Trindade (Gabriel Sater) sempre arrepia o público ao incorporar o diabo em Pantanal. O peão não desperta apenas medo ao alegar que fez um pacto com o coisa-ruim, mas também fascínio –especialmente com a dúvida se o filho dele com Irma (Camila Morgado) terá chifres. Ele, no entanto, está bem longe de ser a única figura endiabrada nas novelas da Globo.
O pacto mefistofélico é um dos temas mais abordados por Benedito Ruy Barbosa, o que claramente não é um sinal de que o autor vendeu a alma em troca de sucesso. Ele, na verdade, tem um olhar apurado para o interior do Brasil e para as suas particularidades religiosas –tão fundamentais em folhetins como Paraíso (1982).
A produção, que ganhou um remake em 2009, brinca justamente com o apego popular tanto ao que é mais sagrado quanto ao que é mais profano. A dualidade é representada no amor proibido entre a beata Santinha (Cristina Mullins) e o “filho do diabo” José Eleutério (Kadu Moliterno).
A obra de Ruy Barbosa dá vazão às inúmeras histórias sobrenaturais que boa parte do público já ouviu ao morar ou viajar pelo interior. O capeta está sempre à espreita. O espectador que não tiver um bom causo para contar, no mínimo, já ouviu falar daquele primo do vizinho que por motivos alheios não tira o chapéu de jeito nenhum.
Tião Galinha (Osmar Prado) faz parte desse grupo que dá ouvido às crendices em Renascer (1993). Ele tinha certeza de que a fortuna do coronel José Inocêncio (Antonio Fagundes) vinha de um cramulhão que mantinha dentro de uma garrafa –gastando boa parte das suas energias para capturar um capetinha também.
Tião Galinha (Osmar Prado) em Renascer
Vade retro
Depois do diabo, a figura religiosa mais importante da obra de Benedito Ruy Barbosa é o padre. Em Pantanal, Antônio (Ademir de Souza) pôs à prova a Teologia da Libertação para ajudar Maria (Juliana Paes) e Gil (Enrique Diaz) a reaver as terras roubadas por grileiros.
O próprio José Leôncio (Marcos Palmeira) avisou que os filhos vão disputar uma raia para saber quem fica com sela de prata durante as festas dos santos –em referência às comemorações a Santo Antônio, São João e São Pedro.
Encarnação (Selma Egrei) chegou a molhar a mão de padre Romão, interpretado por Umberto Magnani (1941-2016), para colocar a neta como Nossa Senhora numa procissão de Velho Chico (2016). A novela, aliás, chegou a ter outro pároco com a chegada de Benício (Carlos Vereza) –que entrou na história após a morte de Magnani, ocorrida antes do fim da novela.
Josiane (Agatha Moreira) em A Dona do Pedaço
Coisa-ruim
Além das tramas de Ruy Barbosa, o diabo também já fez algumas outras pontas em produções da Globo. A vilã Cristina (Flávia Alessandra) foi arrastada para o inferno pelo próprio sete-peles no fim de Alma Gêmea (2006), e Josiane foi possuída pelo mal em A Dona do Pedaço (2019). Raul (Flávio Galvão) se passava pelo próprio Satanás em Corpo a Corpo (1985).