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Edgar Cerqueira, o governador do Acre que a história quer esquecer e até esconde suas fotografias

Por TIÃO MAIA, PARA CONTILNET

Palácio Rio Branco na década de 1950, um dos grandes símbolos da luta pela emancipação do Acre. Foto: Acervo/Centro de Documentação e Informação Histórica (CDIH)/Ufac

Governador do Acre no período de maio de 1964 a julho de 1966, o capitão do Exército Edgar Pedreira de Cerqueira Filho, nascido em 1927 no Rio de Janeiro e falecido em abril de 1971, também no Rio, é um desses personagens que a história oficial quer esquecer. É o que pode constatar o visitante do Memorial dos Autonomistas, no centro de Rio Branco, que conta a história do movimento que elevou o então Território do Acre à condição de Estado, em 1962, com as fotos de 16 de 17 governadores estaduais expostas numa galeria pintada caprichosamente à tinta óleo, pelas mãos do artista plástico peruano e naturalizado brasileiro Jorge Rivasplata de La Cruz.

Cerqueira deixou de ser governador em julho de 1966 ao renunciar o mandato para concorrer ao cargo de Senador pela Arena, mas foi derrotado pelo candidato do MDB, o médico Adalberto Sena. No lugar de Cerqueira, porque o Estado não tinha ainda a previsão legal da presença de um vice-governador, assumiu o Governo o então presidente da Assembleia Legislativa, deputado Augusto Hidalgo de Lima, que foi substituído por Jorge Kalume, um dos cinco governadores indicados pela ditadura militar em 20 anos.

Nem o artista Jorge Rivasplata sabe que Cerqueira foi governador – até por mais tempo em que pelo menos dois dos que ali estão na galeria pintada por ele – Iolanda Lima, Édson Cadaxo, e quase pelo mesmo período de Romildo Magalhães, por exemplo. Os três eram vices e assumiram a titularidade do governo, no caso de Cadaxo e Iolanda, por 300 dias – pouco menos de um ano, com a renúncia dos governadores titulares – Nabor Júnior e Flaviano Melo, para concorrem ao Senado. O terceiro vice a assumir foi Romildo Magalhães, de maio de 1992 a dezembro de 1994, face ao assassinato do governador Edmundo Pinto, em pleno exercício do mandato, num quarto de hotel, em São Paulo – um crime envolto em mistérios mesmo 30 anos depois. Na galeria dos 16 governadores, a única representante do sexo feminino é Iolanda, a primeira mulher a governar um Estado brasileiro. Ela transmitiu o cargo a Flaviano Melo, em janeiro de 1987.

Se a justificativa para a inexistência da foto de Cerqueira na galeria dos ex-governadores for a ditadura militar, ali também não deveriam constar as fotos de Jorge Kalume, Wanderlei Dantas, Geraldo Mesquita e Joaquim Macedo, todos eles governadores do período autoritário e que chegaram ao poder em eleições indiretas, eleitos pelos deputados estaduais da Assembleia Legislativa. Como Cerqueira, jamais tiveram um único voto popular.

Os historiadores que a época trabalhavam para o Governo do Estado, não falam sobre o assunto, mas deixam escapar que a decisão de banir Edgar Pedreira de Cerqueira da Galeria e se possível de outros espaços que resgatam a história política do Acre, foi do então governador Jorge Viana, construtor do Memorial dos Autonomistas. Para inaugurar o espaço, em 2002, o então governador mandou buscar os restos mortis de Guiomard Santos e de sua esposa, Lídia Hames, para sepultá-los em definitivo no local, além de mandar colocar ali os retratos pintados a óleo dos seus antecessores – menos, claro, de Edgar Cerqueira.

A birra de Jorge Viana com Edgar Cerqueira teria origem no fato de que, embora adversários (ele era da UDN enquanto o governador era do PTB), o então deputado Wildy Viana e José Augusto de Araújo eram amigos. Wildy Viana – pai de Jorge e do ex-governador Tião Viana, falecido em 2016 – foi um dos poucos deputados leais à legalidade contra o golpe ao mandato do então governador. A maioria dos deputados – cinco, eram do PTB e quatro da UDN, numa época em que a Assembleia era formada por apenas nove parlamentares. Quatro aliados do governador votaram pela aprovação da renúncia de José Augusto, votos a favor de Cerqueira. O então deputado Nabor Júnior, aliado de José Augusto, que seria o quinto voto, ausentou-se da votação alegando dores de barriga. Um deputado da UDN completou a maioria.

Naquele 8 de maio de 1964, o capitão do Exército Edgar Pedreira de Cerqueira tinha pressa, muita presa. Consta que, naquele dia, ele ficara sabendo que em Brasília os generais do Alto Comando do Exército, que um mês antes haviam deposto o então presidente João Goulart num golpe militar que duraria 25 anos, iriam enviar um oficial superior para ocupar o governo do Estado do Acre. Sob as mais variadas acusações, os militares de alto coturno que passariam a mandar no país criavam as acusações mais torpes contra os governadores e outros políticos ligados a João Goulart, como era o caso de José Augusto de Araújo. Entre as acusações, a de fazer governos com viés comunistas e de casos de corrupção. Ao saber das acusações contra José Augusto e do envio de um militar de patente mais alta que a sua para assumir o Governo do Acre (cujo nome nunca foi revelado), Edgar Cerqueira apressou-se em ir ao Palácio Rio Branco e intimou o governador a renunciar e articulou-se com deputados estaduais para ser ele o indicado e eleito pela Assembleia, o que acabou acontecendo.

Amigos seus o aconselharam a resistir, como revelaria mais tarde a então primeira-dama Maria Lúcia de Araújo, mas o próprio governador quis evitar o derramamento de sangue, já que Cerqueira se fazia acompanhar de homens armados de metralhadoras e havia mandado ocupar as cercanias do Palácio Rio Branco e da Assembleia Legislativa, que funcionava numa escola onde hoje está localizada a Biblioteca Pública e o Colégio Barão do Rio Branco, no centro da Capital. A pressa de Cerqueira tinha um motivo: o oficial de alta patente que deveria chegar a Rio Branco para assumir o governo estava retido em Porto Velho, Rondônia, por falta de avião que o trouxesse a Rio Branco. Quando o tal oficiou chegou ao Acre, já encontrou Edgar Pedreira de Cerqueira aboletado na cadeira de govenador, no Palácio Rio Branco. Foi o golpe dentro do golpe, dizem alguns historiadores. Como na época não havia a figura do vice-governador, o cargo era exercido na prática pelo secretário geral do Estado, uma espécie de atual chefe do gabinete civil, que acabava fazendo às vezes de vice – na época, o cargo era exercido pelo jornalista Alfredo Mubarac. Por isso, vaga a cadeira de governador, coma aprovação a renuncia, assumiu imediatamente o capitão Edgar Pedreira de Cerqueira.

Cerqueira, no entanto, não está sozinho na galeria dos governadores que a história quer esquecer. Aqui pertinho. em Rondônia, um Capitão de Engenharia do Exército, que governou o Território Federal, Anachreonte Coury Gomes, também é esquecido pela história rondoniense. É o que revela o escritor e dramaturgo paulista [radicado em Curitiba] Edilson Pereira dos Santos. Ele acaba de lançar um livro baseado na história envolvendo o militar, o romance ‘Mi Puerto Viejo querido’.

O livro relata que em Porto Velho em 1964, quando do início do regime militar no país, chegou a cidade um carioca anteriormente designado para o 27º Batalhão de Caçadores de Manaus (AM), mas que acabou alocado para Rondônia. Em 1964, o capitão era um moço de 29 anos, forte, branco, cabelos pretos, 1,73 de altura, um tanto quieto e misterioso, graduado engenheiro militar na turma de 1959 da Escola Técnica do Exército, no Rio de Janeiro, então capital do Brasil.

De acordo com o romance, depois de formado, passou uma temporada no Nordeste, voltou ao Rio, de onde embarcou no dia 13 da março de 1964 para o Norte, a bordo do navio Princesa Leopoldina. Poucos dias depois, 1º de abril, era deposto o presidente João Goulart e os militares assumiram o controle da Nação.

De Manaus, o capitão seguiu para Porto Velho de avião. Indicado como interventor federal pelo presidente da República, general Castelo Branco, botou banca. O que ninguém sabia — ou fingia que não – era que Anachreonte Gomes havia sido enviado pelo Exército ao Norte do Brasil como forma de puni-lo [ou poupá-lo?] por conta de um escândalo iminente pelos casos de pederastia protagonizados por ele na Cidade Maravilhosa. Por isso, consta que, no luxuoso Palácio Rio Madeira, sede do governo do Território de Rondônia, os seguranças mais afeiçoados tinham entrada franca nos aposentados íntimos do interventor cujo cargo era equivalente ao de governador do território.

Cerqueira é o único governador que não tem sua pintura exposta na galeria do Memorial dos Autonomistas. Veja nas imagens abaixo:

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