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“Chega de sermos empurradas para abaixo do lixo da sociedade”, diz primeira mulher trans atendida pela lei Maria da Penha

Por RENATO MENEZES, PARA CONTILNET

Rubby Rodrigues é servidora do Ministério Público do Acre (MPAC) e atua em prol da garantia de direitos à comunidade trans e travesti no Acre. Foto: Arquivo pessoal.

Respeito. Esta palavra, que contém apenas oito letras, tem um peso muito forte na vida de pessoas transexuais e travestis no Brasil. Isto porque é uma das inúmeras coisas que faltam para que esta comunidade viva com dignidade, sem ter medo do simples ato de andar nas ruas. O maior país da América Latina é, pelo 13º ano consecutivo, o que mais mata pessoas trans em todo o mundo, segundo o Dossiê Assassinatos e Violências Contra Travestis e Transexuais Brasileiras em 2021 – e por pouco, Rubby Rodrigues, ativista LGBTQIA+ no Acre, não entrou para as estatísticas há alguns anos.

Rubby, que é mulher trans, se descobriu como tal por volta dos 18 anos de idade, que foi quando começou a se entender e a compreender seu corpo. Mesmo se assumindo como homossexual aos 14, ela ainda não entendia, naquele momento, o porquê de ainda não se sentir pertencente à comunidade, e tranquila consigo mesma.

Anos depois, ela foi vítima de violência doméstica. Rubby, que viu na infância a mãe sofrer com maus tratos por parte do companheiro, sentiu e reviveu a dor, já adulta – só que agora, na própria pele. Por conta disto, ela se sentiu na urgência de procurar por ajuda, afinal, a vida dela estava em risco.

Rubby diz que, dentro dos privilégios que tem, busca ajudar outras pessoas a se reerguerem, mesmo em meio ao preconceito. Foto: Arquivo pessoal.

Infelizmente (por conta da situação), e felizmente (por conta do mérito), Rubby entrou para a história. Ela foi a primeira mulher transexual a ser atendida pela lei Maria da Penha, que garante punição adequada e coíbe atos de violência doméstica contra a mulher. Hoje, ela vê isso com orgulho, tendo em vista que abriu portas para que outras mulheres trans sejam, de fato, reconhecidas como tal e que recebam devida assistência como preconiza a lei.

“Esse mérito de ter sido a primeira mulher trans a ser atendida pela lei Maria da Penha é um orgulho porque ao mesmo tempo que eu sofri, eu trouxe visibilidade a uma situação em que muitas outras mulheres estavam passando. Nós precisávamos trazer à tona a violência doméstica, discutir sobre ela e fazer as pessoas entenderem que dentro deste meio, onde não somos reconhecidas como mulheres para algumas pessoas, nós também sofremos por ser mulher. Vivemos no Brasil onde a cada 10 assassinatos de pessoas transexuais, 8 são de mulheres trans, simplesmente por existir como mulher”, frisou.

A ativista LGBTI já recebeu o certificado de “Guardiã da Vida” na Assembleia Legislativa do Acre. Foto: Arquivo pessoal.

LUTA POR DIREITOS

Após esta fatídica situação, Rubby começou a trabalhar no Ministério Público do Acre (MPAC). Segundo a servidora, que atua em prol da comunidade, as situações de vulnerabilidade às pessoas trans e travestis não diminuíram, apesar do uso das ferramentas legais para o resgate social e ao acesso a direitos fundamentais como ao nome social, por exemplo.

“Temos muito a crescer ainda, principalmente para trazer emprego, dignidade e saúde mental e física. Muitas fazerem uso indevido de hormônios, e elas acabam sofrendo efeitos colaterais por isso, e a gente precisa conscientizar a sociedade quanto à humanidade (à comunidade trans e travesti). Nós somos pessoas e merecemos oportunidades. Já chega de sermos empurradas para as noites, para as esquinas, para abaixo do lixo da sociedade”, destacou.

Movimento realizado em favor de uma mulher trans que foi proibida de usar o banheiro feminino na capital. Foto: Arquivo pessoal.

ATTRAC

A ativista também é vice-presidente da Associação das Travestis e Transexuais do Acre (Attrac), que trabalha com parcerias com a Defensoria Pública do Estado (DPE), com o MPAC e com a Associação de Mulheres Negras. Ela, que já está no movimento há mais de 10 anos, incentivado por lideranças LGBTQIA+ como Germano Marino e Rose Farias, disse que a Attrac surgiu justamente pela necessidade de se ter um recorte especial, tendo em vista que são as mais marginalizadas em razão de não pertencerem ao padrão cisnormativo.

As atividades desenvolvidas pela Attrac, por sua vez, estão baseadas no apoio moral às integrantes do movimento que estão passando por alguma dificuldade, bem como no resgate destas pessoas. Segundo ela, na Associação existem e existiram diversas situações de trans e travestis que foram vítimas de violência.

Dia da Visibilidade Trans em 2021. Foto: Arquivo pessoal.

“Temos membros que hoje são cadeirantes devido à violência sofrida; que foram assassinadas; que já desistiram até mesmo da própria vida. Tivemos uma colega ano passado que se suicidou por não aguentar mais. São tantos problemas, e entre eles o adoecimento mental, devido a todas essas dores porque querendo ou não, a violência psicológica é uma violência, e isso se dá partir do momento em que somos desrespeitadas, em que não podemos usar um banheiro feminino, em que não nos tratam pelo pronome correto”, pontuou.

“Eu amo a mulher que me tornei porque lutei para ser ela”, diz frase estampada em cartaz de Rubby Rodrigues. Foto: Arquivo pessoal.

“NÃO SOMOS VISTAS PARA SERMOS AMADAS, MAS PARA SERMOS USADAS”

Atualmente, Rubby diz se sentir em uma condição de privilégio em detrimento de outras colegas trans e travestis que ainda vivem em situação de vulnerabilidade e desprezo social. Ela contou que costuma ter muita procura de outras trans que não querem mais viver na prostituição e que, consequentemente, objetivam procurar outra solução para a vida.

Ainda de acordo com a liderança, travestis, mulheres e homens trans são sim marginalizados. Ao mesmo tempo em que o Brasil é o que mais consome pornografia trans no mundo, o mesmo país aparece em primeiro lugar no ranking dos que mais assassinam estas pessoas.

“Não temos direito à religião, à emprego, à família, e isso tudo na visão cisnormativa porque eles costumam nos colocar abaixo delas. Esse menosprezo é o que nos marginaliza e nos diminui diante de se enxergar dentro uma vida digna, inclusive para ter um relacionamento. A maioria das pessoas que tem relacionamento com pessoas trans não querem assumir, por conta do preconceito. A gente vive toda essa opressão social em todos os ângulos”, comentou, finalizando que é injusto travestis e mulheres trans serem vista como objetos sexuais.

“Por que a sociedade nos enxerga apenas como um objeto sexual, mas não como seres humanos? Nossos corpos estão sendo objetificados, não somos vistas para serem amadas, mas sim para serem usadas”, lamentou.

Homenagem recebida pela servidora Rubby Rodrigues pelo MPAC. Foto: Arquivo pessoal.

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