O pequeno Davi Gonçalves Augusto da Rocha Brito, de 11 anos, chama a atenção pela beleza e pelo caminho que está traçando na carreira iniciante de modelo, que pode mudar a vida dele e da família.
A história do menino começou a ganhar novas possibilidades após o registro de uma aparição dele no portão de uma ONG da Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio. Nesta terça-feira (15), ele entrou para o time infantil de uma das maiores agências do país, a 40º Models (veja fotos mais abaixo).
“Ele lembra a menina do Afeganistão, da National Geographic. Ele tem um estilo legal. Dá para ver que é um menino simples, com uma história difícil. Ainda é tímido. Ele ganhou uma bolsa para se preparar para fazer fotos e desfilar”, afirmou Sérgio Mattos, dono da agência.
Mattos, um dos maiores nomes do ramo, com 33 anos de experiência na área, se refere a semelhança do olhar da criança com a de Sharbat Gula, que chamou a atenção do mundo ao aparecer na capa da publicação, retratando a dificuldade dos afegãos que atravessavam a fronteira com o Paquistão fugindo da guerra.
Mattos define a beleza de Davi como “estonteante” e acredita que ele tem futuro no mercado da moda. A palavra vem de quem já trabalhou com nomes como Cauã Reymond e Gisele Bündchen.
Segundo ele, poucas horas após postar a imagem com o menino no Instagram, já recebeu propostas de trabalho para o menino. Segundo ele, é preciso que ele seja preparado e receba aulas antes de começar a trabalhar.
Olhar no portão
Na Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio, onde vive com a família, ele chamou a atenção do presidente da ONG Nóiz Projeto Social, André Melo, ao aparecer no portão da organização.
“A gente estava fazendo uma confraternização de fim de ano lá na ONG e ele apareceu na porta. Eu estava muito próximo do portão e vi o olho dele. Chamou muito a atenção a expressão. Quando eu abri, eu vi aquilo e fiz um clique”, contou André.
A ONG Nóiz possui diversas ações de profissionalização, educação e atendimento psicológico para os moradores da Cidade de Deus.
André postou a foto e um fotógrafo parceiro da ONG, Wallace Lima, se ofereceu para ajudar. Os dois se conheceram por meio de uma amiga em comum, que é assistente social.
“Quando essa amiga postou que estavam montando um projeto pra gestantes sem companheiros e sem acompanhamento, eu ofereci ensaio como forma de dar acesso a fotos profissionais para essas meninas. Assim conheci o André. Quando ele postou a foto do menino Davi, pedindo uma oportunidade, de cara a imagem me chamou atenção, e falei que faria as fotos dele para ajudar na divulgação. O olhar do menino Davi é extremamente expressivo”, afirmou o fotógrafo.
O sucesso nas redes rendeu, então, a primeira oportunidade: ele foi chamado para ser modelo para uma marca de roupas infantis.
Um dos maiores apoios de Davi é a mãe, Taiane Gonçalves, que faz bicos como faxineira e tem outros dois filhos, uma mais velha, de 13 anos; e um menor, de 10 anos.
Disputa por área
Os olhos expressivos de Davi escondem uma história triste que revelam a disputa por territórios no Rio de Janeiro.
Segundo Taiane, Davi herdou os olhos do pai, que já morreu.
“Quando ele nasceu, todo mundo falou: ‘Meu Deus! Moreno dos olhos verdes! A cara do pai’”, contou a mãe de Davi.
Taiane conta que a família vivia na região de Jesuítas, sub-bairro de Santa Cruz, também na Zona Oeste, e chegou a ter um imóvel em um condomínio do Minha Casa, Minha Vida. O vício em drogas e o hábito de circular em áreas comandadas por grupos rivais colocou o pai do menino no radar de milicianos que controlavam a região.
Ao perceber o risco, Taiane se mudou com os filhos para a Cidade de Deus. O pai foi morto pelos criminosos.
“Mataram, tomaram o apartamento e tudo o tínhamos comprado”, contou a mãe das três crianças.
Davi cursa o terceiro ano do ensino fundamental de uma escola municipal na Cidade de Deus e já voltou às aulas presenciais. Segundo a mãe, ela já tinha pensado em levar o filho para posar para fotos.
“Já tinha levado, mais novo, para fazer foto. Mas ele era mais tímido. E nem corri mais atrás”, contou Taiane.
Definido pela mãe como um menino tímido, Davi também é de poucas palavras. Questionado sobre o que acha de ser modelo, ele apenas afirma que acha “legal”.
O sonho de consumo, no momento, é um celular, para brincar de “jogo de zumbi”.
“Falam que ele é bonito e ele fica cheio de vergonha”, conta a mãe, orgulhosa da carreira que o filho pode começar a abraçar.