Finalmente, após a ida do Presidente Jair Bolsonaro à Rússia, podemos ter uma visão clara do desfecho dessa dita “desastrosa” visita em meio a uma crise entre a Rússia e Ucrânia. São dois acontecimentos simultâneos, porém sem relação direta, no entanto com certo desconforto para os Estados Unidos, para a Otan, para a União Europeia e até para o Brasil. Vamos por partes:
Primeiro, a crise entre a Rússia e Ucrânia ocorre há muito tempo, tendo em vista a pressão da Rússia para que a Ucrânia não faça parte da Otan, que tem como líder seu maior rival, os Estados Unidos. Enquanto a Rússia tenta evitar essa aliança como garantia de apoio bilateral com a Ucrânia, os Estados Unidos têm interesse numa guerra na região. Através de sanções feitas à Rússia (caso eles invadam a Ucrânia), isso obrigaria a União Europeia a adquirir gás liquefeito dos Estados Unidos, que se tornariam monopolistas de exportação para o continente europeu.
Segundo, a visita de Bolsonaro à Rússia é visto como um erro diplomático desastroso por dois motivos: um porque o Brasil, por meio de Donald Trump ocupou uma cadeira de aliado preferencial extra-Otan, posição dada a um país que não é membro oficial da organização, mas passa a ter um relacionamento de trabalhos estratégicos com as Forças Armadas Americanas. Em 2021 parlamentares do Congresso americano já tinham pressionado o governo para retirar o Brasil, considerando o presidente Bolsonaro como um perigoso armamentista e extremista. Mesmo diante disso o Brasil se manteve e tem crescido na visão internacional, pois também faz parte da aliança do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Mundial do Comércio (OMC).
O que se esperava da parte dos Estados Unidos (dado sua participação indireta na Otan) era que Bolsonaro se posicionasse na Rússia como um porta voz da paz. Não foi dito para Bolsonaro cancelar a viagem, nem o fizeram diplomata de nenhuma organização multilateral para levar uma mensagem de paz ou de sanção a Vladimir Putin. Desde a saída de Trump da presidência, a relação dos Estados Unidos com o Brasil tem sofrido alguns incidentes e o presidente americano não tem realizado comunicação com o Brasil, haja vista Bolsonaro demorar a parabenizar o presidente americano pela vitória nas urnas. Além de publicamente se manifestar sobre a questão ambiental do Brasil e tentar interferir nas políticas internas ambientais brasileiras.
Como Biden é da ala progressista e os EUA tem se distanciado do Brasil, Bolsonaro não se intimidou em fortalecer e buscar alianças e parcerias comerciais com a Rússia, como um claro sinal de independência e ao mesmo tempo confronto na esfera ideológica. Do ponto de vista estratégico e geopolítico, não vejo como essa aproximação com Putin seria vantajoso para o Brasil a não ser em termos de política interna do Brasil. Essa postura e aproximação quebra a confiança com a Otan e o Brasil se alia com a potência mais vulnerável (a Rússia) em termos militares, o que pode enfraquecer o Brasil.
A Rússia mantém relações com Cuba e Venezuela e estima-se que mantém presença militar nesses países da América Latina. Isso faz parte da política externa russa de aumentar suas forças aliadas contra o poder dos EUA. O Brasil não pode se aproximar tanto dos opositores da Otan ao ponto de ser implantada bases russas em solo brasileiro. E ao mesmo tempo, deveria tomar cuidado com mísseis russos que (é improvável, mas não impossível), serem apontados para o Brasil através dos países vizinhos. O Brasil é um país pacífico, mas não pode ser um desastre diplomático e deve sim fortalecer suas defesas e seus interesses.
Pelo visto, a visita de Bolsonaro à Rússia ficou somente no campo dos acordos comerciais e de parcerias em ciência, tecnologia, defesa e inteligência artificial, além da cooperação em relação ao clima e ao meio ambiente. Na fala do presidente brasileiro, o recado foi dado. Falou de Deus, de família e de defesa das soberanias nacionais. Para um bom entendedor como os russos, deve ter soado nas entrelinhas sobre qual a posição do Brasil em relação à invasão russa na Ucrânia. O Putin não é bobo.
Já no Brasil, o frenesi da imprensa girou em torno dos memes, que foram entendidos como disseminação de fake news. Como o brasileiro não perde uma piada, criaram vídeos com a fala de Vladimir Putin dizendo que pretendia atacar a Ucrânia, mas por causa do Bolsonaro ele retirou suas tropas da fronteira. Coincidências à parte, Bolsonaro saiu capitalizado diante dessa visita, que era tida como um menino atravessando a avenida sozinho. Enquanto o mundo está assustado com uma possível terceira guerra mundial, o Brasil se diverte, tendo Bolsonaro como o herói que impediu essa tragédia na humanidade. O brasileiro precisa ser estudado. Quem sabe a NASA venha. Ou quem sabe, o Kremlin.