Em artigo, Beth Passos escreve sobre Dia do Trabalhador e ‘Escravidão Contemporânea’

O Brasil vive atualmente a sua terceira fase de escravidão moderna, entretanto, não se trata de um fato exclusivamente nacional, pois difundido pelo capitalismo informacional que vem reconfigurando o mundo em dois grandes blocos de países e regiões.

De um lado, os países produtores e exportadores de bens e serviços digitais e, de outro, os demais países passivamente importadores dos mesmos bens e serviços digitais. Pela nova Era Digital, a organização da produção e distribuição da economia tem sido operada pela expansão dos algoritmos geridos por grandes corporações transnacionais, sejam do ocidente, sejam do oriente. O fato é que na nova divisão da era digital internacional do trabalho, os países ricos continuam controlando os serviços mais sofisticados. Ao demais, resta ilusão do “empreendedorismo”, que reduz tempo humano à produção incessante de dados e esvazia identidades e pertencimento coletivo.

O resultado disso tem sido acompanhado por relatórios de diversas instituições de pesquisa e consultorias que explicitam o avanço da desigualdade no mundo e, sobretudo, o explosivo fluxo migratório internacional. Movidas pela dinâmica da financeirização do capital, proliferam-se múltiplas formas de combinação profundamente desigual do expansionismo de grandes corporações transnacionais no Ocidente. No Oriente, por outro lado, a resposta de grande parte das corporações transnacionais é conduzida pela presença da intervenção coordenada do Estado.

Além disso, a lucratividade é acrescida da queda na taxa de salários proporcionada pela oferta abundante de mão de obra gerada no neoliberalismo, que reduziu direitos sociais e trabalhistas. Ao mesmo tempo, a competição no interior do mundo do trabalho se acirra com o movimento imigratório internacional, conformado, inclusive, pela fuga de cérebros das economias subdesenvolvidas.

Assim, os países predominantemente consumidores de bens e serviços digitais dependem, em geral, da produção e exportação neoextrativista dos seus recursos minerais e vegetais. Ademais de comprometerem aceleradamente seus próprios biomas, com a devastação ambiental promotora de crises virais sucessivas, esvaziam a soberania, dependendo da tecnologia comprada do exterior e comandada pelo poder privado dos algoritmos controlados pelas grandes corporações transnacionais.

Para a classe trabalhadora, o que tem restado diante do neoexpansionismo agropecuário e mineral exportador a concentrar renda e a restringir empregos no campo, são as precárias ofertas de trabalho comandado por algoritmos próprios do capitalismo de plataformas. Nesse sentido, a expressão da escravidão sobre novas bases técnicas e ideológicas ganha expressão, tendo o trabalho comandado pelo senhor proprietário do algoritmo a exclusiva resposta ao desemprego.

A obediência ao senhor da Era Digital tem sido plena, sem limites de tempo de trabalho, garantia de renda e direitos sociais e trabalhistas, plugado permanente nas redes de produção de dados convertidos em riqueza apropriada por cada vez menos proprietários da datificação da sociedade. Sob a grife do empreendedorismo, o trabalho é explorado até a sua última gota física e, , a exploração subjetiva da condição humana.

No passado, a escravidão moderna convergia na apropriação física sem limites, porém desapegada da exploração subjetiva da condição humana. Em função disso, havia a possibilidade de resistências diversas, movidas pela cultura e valores próprios que alimentavam continuadamente a esperança da liberdade através das mobilizações em torno da abolição escravista.

Nos dias de hoje, a conexão digital contribui para esvaziar valores e cultura concernentes com a possibilidade de obtenção da liberdade plena.

Sintetizando, a oferta crescente do tempo de vida para trabalho de conexão digital contínua subordina-se à ideologia consumista que esvazia o sentido da existência humana, crescentemente dependente do uso de drogas legais ou ilegais convivendo com a depressão, o grande mal do século 21.

A trajetória histórica brasileira foi constituída por duas diferentes fases da escravidão moderna.

A primeira, durou praticamente três séculos, foi relacionada ao sistema colonial europeu. A montagem portuguesa da primeira cadeia global de produção de produtos primários integrou três diferentes continentes. A África, através do tráfico negreiro ofertando escravos ao sistema de plantation de monocultura em grandes escalas no Brasil colonial, esteve articulada ao comércio de produtos primários endereçados ao mercado europeu.

Com a independência nacional, em plena decadência do sistema colonial europeu, o Brasil decidiu autonomamente assumir a segunda fase da escravidão, conectada à ordem capitalista liderada pelos interesses ingleses. Enquanto grande parte dos países ancorados no uso do trabalho escravo o foi abandonando pela inserção no capitalismo no início do século 19, os Estados Unidos e o Brasil optaram por levar mais adiante uma segunda fase escravista, concentrada exclusivamente na população negra africana.

Nos dias de hoje, a divisão de mundo imposta pelo capitalismo informacional oferta aos países dependentes da tecnologia externa e fundamentalmente importadores de bens e serviços digitais, a plataformização do trabalho. Um labor emburrecido e robotizado que consolida a terceira fase da escravidão, não mais diferenciando raça e cor, muito menos sexo e diferentes faixas etárias e de escolaridade.

A difusão dos trabalhos gerais, despossuídos de identidade e pertencimento coletivo, transcorre pelo neologismo do empreendedorismo que dissolve relações salariais, substituídas pela relação débito-crédito como se fosse um negócio qualquer. Dessa forma, o trabalho é regredido a mercadoria descolada da Justiça do Trabalho, pois concebido como negócio entre partes iguais e submetido ao direito comercial, sem representação coletiva como associação, sindicato e até mesmo partido político.

Ao ser concebido por relação individual, o empreendedorismo de si próprio configura na Era Digital como a terceira fase da escravidão. No trabalho conduzido pelo senhor proprietário do algoritmo, o tempo humano se consome na produção de dados sem cessar, revelando o desespero de acessar – legal ou ilegalmente – qualquer atividade que ofereça algum crédito necessário para suprir o débito da própria sobrevivência. A precarização do trabalho do jornalista e a digitalização, é o próprio retrato da escravidão atual. A profissão mais antiga e necessária do mundo, criada para registrar a evolução da humanidade foi levada a pejotização, enxugamento de redações e profissionais sem tempo e autonomia, submetidos a lógicas embrutecedoras. Uso de Inteligência Artificial para produzir textos que podem degradar cada vez mais a atividade.

Não esmorecer jamais. O 1° de maio surgiu como símbolo mundial da luta por direitos trabalhistas. Sua criação foi fruto de uma história de lutos e lutas da classe operária.

Beth Passos

Jornalista

PUBLICIDADE
logo-contil-1.png

Anuncie (Publicidade)

© 2023 ContilNet Notícias – Todos os direitos reservados. Desenvolvido e hospedado por TupaHost