Ele vira noite jogando’: como saber se seu filho usa videogame em excesso

Por muito tempo em casa por causa do isolamento social, João Pedro, de 13 anos, passou a ter uma rotina em que o videogame e os jogos virtuais no PC eram pontos centrais em sua vida. A pandemia fez com que ele mudasse hábitos; para ficar online para as partidas com os amigos feitos pela internet, ele “trocava o dia pela noite”, conta a mãe, a empresária Bia Jocoski.

A situação, comum a muitas famílias, ganhou as redes sociais: Bia publicou um vídeo no TikTok em que comenta que João está com “ressaca de videogame”. Na imagem, ele surge indisposto, tomando café da manhã vagarosamente. O conteúdo teve mais de 2 milhões de visualizações na plataforma e muitos comentários sobre o jovem estar em “marcha lenta”.

Sem voltar à sala de aula, João, conta Bia, passava a madrugada nos games. Em algumas manhãs, ela descobria que o filho levantava da cama para voltar a jogar. Há casos mais graves do que o do menino: a Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconhece distúrbio em videogames como problema de saúde mental. Na classificação oficial, o “distúrbio do jogo” viria da falta de controle sobre o hábito “com precedência sobre outros interesses e atividades diárias”.

@biajoaoebella Bom dia! Pós feriado e aqui estamos começando a vida toda de novo!!! #fy #escola #cafe #cafemanha #bomdia #estudar #fyp #fypシ #fypage ♬ som original – Bia joao e Bella

A organização também classifica que, para que o transtorno do jogo seja diagnosticado, o padrão de comportamento deve ser de gravidade suficiente para resultar em “prejuízo significativo no funcionamento pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional ou em outras áreas importantes de funcionamento e normalmente teria sido evidente por pelo menos 12 meses”.

Para a psicopedagoga e para a psicóloga clínica que atua na área de dependência tecnológica ouvidas por Universa, o fascínio pelo videogame não pode ser demonizado na vida das crianças e dos adolescentes. No entanto, é necessário prestar atenção nos desdobramentos do desenvolvimento físico, psicológico e emocional dos filhos. Entenda.

Videogame na vida das crianças

Permanecer em frente à tela sentado em uma cadeira gamer, conectado a jogadores de qualquer lugar do mundo, passando de fases, “matando” e “morrendo”, se tornou comum na realidade de muitas crianças, principalmente no período pandêmico. Para Bia, que também é mãe de Isabela, de 5 anos, o filho mais velho ficou sob um momento de “exagero” no uso dos jogos.

“Ele ficava jogando à noite e não dava para ter noção até de que horas ele iria dormir. Geralmente, começava às oito da noite. Aí, era na hora de acordar, às 7 horas, que descobria que ele tinha virado a noite. Isso era bem ruim para ele, porque se sentia muito cansado e até doente”, conta a empresária.

Bia conta que ficou preocupada quando, ao organizar uma viagem de família, a primeira questão do filho foi se ele poderia levar o computador para o passeio. O menino ainda brincou um pouco com o videogame que estava no lugar em que se hospedaram, mas logo conseguiu se dedicar a atividades ao ar livre com os primos, conta Bia.

“Brigava muito com ele. Mas, sou uma mãe raiz: agora, com a volta das aulas, já avisei que ele não pode dormir na sala, faltar à escola ou tirar nota baixa”.

Desde 2018, a OMS aborda a formalização do distúrbio do jogo como uma doença, o que foi oficializado em 1º de janeiro. Não sem disputas. De acordo com a Universidade de Oxford, há um grupo de psicólogos dos Estados Unidos que acha que tratar como distúrbio geraria um “pânico moral” sobre o passatempo das pessoas. Há também, diz a Universidade, a possibilidade de se reconhecer que o transtorno é, na maioria dos casos, mais resultado de problemas mentais subjacentes do que a causa deles.

Para a psicóloga Dora Sampaio Góes, a atenção sobre quem se diverte com frequência em frente às telas precisa ser maior quando há comprometimento do desenvolvimento das habilidades sociais.

“A pessoa que fica dependente do jogo ou tem uma rotina de alto uso fica ensimesmada e há alguns estudos a respeito de adolescentes que mostram que, quando têm esse quadro, lidam mal com a frustração na vida, fazem menos esportes, se dedicam menos às relações sociais”, explica.

“Também é necessário reconhecer se a pessoa tem alguma queda de nível de aproveitamento acadêmico ou de aumento de agressividade”.

A psicopedagoga Karin Kenzler, que tem formação em psiquiatria e psicoterapia de crianças e adolescentes, pontua que o uso exacerbado compromete ainda mais a experiência infantil.

“A criança praticamente só movimenta o dedo polegar e tem estímulos cerebrais. Mas também é importante outras atividades, que envolvam a sensorialidade, o tato, o olfato”, comenta. “Que não se resuma a uma experiência de uma tela sintética”.

Na identificação dos sintomas de uma possível dependência dos jogos, a OMS elenca aumento da ansiedade, problemas para dormir, perda de empregos e de relacionamentos; também assinala o uso de uma quantidade insustentável de dinheiro para manter o jogo.

Videogame não pode isolar pessoas

Intervir e conversar com quem está jogando, avalia Dora, não deve ser uma tarefa árdua. “Sentar e conversar, conhecer o jogo, entender o que tem ali para atrair tanto, faz sentido. E vale dizer que há uma questão da idade mesmo, não dá para pegar uma fotografia única de um adolescente só sobre isso”.

Para a psicóloga, quando a situação se dá entre pais e filhos, há algumas formas de estabelecer o diálogo. “Recomendo que se faça acordos inicialmente, tentando estipular quanto tempo vai ficar jogado. Negociar regras, saber se vai comprar ou não os apetrechos para o videogame também faz parte disso. E é fundamental mostrar que, se o filho não obedece às regras, há consequências, como acontece na ‘vida real'”.

Orientações de tempo de tela

Desde fevereiro de 2020, a Sociedade Brasileira de Pediatria mantém uma tabela de tempo indicado de exposição de tela (para menores de 2 anos, por exemplo, a recomendação era evitar totalmente o contato com games; e entre 11 e 18 anos, a recomendação era de duas ou três horas por dia, sempre com supervisão, sem “virar a noite” jogando).

Karin pontua que é recomendado seja manter a moderação, para que a criança ou o adolescente não tenham uma rotina limitante. “É buscar o equilíbrio entre o online e offline, com atividades físicas e virtuais. Considerando que a criança fica oito horas dormindo, oito na escola, as outras podem ser divididas com quatro horas virtuais e quatro offline”.

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