Uma “relação de superioridade de poder” para cometer um crime “premeditado” e “de caso pensado”. Assim agiu Giovanni Quintella, anestesista preso por estupro de uma paciente durante uma cesariana, segundo a delegada do caso e uma especialista em saúde ouvida pelo g1.
A reportagem pediu a Chrystina Barros, pesquisadora da UFRJ e enfermeira, para analisar o comportamento do anestesista na operação gravada que o levou à prisão. A especialista também explicou como uma equipe trabalha em uma cesárea.
Chrystina considera que Giovanni teve uma “proximidade absurda” da cabeça da paciente — quando, normalmente, um anestesista fica entre a mesa de cirurgia e os monitores hospitalares.
‘Relação de poder’
Ao ‘Encontro’ desta terça-feira (12), Bárbara Lomba, titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de São João de Meriti, responsável pela investigação, afirmou que a violência sofrida pela parturiente foi “além das relações íntimas e domésticas”.
“Imediatamente eu me identifiquei com essa mulher e pensei muito nas mulheres brasileiras, que já sofremos algum tipo de violência, muitas vezes nas relações íntimas e nas relações domésticas”, disse Bárbara.
“Mas aí há uma violência para além dessas relações, uma relação de poder. Este profissional [Giovanni] estava ali até responsável pela vida dessa paciente. Estava em uma relação de superioridade de poder, pela vulnerabilidade dela e pela posição de poder dele”, explicou.
‘Caso pensado’
A pedido do g1, Chrystina Barros avaliou como Giovanni agiu durante o parto por cesariana no Hospital da Mulher Heloneida Studart.
“Não é que ele [Giovanni] tenha uma doença mental e que ele teve um impulso incontrolável de desejo. Ele sabe muito bem o que ele está fazendo. Desde o princípio, foi de caso pensado, completamente premeditado. Escolheu ficar daquele lado da paciente”, declarou.
Como é uma cesariana
Chrystina explicou que para a maioria das cesarianas seis ou sete profissionais são mobilizados:
- 1 obstetra, que conduz a cisão do ventre, retira o bebê e sutura o abdômen;
- 1 obstetra auxiliar;
- 1 instrumentador, que repassa o material da cirurgia quando solicitado;
- 1 pediatra, que cuida do bebê após a retirada e o leva ao berçário;
- 1 anestesista, que aplica, na maior parte das vezes, uma raquidiana — a fim de eliminar as dores da cintura para baixo;
- 2 técnicos de enfermagem, que circulam pela sala de cirurgia e podem buscar materiais do lado de fora.
Há ainda o acompanhante, um direito de toda grávida.
Estupro na cesariana: entenda a cena do crime
Compare a postura do médico preso com a de uma equipe normal
A posição na sala
- A pesquisadora explicou que, entre os cuidados em qualquer cirurgia, estão a livre circulação na sala para qualquer imprevisto e a esterilização da área operada — para tanto, há o pano que a isola. Em partos, essa cortina é erguida na altura dos ombros.
A anestesia
- “Especificamente na cesariana, a anestesia mais utilizada é a raquidiana. A gente senta a mulher, e, entre os espaços das vértebras na região lombar, o anestesista faz a aplicação do medicamento que vai tirar a dor exatamente daquele ponto para baixo”, ensinou Chrystina.
- “Na ráqui, a mulher permanece acordada o tempo todo. Esse campo verde, pendurado de um lado ao outro, tem dois papéis: ele mantém o campo estéril para o médico abrir a barriga sem risco de contaminação; e, como a mulher está lúcida, ela não vê a manipulação da barriga”, prosseguiu.
- “Dependendo das condições clínicas da mulher, pode haver uma indicação de anestesia geral. Neste caso, ela não faz a raquidiana: a paciente é entubada”, destacou.
A assistência à paciente
- Chrystina falou ainda que o anestesista fica sempre posicionado próximo à cabeça do paciente “para que ele possa ver a condição dele e manter o controle e a observação dos monitores”.
- “Enquanto o cirurgião está olhando para o campo cirúrgico, o anestesista está de olho nos monitores e no paciente. Então, estar ao lado ou estar acima da cabeça é a posição que o anestesista precisa ficar normalmente para dar assistência”, disse.