Padre Paolino: missionário do amor e defensor dos pobres

Uma vida de entrega ao serviço pelo povo da floresta fez com que a comunidade acolhesse o frei com respeito e admiração.

O DESPERTAR

A missão de frei Paolino Maria Baldassari começa em Quizano, nas proximidades de Bologna, Itália no dia do seu nascimento 02 de abril de 1926. Sua experiência religiosa teve início em setembro de 1940 quando entrou no Seminário Menor dos Servos de Maria.

Em 18 de novembro de 1950 aconteceu a sua primeira viagem para o Brasil, com o primeiro grupo de jovens frades, criado pelo Padre Provincial Giuseppe Maria Gherardi. Ao terminar o curso de Teologia no Seminário Maior em São Paulo, foi ordenado sacerdote no dia 29 de dezembro de 1953 pelas mãos do Bispo Paolo Lorin Loreiro.

De acordo com o livro Escritos de uma vida missionária, lançado em 2018, frei Paolino foi enviado como missionário para o Estado do Acre para cuidar do Centro Missionário de Brasiléia, onde construiu a igreja e a torre do sino. Depois esteve na antiga capital do Acre, Sena Madureira, indo posteriormente para o município de Boca do Acre (AM), retornando mais tarde para Sena Madureira, onde desenvolveu plenamente suas atividades.

MISSIONÁRIO

Frei Paolino realmente vivia uma vida de entrega e missão pelo povo acreano. Ele desenvolvia uma forma única de evangelizar, se fazia presente nas comunidades, ia ao encontro dos fiéis até nos lugares mais afastados da cidade. Seu objetivo era ter uma vida em comunhão com o povo buscando sempre compreender a sua mentalidade, para depois, com muita paciência, adaptar a catequese à sua realidade.

Raimundo Cruz que hoje é funcionário da Paróquia de Sena Madureira, participou de muitos momentos ao lado de Paolino, e quando questionado sobre qual palavra o defina ele disse AMOR. “Com ele eu aprendi a ser uma pessoa melhor, inclusive, até hoje eu continuo na missão. AMOR é a palavra que o resume porque tudo que ele fez pelas comunidades e por mim foi por amor. Ele buscava sempre demonstrar que devemos amar as pessoas como Jesus nos amou”.

Frei Móises, pároco de Sena Madureira, conta como foi a sua relação com o frei Paolino. “Tive meu primeiro contato com frei Paolino e sua história no Acre no ano de 2005 durante nosso Capítulo Provincial, assembleia anual dos Servos de Maria, quando ainda era seminarista. Naquele tempo muito me encantou o modo apaixonado como ele falava das missões e de sua vida no Acre e nos convidava para também tomarmos parte na missão.”

Ao longo dos anos, frei Paolino, buscou diversos meios para que a evangelização chegasse até aqueles que mais necessitam e então surgiram as desobrigas. “Aqui nesta região amazônica, cortada por grandes rios e enormes distâncias, o método de evangelização adotado foi a desobriga. Como havia a obrigação de confessar-se uma vez ao ano e fazer a comunhão pelo menos na Páscoa e muitas pessoas não tinham condição de chegar na cidade, a visita periódica do missionário liberava dessa obrigação”, explica frei Franco Azzalli em seu livro O prego e a medalha.

Nessas desobrigas, Paolino, conheceu muitas famílias, fez muitas amizades, ele era muito querido e amado. Segundo Raimundo, quando o frei Paolino chegava nas comunidades a reação era de pura felicidade. “O povo esperava o padre para batizar seus filhos, casar, participar da missa, mas também esperavam um defensor, pois sempre que voltávamos das desobrigas, o padre trazia muitos problemas da comunidade para tentar resolver”.

Frei Franco descreve em seu livro que a chegada do missionário na comunidade era só alegria e todos se organizavam do melhor modo possível. “Limpavam a capelinha, ornavam o ambiente com flores e bandeirinhas coloridas, limpavam as sendas da margem do rio, ensaiavam os cantos. Ao aproximar-se a embarcação, todos corriam para a margem do rio”, fala.

O trabalho do frei Paolino não era só religioso, mas também tinha um cunho social. Ele construiu cerca de 50 escolinhas, principalmente nos rios Iaco e Purus. “Uma coisa que ele me falava bastante era que muitas famílias que iam batizar seus filhos nas desobrigas não sabiam nem ler e nem escrever”, afirma Raimundo. Cada escolinha era construída com as ajudas que recebia de seus benfeitores italiano, assim como também pagava a professora ou o professor que deixava em cada seringal para que cumprisse com a missão de alfabetizar e evangelizar.

O MÉDICO DOS NECESSITADOS

Além da viagens para os seringais, frei Paolino, realizava atendimento médico gratuito para a população de Sena Madureira usando da medicina florestal. Vanda Gadelha sofria com hemorragia e já estava com dois meses debilitada, quando chegou em Sena foi se consultar com o frei. “Ele receitou que eu tomasse suco de limão puro em jejum, sem água, e eu comecei a tomar devagarinho e aos poucos fui melhorando”.

Vanda lembra que na época o ginecologista disse que a única forma de ela ser salva era fazendo uma cirurgia de urgência, mas que para isso precisaria ter uma melhora no sangramento para realizar uns exames antes. “Frei Paolino me disse que o chá de unha de gato curava, que ele já tinha curado muitas mulheres com cisto, mioma até do tamanho de uma laranja, que eu não me preocupasse que eu iria ficar boa”, declara.

Depois de três meses de tratamento, Gadelha refez a ultrassom e o médico não viu cisto e nem mioma. “Quando eu comecei o tratamento eu estava em um estado bem delicado, de anemia total, meu coração já não estava mais resistindo, eu estava a ponto de morrer mesmo, é tanto que eu fui ao cardiologista e ele detectou que eu não tinha problema no coração, mas eu estava morrendo de anemia, eu simplesmente não tinha forças nem para ficar em pé”, afirma.

Frei Móises cita o quanto Baldassari se doava para cuidar dos mais necessitados. “Nossa convivência aumentou no ano de 2016 quando vim morar em Sena Madureira, tendo como uma das missões cuidar do frei Paolino, que já não se encontrava muito bem de saúde. E não foi uma missão fácil, porque ele não fazia os repousos necessários, pois para ele eram mais importantes os doentes que o esperavam na frente da igreja do que a sua própria saúde. Nesse curto período de três meses pude ver mais de perto o belíssimo trabalho por ele realizado, sua vida de oração, sua dedicação à missão.”

A MORTE

No livro O prego e a medalha, frei Franco, descreve como foram os últimos dias de Frei Paolino. Dia 28 de março, segunda-feira da Páscoa, enquanto consultava e atendia doentes, sentiu-se mal. “Ele se sentiu cansado e abaixou a cabeça como se estivesse dormindo. Foi logo chamado o Samu que constatou pressão muito baixa… Foi transferido para Rio Branco e, na viagem, seu coração parou duas ou três vezes. Também o coração de Sena Madureira parou. Foi um dia difícil”.

Frei Paolino Baldassari faleceu em Rio Branco dia 8 de abril de 2016, depois de ter vivido noventa longos e intensos anos, sessenta dos quais como experiência religiosa e missionária no Estado do Acre, principalmente em Sena Madureira e ao longo dos rios da região.

Seu túmulo está localizado dentro da igreja Nossa Senhora da Conceição em Sena Madureira e recebe muitas visitas, o local é rodeado de fotos e mensagens deixadas por admiradores e amigos. “Faz tempo que eu não posso ir lá por conta da pandemia, mas antes disso, todo domingo que eu ia para igreja eu visitava o túmulo, é uma forma de me manter próxima a ele”, disse Clotilde Alves.

HOMENAGEM

Após a sua morte muitas homenagens foram preparadas afim de preservar a memória desse homem que veio da Itália para o Brasil e a partir de então adotou o Acre como sua casa.

A “Mini Maratona frei Paolino” virou uma tradição no município e foi realizada pela primeira vez em 2000 para homenagear o Padre Paolino Baldassari. A competição é organizada em sua homenagem pela rádio local. Trata-se de uma corrida de pouco mais de dez quilômetros, ao longo da qual alguns correm, outros aplaudem e outros fornecem água aos corredores.

Em 2018 aconteceu a inauguração da Casa de Oração frei Paolino. “A intenção é fazer com que a memória de Paolino não seja esquecida, lá vamos poder nos reunir para fazer o que de fato ele vivia: fé e oração”, fala o Pároco de Sena, frei Móises.

Raimundo fala que antes de morrer, frei Paolino, incentivou para que ele continuasse com as desobrigas. “Eu acredito que na nossa última conversa, já bem perto da sua morte ele me disse: Raimundo, você conhece as nossas comunidades, você conhece as nossas gentes, você sabe quais são as dificuldades, eu não tenho mais condição de ir, mas eu lhe peço uma coisa, não desista, leve os nossos padres até as nossas gentes, gente sedenta e humilde que precisa”.

Cruz destaca que antes da pandemia eles conseguiram reunir mais de 200 pessoas por três dias para formação. “Eu fundei um grupo chamado Frutos do Paolino que serve para dar formação lá dentro da comunidade, onde eu mesmo sou o formador, estudo teologia para continuar esse trabalho. Através desse projeto continuamos levando o trabalho de frei Paolino até as comunidades”.

MEMORIAL

Um dos projetos mais recentes para preservar a lembrança de frei Paolino em Sena Madureira é a construção do Museu. Questionado, o pároco de Sena, fala que o museu surgiu como uma forma de mantermos viva a memória de frei Paolino. “As gerações de hoje conhecem, e muitos fizerem parte, de sua história, mas e as futuras gerações? Foi essa a motivação da construção do museu, que as próximas gerações possam também conhecer a belíssima história de vida dele”.

No museu serão expostos objetos do padre Paolino, tais como, batina, paramentos médicos, uma réplica do barco que ele usou em suas desobrigas, dentre outros. De acordo com Roberto Nasserala, o prédio está pronto, mas não finalizado, uma vez que falta um vidral com uma imagem do padre Paolino, dentre outros detalhes. “Não temos previsão, ainda, de quando será inaugurado, tendo em vista a situação em que estamos vivendo, motivo pelo qual a obra ainda não nos foi entregue”.

Roberto esteve à frente do projeto do museu e conta que o museu não foi feito com intuito de aumentar o turismo em Sena, mas acredita que vai acabar contribuindo. O nosso intuído não foi o fortalecimento do turismo em Sena, mas, tendo em vista que o Frei Paolino é muito conhecido e amado, não só em Sena Madureira, mas até fora do Brasil, acreditamos que o museu venha a fortalecer o turismo em nosso munícipio”.

Baladssari se dedicou inteiramente a missão até o último segundo da sua vida e foi um grande exemplo de fé para todos os cidadãos de Sena Madureira. “O maior ensinamento que aprendi com frei Paolino foi seu amor e dedicação pela missão, seu espírito de serviço. Tanto que no dia que ele passou mal e precisou ir para Rio Branco, ele já não estava bem no café da manhã. Lembro que recomendei que ele descansasse um pouco e eu iria na paróquia dizer que ele não iria poder atender naquele dia. Saí para fazer umas compras e quando voltei ele estava no consultório atendendo, foi quando passou mal e tivemos que levá-lo para Rio Branco”, finaliza frei Móises.

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