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Neuralink se aproxima de testes humanos e preocupa especialistas

Por OLHAR DIGITAL

O implante da Neuralink pode estar perto dos testes humanos, mas a comunidade científica se mostra preocupada com a ideia de implantar um chip no cérebro alheio sem uma longa discussão (Imagem: JLStock/Shutterstock)

Elon Musk vai acabar arrumando uma briga com a comunidade científica: com o bilionário anunciando a intenção de implantar chips no cérebro humano (por meio de sua startup Neuralink) ainda em 2022, experts não puderam evitar se mostrar alarmados com a ideia.

Falando ao Daily Beast, diversos especialistas em neurociência expressaram preocupações com o avanço exageradamente rápido da tecnologia desenvolvida pela empresa de Musk, que começou a ser implantada em porcos e já possibilita que macacos joguem videogame. Segundo eles, contudo, talvez a humanidade não esteja pronta para esse salto e o assunto deva ser melhor pesquisado e discutido antes de qualquer ação prática.

“Eu não acho que existe um discurso público suficiente no que tange às implicações majoritárias que essa tecnologia [pode trazer]”, disse ao jornal a Dra. Karola Kreitmair, professora assistente de Bioética na Universidade de Wisconsin-Madison. “Eu me preocupo com a possibilidade de haver um ‘casamento desconfortável’ entre uma empresa focada em seus lucros, e essa intervenções médicas que, torço eu, estejam aqui para ajudar as pessoas”.

Recentemente, Musk confirmou que a Neuralink contratou um diretor de testes clínicos para ajudar nessa transição da avaliação da tecnologia de animais para humanos. O objetivo da empresa de cinco anos de idade é o de, antes, implantar o chip (pouco maior que uma moeda) nos cérebros de pessoas com dificuldades motoras, como tetraplégicos. A ideia não é fazer uma pessoa que não anda voltar a andar – está mais para “alguém incapaz de se mexer controlar seu computador com a mente”.

Entretanto, o próprio Elon Musk já enalteceu desejos maiores, mencionando coisas como “impedir a humanidade de cair no esquecimento” por meio de “download e upload da consciência” em máquinas.

“Por todos os lados, esses são produtos de um nicho bem fechado — se falamos somente de desenvolvê-los para indivíduos paralisados, então o mercado é pequeno, mas os dispositivos serão muito caros”, disse a Dra. L. Syd Johnson, professora associada do Centro de Bioética e Humanidade da Universidade de Medicina SUNY, em Nova York.

“Agora, se o objetivo for o uso dos dados cerebrais adquiridos para outras atividades — dirigir um Tesla, por exemplo — então existe um mercado muito, muito maior. Mas aí todos esses indivíduos usados na pesquisa, que são pessoas com necessidades especiais genuínas, estarão sendo explorados em um estudo arriscado, para o ganho comercial de outra pessoa”.

Outros cientistas que falaram ao jornal disseram que, embora tenham esperança de que a Neuralink use os testes humanos para trazer uma nova forma de terapia para esses pacientes, há ainda uma série de preocupações éticas sobre as quais Elon Musk ainda não se manifestou.

Por exemplo, digamos que um paciente dentro do teste desista dele no meio do processo ou desenvolva algum efeito colateral indesejável. Quando o assunto é um novo remédio, o paciente pode simplesmente escolher parar de tomá-lo. Mas e quando o assunto é, literalmente, um chip no cérebro dele?

“O que eu já vi é que nós somos muito bons em implantar um dispositivo. Mas se algo der errado, nós não temos a tecnologia para explantá-lo [removê-lo] sem causar algum tipo de dano ao tecido”, disse a Dra. Laura Cabrera, pesquisadora de Neuroética na Universidade de Penn State.

Outras preocupações colocam o lado comercial do projeto em xeque: se a Neuralink vier à falência por qualquer motivo, quem vai controlar os dados coletados pelos chips já implantados? Quem fica com as informações pertinentes às atividades cerebrais caso a empresa seja comprada por alguma entidade estrangeira? Qual a durabilidade desses chips e será que a Neuralink cobrirá custos de upgrades – mesmo para os pacientes em testes?

Um cientista — o Dr. James Giordano, da Universidade Georgetown — disse que o uso do chip da Neuralink fora dos testes humanos (ou seja, já em caráter comercial) pode criar o que ele chamou de “mercado de turismo médico”. A população vai competir pelo acesso globalizado à tecnologia, o que não apenas introduzirá, mas também ampliará, o risco de má fiscalização e controle de qualidade.

Isso, considerando que tudo corra bem com os testes e a tecnologia chegue ao mercado sem problemas. Mas há ainda a questão dos “maus atores tecnológicos”. Os cientistas que falaram ao Daily Beast levantaram as preocupações mais óbvias — hackers literalmente invadindo cérebros, vírus de computador infectando um humano pelo chip ou, em notas menos apocalípticas, mas igualmente perigosas, versões “piratas” do chip seduzindo quem não puder pagar pela original.

“O nosso cérebro é o último bastião da nossa liberdade, o ponto mais primordial da nossa privacidade”, disse a Dra. Nita Farahany, uma pesquisadora de tecnologias emergentes na Escola de Direito da Universidade de Duke. “Existe o risco de mau uso por corporações, por governos, por maus atores. Quando você tem uma empresa como a Neuralink prometendo entrar em testes humanos, eu penso que isso deveria deixar o mundo em um estado de alerta, de que a hora para desenvolvermos conceitos mais robustos de liberdade cognitiva é agora”.

É natural que a empresa de Elon Musk tome o centro de todas as discussões, tendo em vista a projeção de mercado que seu CEO tem. Além da Neuralink, ele também lidera a Tesla (dos carros elétricos de luxo), Boring Company (que atua em diversas parcerias com governos municipais e estatais para melhorias do transporte público) e a SpaceX, que desenvolve toda a sorte de tecnologias para o espaço e planeja baratear o acesso ao espaço e colonizar Marte.

Musk tem concorrência? Sim: empresas como Neurable e Synchron também vêm obtendo avanços em pesquisas, mas os cientistas notam que é a Neuralink quem apresenta as maiores falhas no que tange à conversa ética do projeto.

“Com essas empresas e líderes de empresas…eles meio que são ‘apresentadores de um show’”, disse a Dra. Cabrera. “Eles fazem todas essas afirmações exageradas, hiperbólicas, e eu acho isso muito perigoso. Porque muita gente vai acreditar neles cegamente. As controvérsias de Musk, especificamente, fazem nós nos preocuparmos com suas outras afirmações. Eu sempre tenho cautela com as coisas que ele diz”.

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