A Deusa da Floresta
Pensava a toda hora, olhava o relógio impaciente, indagando se tal trabalho terminaria logo. Tínhamos saído cedo rumo a Sena Madureira, devíamos trabalhar duro para garantir que os telefones da cidade funcionariam rápido e as ampliações que faríamos na central telefônica seriam bem aceitas e normais. Chico, um colega meu, também estava cansado e viajou comigo de Rio Branco até aqui, sentia que ele estava louco para terminar os testes para ficar livre e vagabundar. Era um grande paquerador e já tinha intenções de conquistar uma garota…
Confesso que estava desiludido, apesar da excelente companhia do Chico, não tinha ânimo de ficar com garota alguma, pensava em trabalhar e terminar logo aquele serviço complicado, pois sentia um vazio no meu coração que estava me torturando e compelia a buscar o amor em todas as formas, mas nada acontecia. Trabalhava muito para disfarçar o medo e a desilusão, aceitando ir no interior, em qualquer lugar que me ocupasse e não fizesse pensar nisso.
Engano meu, cada vez que via um belo corpo moreno de uma garota, sonhava nos prazeres sem limites e na totalidade de uma vida realizada através de um relacionamento que me fizesse sentir completo, assim o conflito acontecia dentro de mim para saber se acontecia ou não a grande oportunidade e se eu soltaria a frustração do passado com coragem de olhar o futuro. Chico chega e em seguida fala:
– E aí Ará? Meu irmão, tu estás muito jururu, pra baixo, se solta, vamos depois tomar um chopinho na pracinha e apreciarmos aqueles “filés”, certo?
Chico dizia tudo com um bom humor irresistível, que contagiava e acabei aceitando, indo com ele até o local referido. Chegamos lá no começo da noite e por se tratar de um dia de sexta-feira, era natural que estava fervendo de gente e conforme notei, não demorou muito para que várias garotas interessantes surgissem, meu colega não perdeu tempo e logo acenou para um grupo delas, rapidamente elas vieram pra nossa mesa e começaram a papear, muito simpáticas.
– Linda você, que olhos mágicos, né? – Dizia o Chico para a mais alta garota do grupo, que tinha olhos verdes, cabelos cacheados pretos e gostava muito do elogio do meu amigo.
– Seu amigo é tão namorador assim? – Perguntava ela com um sorriso, entrando no clima do momento.
– Não sei, ele é bastante sem vergonha, mas é boa gente! – Respondi com sorriso e bom humor, observando a cara de pau do Chico.
Em seguida, rolou um clima de descontração que proporcionou vários assuntos e meu amigo conseguiu impressionar as garotas, principalmente a de olhos verdes, enquanto isso, me fechava sutilmente, até o momento que uma das garotas me olhou atentamente e tocou suavemente em minhas mãos:
– Oi tudo bem? Não está viajando em Marte não, né? – Perguntou sorrindo e me olhando fixamente.
– Apenas divagando onde o coração não alcança… – Respondi olhando pra ela e notando uma energia muito diferente.
A garota tinha olhos castanhos, pele morena jambo, cabelos cacheados longos e rosto angelical, sendo impossível ficar fechado por muito tempo perante tal beleza.
– Busco aliviar a dor de uma perda perante uma difícil escolha, quero uma nova oportunidade, alguém de forma e substância. – Declarei olhando-a com atenção, sorrindo, ela disse:
– Você quer mesmo ficar sofrendo pelo fato de deixar um amor em São Paulo? Quer mesmo sofrer essa tortura de culpa, quando foi necessário agir assim? Liberte sua mente e sua alma! Se você olhar pro seu coração irá conseguir! Temos uma tradição por aqui, sempre vamos para o rio e pedimos a Yara que conceda um desejo, funciona se acreditar.
– Isto irá funcionar mesmo? – Perguntei bestificado com tudo que ela disse. Como ela sabia daquilo, como me conhecia daquele jeito? Fiquei curioso e espantado.
– Podemos ir ao rio juntos e fazermos o pedido, agora, você tem que acreditar para que isso aconteça, certo?
– Se fizer contigo, verá que acredito. Vamos ah..?
– Dayara e você?
– Arabutam.
– Um nome muito especial, significa fogo que vem do centro da terra, algo forte e poderoso capaz de mudar e transformar, você acredita nisso?
– Acredito e talvez você me ensine mais, quem sabe, né? – Respondi sorrindo, com olhar de mistério e novamente impressionado com ela e com o conhecimento que tinha, era algo inusitado e raro de ver.
Nessas alturas, o Chico tinha ficado completamente envolvido com as outras garotas e já estava arrastando asas para a garota alta de olhos verdes, parecia que a noite ia prometer para ele, então Dayara me puxou pela mão para acompanhá-la rumo ao rio, Chico piscou pra mim num gesto de aprovação e assim fui com ela.
Chegando no rio, Dayara me olhava com muita ternura, sentia que me conhecia a muito tempo e lia praticamente o que se passava na minha cabeça, então declarou:
– Arabutam não há mais necessidade de ficar sofrendo, você é diferente e nobre o bastante para viver algo novo e completo, acredite, você merece! – Dizia com uma convicção interior que estimulava muito.
– Como se pede a Yara? – Indaguei ansioso para fazer o costume local e imaginar que aquela mulher talvez seria o toque do destino em minha vida.
– Me dê sua mão e com seu coração diga comigo as palavras que direi, assim estará completo e feito.
– Está bem. – Respondi admirando seu corpo escultural e atraente.
– Oh Yara, conceda a este que aqui está o poder de se libertar e viver um novo caminho, onde a alquimia do destino aja e una carne e espírito, desejo e coração, fazendo dois serem um só!
– Repetia cada palavra dela e sentia uma arrebatamento, podia ver coisas do passado, presente e futuro, senti um tesão indescritível, de forma que desejava ela mais do que tudo. Bastou apenas olhar pra ela e me entreguei a paixão:
– Eu quero você, quero entrar dentro de ti, sentir o que sente, ser o que você é, querer o que quer e elevar essa energia cósmica até o limite do espaço-tempo, pois mexeu comigo e agora viverei esse mistério! Me ame agora!
– Claro que te quero, esperei muito tempo por você! – Dizia com um brilho misterioso no olhar que parecia séculos e uma doçura carinhosa sem noção… A noite estava com lua cheia e perfeitamente iluminada de forma que era possível ver o rio e a paisagem onde estávamos, assim como o contorno do corpo perfeito dela e seu delicioso perfume.
Nos entregamos ao desejo e explorávamos o corpo um do outro, me sentia queimar por dentro e a paixão se tornava avassaladora, tinha certeza que ela era o diferencial.
Então foi o sexo tocando o sexo e entrei dentro dela, dois se tornaram um só atingindo o profundo êxtase cósmico, fazendo espaço-tempo desaparecer, me libertando e purificando na alma. Um pouco atordoado ouvi as palavras dela:
– Yara tem muitas filhas, algumas com o poder de realizar um homem especial como você, busque sua felicidade sem medo, pois irá encontrá-la dentro de você, no seu coração. Confie em sua intuição ela lhe mostrará o caminho e estará contigo, se quiser lembrar de mim, olhe o rio.
– Quero você como diferencial na minha vida minha deusa! Nada é por acaso…
– Estarei sempre com você, te acompanho a um longo tempo e é hora de você usar seu poder, seu conhecimento e mudar. Você viverá um mistério, nem sempre será o que parece, mas será feliz, confie em seu coração.
Ouvi tudo extasiado e adormeci profundamente, tive a impressão de alguém mergulhando no rio e ao acordar percebi que estava no hotel e todo aquele cenário desapareceu. Fiquei atônito sem entender como tinha parado ali, então fui procurar o Chico:
– Chico, acorda, preciso falar com você!
– Mas rapaz! São seis horas da manhã e tu tá me atormentando Ará? Vá pra bacha da égua, vá!
– Não Chico, é importante, juro, quero saber das garotas da pracinha, e a garota alta de olhos verdes que ficou contigo, pois ela acompanhava a Dayara, diz aí!
– Tu tá doido é? A gente só tomou uns chopinhos e só, não teve nada não! Te levei pro hotel e te coloquei na cama, pois você desmaiou… Deve ter sonhado tudo isso…
– Mas como, eu vi tudo isso e senti e …
– Tá bom, você é que tá encanado com tudo isso hein? Coloca coisas na cabeça e fica nessa piração… Hoje terminaremos o serviço e voltaremos pra Rio Branco, tá bom?
– Tudo bem, talvez esteja cansado mesmo – Respondi aceitando num tom desanimado, que se recusava em acreditar que tudo aquilo foi sonho.
Á tarde terminamos o serviço como planejado, todos os testes foram normais e as ampliações da central telefônica foram aprovadas, seguimos eu e o Chico pra Rio Branco e ao chegar ele me deixou em casa e pediu pra descansar.
– Vamos lá campeão, segunda é dia de batalha, curte bem o fim de semana, mas nada de birita, hein? – Disse ele em tom de piada, a qual fiz um gesto de tudo certo e ele partiu.
Ao me recolher na cama, não deixava de pensar nela e se aquilo tudo foi mesmo sonho… Não queria acreditar nisso…
No domingo tinha o costume de curtir um pagodinho num barzinho perto de casa, me aprontei e fui sair. Quando cheguei lá a intuição disparou e sentia uma presença diferente, então vi com surpresa uma moça idêntica a Dayara, quase perdi a fala… Ela me olhou fixamente e então me aproximei:
– Meu nome é Arabutam e o seu?
– Yara – Respondeu sorridente.
– Você é a deusa que aparece e some repentinamente?
– Olhe pra dentro de você e saberá a resposta…
Humm, depois desta não tinha dúvida que o que aconteceu era mais que sonho, um mistério, mas eu o viveria de forma a acreditar no infinito. E a noite apenas começava…
Dedico esse conto ao saudoso amigo Chico Maia, profissional excelente, amigo maravilhoso e grande pessoa, fique em paz onde estiver! Também dedico ao professor Moacyr, incrível personalidade de Sena Madureira e as yaras Socorro, Letícia, Ingrete e Rafaela, mulheres maravilhosas que me ensinaram a ser um homem forte, flexível e sensível, amo todas vocês! Um abraço especial a todos os acreanos e povos da amazônia! E a deusa e as deusas que sempre estão em meu caminho!
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