de Janeiro permaneciam sendo as principais área comercial da cidade, no então Primeiro distrito que acabaria ficando em segundo lugar, no futuro.

A região era dominada pelos imigrantes, principalmente Sírio-Libaneses a ponto de, em meados da década de 1930, ser também conhecida como Bairro Beirute, referente à capital do Líbano.

Em 1950, começa o processo de decadência econômica da histórica margem direita de Rio Branco, que passou a ser denominado Segundo Distrito e isso resultou da transferência de boa parte de suas principais casas comerciais para o Primeiro Distrito da cidade, na margem direita do rio Acre, onde já estavam instaladas as principais repartições públicas e as residências das mais importantes famílias do território. A construção do Palácio Rio Branco, no Governo Hugo Carneiro, e do então Mercado Novo, do outro lado do rio, consolidou a outra margem do rio como a parte mais importante da cidade. A elevação do território do Acre à condição de Estado consolidou Rio Branco como Capital de todos os acreanos e seus distritos em definitivo.

As polêmicas em torno de Neutel Maia, no entanto, não cessam. Consta que o fundador da cidade nasceu no Ceará em 24 de dezembro de 1861. Ainda jovem veio para o Pará e começou ali suas atividades comerciais e aventureiras, sempre viajando entre Belém, Manaus e Manacapuru. Nessas viagens, se envolveria em polêmicas, tal e qual ocorreu no Acre, quando teria sido inclusive acusado de traição por Plácido de Castro e jurado de morte durante a Revolução contra os bolivianos. Maia seria aliado dos bolivianos e foi apontado como fornecedor de armas e munições aos inimigos do exército acreano.

O velho comerciante começou suas atividades em 1882, quando uma firma de nome N.Maia & Cia. A partir de 1885-1886 passou a negociar no Purus, entre Belém, Manaus e a Boca do Pauini. Em 1890-1891 casa-se com uma sua prima de nome Theresa Maia, irmã de Teophilo Maia e passa a negociar no Alto Purus até a Boca do Antimary no Baixo Acre. Em 1889 adquiriu dois lotes de terras do Governo do Amazonas localizados no rio Acre (Alto Acre) a que ele denominou Empreza, sendo este documentado em 1894. Em 1898, vendeu o dito seringal Empreza para a firma J. Parente & Cia. por 150 Contos de Réis e montou em sociedade com seus primos Manoel Teophilo Maia, Ananias Maia e José Augusto Maia uma Casa Comercial fixa na Villa Rio Branco. Durante a Revolta de Plácido contra a Bolívia, após se desincompatibilizar com o chefe da Revolução Acreana, foge com a família para Belém.

No entanto, com a aclamação de Plácido de Castro como governador, do Acre, em Porto Acre, no dia 26 de janeiro de 1903, o velho comerciante estava entre os seringalistas que reconhecem a ascensão de Plácido de Castro como governador. Há uma assinatura dele no livro de ata que trata da posse.

A partir de 1905, passa a comprar gado na Bolívia, transportando-os pelos varadouros dos seringais de Capatará. Novamente vai trombar com Plácido de Castro por causa disso, já que o agora seringalista, que deixara o serviço público e decidira enriquecer, cobrava 7.500 réis pela passagem desse gado por seus varadouros. Dizia que era uma indenização pelos danos causados por cada manada que passava pelo local. Os livros de histórias registram que cada manada dessas era composta por 200 a 400 cabeças de gado, transportados à pés e soltos por entre os varadouros na floresta. Por isso, por onde passavam, quebravam pontes ou pranchões, devoravam pequenas plantações ou roçados de seringueiros além de outros danos, o que irritava Plácido de Castro.

Balsas de borracha descem o rio Acre, próximas da Gameleira Foto: Arquivo/Museu da Borracha

O fundador de Rio Branco, então, no período 1909 a 1910, recebeu indenização por ter sofrido, segundo ele, grandes prejuízos com a Guerra do Acre, mas continuou vivendo no território mesmo após a morte de seu inimigo Plácido de Castro, em 1908. Por aqui, ainda montou uma fazenda de gado nas terras de Dona Miquellina, viúva do major José Anselmo Melgaço, onde hoje está hoje a Avenida Amadeo Barbosa.

Consta que passava meses em Rio Branco e meses no Rio de Janeiro. Em 1921 envolveu-se numa trama de fofocas que culminou com a renúncia do Governador Acreano Epaminondas Jácome. Viveu no Acre até 1934, quando fixou residência no Rio, onde faleceu vítima de atropelamento por um ônibus puxado por tração em plena Avenida. Rio Branco em setembro de 1940.

Neutel Maia é hoje um personagem eleito pelos intelectuais do Acre como o fundador da cidade de Rio Branco. Para sua época, foi um homem muito rico, porém pouco falado pelos jornais da época, além de nunca ter lutado por nenhuma classe social do Acre. Sempre esteve envolvido em várias confusões no Acre e no Estado do Amazonas. A primeira notícia real que se tem de Neutel Maia é no Diário de Notícias do Pará em 20 de janeiro de 1885, por conta de uma grande escaramuça entre Getúlio Orlando de Paiva, proprietário da lancha Izaura contra os irmãos J. Felippe e Mileno Benevenuto Santiago. Nessa peleja morreram um comerciante conhecido por Tombador e um proprietário de nome Francisco Chagas, que tentavam amenizar o conflito. Neutel Maia aparece no jornal como uma das testemunhas do confronto.

Um dos maiores lucros do comerciante Neutel Maia foi o agenciamento e transporte de nordestinos acossados pelas secas para trabalhar nos seringais do Purus e seus afluentes. Outra fonte de lucros desse personagem foi o agenciamento e transporte de nordestinos endinheirados para comprar aqueles seringais que já não mais interessavam aos proprietários dos rios Purus, Pauiny, Ituxy, Acre, Antimary, Riozinho do Rola, Xapury além de outros. O “coronel ou capitão” Neutel Maia jamais se afinou em ficar parado atrás de um balcão esperando que os seringueiros passassem um ano fazendo borracha para ele. Herói ou bandido para os acreanos, fincou seu nome e sobrenome na história.

Sair da versão mobile