19 de abril de 2024

Indigenista relembra epopeia de Milton Nascimento no Acre e estabelece relação com obra “Txai”

Um das mais importantes obras da longeva discografia do cantor mineiro Milton Nascimento, que inclui 54 álbuns em mais de 50 anos de carreira, tem ligação direta com o Acre e com a luta dos povos indígenas do Alto Juruá. Trata-se do álbum “Txai”, expressão indígena utilizada principalmente por índios do povo Assaninka do Rio Amônia, em Marechal Taumathurgo, para designar uma pessoa amiga. Portanto, ao lançar o disco, em 1991, Nascimento quis se definir como amigo dos povos indígenas que vivem no Acre.

A epopeia do contato do cantor e compositor com os indígenas do Alto Juruá, ocorrida em agosto de 1991, é narrada pelo sertanista Antônio Macedo, ele próprio chamado de “Txai” pelos índios bem antes de Milton Nascimento vir ao Acre. A presença do cantor no Acre foi definida pelo indigenista como “uma conquista da nossa linda e encantadora região e foi uma missão organizada pelo Centro de Pesquisa Indígena de São Paulo que tinha a frente o Txai Ailton Krenak e Marcos Terena”, escreveu Antônio Macedo. “Nós, aqui no Juruá, à frente do CNS (Conselho Nacional dos Seringueiros) Regional, recebemos de braços abertos e corações floridos o nosso famoso Txai Milton Nascimento e sua qualitativa e sabia caravana do saber”, revelou.

Macedo disse que a época atuava como coordenador regional, nacional e internacional desta da Aliança “Povos da Floresta” no Juruá e por isso foi também o coordenador daquela missão numa visita do cantor à Aldeia dos Assaninkas, no Alto Rio Amônia, na fronteira com o Peru, uma das regiões mais isoladas do país. “Milton já veio designado a conhecer o povo Ashaninka do Rio Amônia. Então subimos o Rio Juruá no Batelão Chico Mendes. O primeiro barco grande que conseguir comprar aqui no Juruá para o CNS. O Rio estava muito baixo, os areais aparecendo mais nossa turma era fortemente esforçada. Então conseguimos chegar com o Barco Chico Mendes até a Cachoeira do Gastão, um pouco abaixo da sede do Município de Thaumaturgo, que naquela época ainda era Distrito de Cruzeiro do Sul”, conta Antônio Macedo.

Benki e o ator Cauã Reymond. Foto: Arquivo pessoal

“Nosso povo era forte e determinado. Nós já havíamos comprado canoas motorizada para todas as comunidades de trabalhadores indígenas e não indígenas”, acrescentou. Por causa do rio com pouca água, os tripulantes do batelão Chico Mendes tiveram que trocar de embarcações, passando para canoas pequenas, capazes de atravessar os locais de pouca água, sem encalhar na areia. “Antes de deixar o barco Chico Mendes para trás, muita canoas que desciam o Rio davam com a mão para nós e gritavam txai Macedo. E nós respondíamos: oi Txai”, disse o indigenista.

A expressão chamou a atenção do artista. “Numa certa hora. Milton me chama e me pergunta: “Seu Macedo, o que significa Txai? Conosco estavam, além da nossa equipe, a equipe do Milton Nascimento, Ailton Krenak, Marcos Terena, Siã Hunikuin, Terri Valle de Aquino, Mauro Almeida, Tânya Murpy, minha companheira Maria Renilza Manaitá (RENA), Minha afilhada Eunice Martins Puyanawa, Francisca Monteiro, da Associação dos Seringueiros e Agricultores da RESEX Riozinho da Liberdade, que ainda não havia sido criada naquela época. Então, traduzi o termo txai para o Milton Nascimento na presença do Siã Hunikuin, dominantes do Termo Txai”. Milton Nascimento ficou calado, mas deu sinais de que havia compreendido perfeitamente o significado daquela palavra.

“Quando o barco chegou à Cachoeira do Gastão, não sendo mais possível continuar a viagem naquele barco grande de 15 toneladas. Do lado de cima da Cachoeira já estavam 13 canoas de índios e seringueiros equipados para nos levar aos Ashaninka e nós fomos em frente”, conta Macedo.

Na subida pelo Rio Amônia, no mês de agosto, com o rio com pouca água e muitos bancos de areia em seu leito, Milton Nascimento viajava na mesma canoa em que Macedo estava. “A canoa encalhava nas areias do rio nos obrigando a descer na água e puxar a canoa rio acima. Milton olhava para mim e, já cansado de puxar canoa, perguntava: “Seu Macedo vai ter água no Rio?” Bom, minha maior função, além de coordenar bem aquela missão, era buscar inspirar o Txai Milton para fazer boas coisas pela nossa região. Então eu respondi: Vai, sim, Milton. Mas, primeiro vem o sacrifício para que se alcancem os benefícios. E assim fomos subindo o Rio Amônia até chegarmos na sede da Aldeia Tawaya”, disse.

“Chegando na Aldeia, apresentamos a caravana ao povo Ashaninka. Chamei o Benki Piyãko, que era criança e pedi que o menino passasse a guiar o Milton ali na aldeia. Já era tarde e logo veio a noite. Larguei o Milton com o Benki e seus familiares e eu e Antonio Piyãko Kuraka Ashaninka, Alípio Ashaninka, Pedrinho do Pedrilho- Pajé Ashaninka e minha companheira Rena, fomos para o barranco do Rio tomar Kâmarãpy (ayuasca) juntos e pedir água para o Rio. Nada fácil. Era mês de agosto quando os rios secam mais nessa nossa região”, acrescentou o indigenista.

No dia seguinte, o rio amanheceu cheio. “O Milton, que tinha visto a nossa conversa de ir tomar Kãmarãpy e pedir água, olha com muita surpresa aquele acontecimento. Foi lindo, gente. Deu musica e que musicas linda. Melhor que isso. Deu trabalho mais gerou o Disco Txai”, contou Macedo.

O disco foi lançado em Rio Branco, no Acre, no Ibirapuera, em São Paulo, na Praia do Bota Fogo, no Rio de Janeiro, em Nova York, Washington. Nos EUA. O disco alcançou o prêmio de primeiro lugar em várias partes do mundo. A música Txai é dedicada a Benki Piãko, que se tornou, além de uma liderança indígena conhecida no país, já participou de filmes e novelas na Rede Globo.

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