As cores do arco-íris fazem parte do uniforme do Angels. O time de vôlei estampa o orgulho de abrir as portas para as pessoas LGBTQIAP+.
É um dos 59 coletivos inclusivos que se espalharam pelo Brasil nos últimos anos e acolheram centenas de atletas amadores, segundo um estudo da organização não governamental Nix Diversidade
. São polos de resistência e acolhimento para a comunidade no esporte. A partir desta terça-feira, Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAP+, o GE SP estreia uma série especial que mostra a história de alguns dos times pioneiros do movimento.
Os coletivos inclusivos são um fenômeno recente no Brasil. O Real Centro, time de futebol de São Paulo para homens gays, foi a primeira equipe LGBT do país, com 33 anos nos campos. No entanto, a maioria das equipes mapeadas pela Nix Diversidade tem menos de 15 anos de existência. Esses times atuam em 21 modalidades – sete delas olímpicas – e estão espalhados por nove estados brasileiros – BA, CE, DF, GO, MG, PR, RJ, RS e SP.
– Os times LGBTs começaram a sair do escuro e mostrar que têm o seu lugar. Seja homem, seja mulher, seja trans, seja gay, seja lésbica, seja quem for. Hoje tem espaço para todo mundo no futebol e onde quer que seja – disse Rafael Silva, jogador do Real Centro.
Real Centro, o pioneiro
“Muita gente não podia aparecer, não queria que a família soubesse. Como até hoje é em muitos casos.” Valdo Silva conta que tudo era muito diferente quando o grupo de amigos fundou o Real Centro, em 1989. O time de futebol não podia revelar que era formado por homens gays.
– Quando jogamos entre a gente, a gente faz as brincadeiras todas, mas quando a gente ia jogar fora, tinha que ficar aquela repressão, ficar reprimido, porque se sabem que o time é gay, os caras ficam loucos! Ainda mais se eles perderem! – conta Valdo, que aos 60 anos ainda frequenta os treinos do Real.
Segundo o estudo da Nix Diversidade, 89,9% da população LGBTQIAP+ afirma que há muito preconceito no futebol ainda hoje. Por isso, o primeiro time LGBT do Brasil demorou mais de uma década para começar a se posicionar como um coletivo inclusivo e só cresceu desde então. Os fundadores estimam que mais de 200 jogadores já passaram pela equipe em 33 anos de existência.
– Esse grupo de amigos foi se fortalecendo ao longo dos anos e hoje abre espaço não só para o coletivo LGBT mas para qualquer um que quiser se inserir no esporte. O Real é muito isso, é muito família e muito acolhedor em relação a qualquer gênero. O Real é um lugar de segurança – disse Rafael Silva, de 28 anos, goleiro do Real.
O esporte que transforma
Quase 30 anos depois do surgimento do Real Centro, nasceu o primeiro e até hoje único time do Brasil para mulheres trans. O Angels Volley já tinha uma década acolhendo principalmente homens gays quando criou um projeto focado na comunidade trans feminina. O coletivo atua para além das quadras, oferece acompanhamento médico, fisioterapia, endocrinologista, psicólogo e amparo judicial. Ainda tem parcerias para que as jogadoras completem o ensino médio e ganhem bolsas universitárias.
– É totalmente transformador, uma vez que foi muito difícil encontrar esse lugar de pertencimento, onde eu possa me sentir segura, onde eu possa me sentir à vontade, sem passar constrangimento, porque muitas pessoas trans têm essa dificuldade de se encaixar em um lugar onde ela tem sua integridade respeitada. Na escola eu lembro que era horrível assim. Sempre tinha um comentário chato, situações que me levaram a sair triste da quadra. Então tenho esse lugar onde eu possa viver, fazer uma coisa que eu goste, uma prática esportiva que me faz bem, alimentar ainda amizades. E o Angels para mim é minha família – contou Ciara Pitima, jogadora do Angels Volley.
O projeto para mulheres trans do Angels é referência internacional por entender que não basta uma bola e uma quadra para garantir a prática esportiva a uma população com expectativa de vida de apenas 35 anos no Brasil.
A prática esportiva é mais um direito básico negado às pessoas transgênero. Um espaço que aos poucos está sendo conquistado. Dos 59 coletivos mapeados pelo estudo da Nix Diversidade no país, seis são focados na comunidade “T”. Além do Angels no vôlei, cinco times de futsal e futebol são um lugar seguro para homens trans, como o Meninos Bons de Bola (MBB).
– O acolhimento acho que é essencial do time. Pelo fato de eu ser homens trans, nunca tinha tido afeto ou proximidade com alguém do tipo. Cheguei com medo, sem chuteira, sem saber como ia ser, como iam me tratar, como eles iriam me olhar, e foi sensacional. No primeiro dia: “Vem, fica tranquilo, fica à vontade, a gente vai arrumar chuteira para você”. É uma família incrível. É pau para toda obra. O que você precisar, tipo da bola e até além – contou Murillo Albuquerque, jogador do MBB.
Tamanduás-Bandeira, um passo além
Todos os 59 coletivos mapeados pela Nix Diversidade não são profissionais e disputam torneios amadores, não raras vezes exclusivos para pessoas LGBTQIAP+. Um desses times, porém, deu um passo além neste ano. O Tamanduás-Bandeira se tornou a primeira equipe inclusiva a disputar uma competição oficial no Campeonato Paulista de rugby.
– Foi uma aventura mesmo. Primeiro time de rugby LGBT dentro de um campeonato federado, e está sendo um desafio para a gente. Temos poucos jogadores, mas muita vontade de jogar. É uma experiência única. A gente está em campo, ocupando esse espaço, criando representatividade dentro dos esportes, principalmente dentro do rugby, que é um esporte democrático, e a gente quer tornar mais democrático ainda – disse Alan Alves, jogador do Tamanduás-Bandeira.
O time de rugby de São Paulo é aberto a todos os interessados, sem restrições de gênero ou sexualidade. No Campeonato Paulista, o Tamanduás-Bandeira só tem quórum para disputar a categoria masculina. Entre seus jogadores federados está Tiely, um homem trans que simboliza a mensagem de inclusão da equipe.
– Foi uma porta que foi aberta, eu entrei e estou aproveitando até agora. A gente abre uma trincheira e deixa a trincheira aberta para outras pessoas entrarem e ir à guerra juntos, né!? A gente não pode deixar de olhar pra trás, porque outras pessoas abriram trincheiras para que outras pudessem guerrear e lutar. Então minha mensagem é essa representatividade dentro do time – disse Tiely.