Prestes a completar 60 anos, eleitora transexual votará pela primeira vez usando título com nome social: ‘Só agora estou viva de verdade’

As eleições de 2022 terão um significado especial para a faxineira Ana Paula Aparecida da Silva, de Mogi das Cruzes. Prestes a completar 60 anos, essa será a primeira vez que ela, uma mulher transexual, poderá votar com o nome social.

Uma conquista que chega após décadas de constrangimento. Ansiosa, ela já se imagina entregando o título de eleitor, estampado com o nome feminino, nas mãos do mesário. O exercer da democracia livre dos olhares de julgamento e da vergonha.

“Vou fazer 60 anos em junho e posso dizer que só agora estou vivendo. Só agora estou viva de verdade. Estou ansiosa. Estou ansiosa pra ver meu nome no título e levar no dia de votar”.

Ana Paula Aparecida está ansiosa para votar com o título com seu nome social — Foto: Reprodução
Ana Paula Aparecida está ansiosa para votar com o título com seu nome social — Foto: Reprodução

A mudança é possível porque neste ano o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que os títulos eleitorais de pessoas transgênero – que têm uma identidade diferente do sexo biológico – trará apenas o nome com o qual se identifica, omitindo o de registro.

A alteração também vale para quem se candidatar. Inicialmente, a resolução que permitiu a participação de pessoas trans nas cotas de gênero dizia que o título eleitoral informaria o nome de nascimento. Porém, o TSE mudou de ideia e disse que isso não vai acontecer.

Viva de verdade

A eleitora conta que esse é um dos primeiros documentos que ela consegue emitir com o nome social. No RG ainda está o masculino, registrado no nascimento. Quando adolescente, ela até tentou mudar isso, mas o plano funcionou apenas por um tempo.

“Eu fui registrada com o nome masculino, que meus pais me deram. Mas quando eu era adolescente, precisei fazer outros documentos e tirei tudo com nome de mulher. Me registrei como Ana Paula”, relembra.

“Não sabia o que estava fazendo. Acabaram descobrindo quando eu tinha uns 30 ou 40 anos. Eu devo ter contato pra pessoa errada e me denunciaram. Tive que tirar tudo de novo com nome de registro”, completa a faxineira.

Agora ela quer fazer diferente e explica que está tentando tirar os documentos com nome feminino de acordo com a lei. O objetivo é evitar as situações desconfortáveis e preconceituosas em outras ocasiões, como nas consultas médicas.

“Hoje até que é mais liberal. Na minha época foi muito complicado. Sofri muito. Meu pai era muito firme. Pra eu colocar as roupas que eu gosto, eu tinha que andar muito mais, fazer um caminho mais longo, e vestir no caminho”.

“Atualmente não. Eu vivo 24 horas mulher. Se eu for ao hospital, eu passo um momento muito difícil. Eu ando 24 horas como mulher. Eu nunca uso roupa que não seja vestido ou saia. Quando me chamam pelo nome masculino, eu morro de vergonha”.

O novo título, para Ana Paula, é um presente de aniversário antecipado. Nascida em junho, ela diz que, só agora, sente que está vivendo a vida que planejou. Agora, a eleitora torce para que outras pessoas trans também vivam o mesmo.

“Eu me sinto tão feliz. Espero que Deus me ajude e eu consiga tirar tudo. Que outras pessoas como eu também consigam. Assim, vou ficar mais segura. Vou poder andar mais tranquila e me apresentar como Ana Paula”.

Eleições 2022

Em 2022, a votação será para escolher presidente, governadores, senadores e deputados. O primeiro turno das eleições está marcado para 2 de outubro. Já o segundo turno, nos estados e nacionalmente, caso preciso, ocorrerá em 30 de outubro, último domingo do mês.

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